Na tarde de terça-feira (18), executivos da multinacional californiana HempMeds, uma das maiores fabricantes da indústria de maconha medicinal do mundo, estiveram reunidos a portas fechadas na sede da subsidiária brasileira, na Zona Sul de São Paulo. Por determinação do CEO global, Stuart Titus, que comanda a holding dona da empresa Medical Marijuana, o objetivo do encontro foi traçar um panorama do setor no mercado brasileiro a partir do sinal verde dado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a produção e uso medicinal e científico dos princípios ativos da controversa planta cannabis sativa, como o canabidiol (CBD).

“Estamos convictos de que a flexibilização das regras para produção, importação e estudo com a matéria-prima será um imenso progresso para a comunidade científica brasileira”, afirmou um executivo da companhia, que pediu para não ser identificado até que as novas regras sobre o tema estejam bem definidas. “Ainda é cedo para determinar os reflexos dessa medida, mas é certo que haverá mais espaço para a desmistificação em torno da planta e a liberalização para outras finalidades.”

A HempMeds não é a única empresa que está empolgada com o horizonte da maconha no mercado nacional. A Kroger, uma gigante varejista de alimentos dos Estados Unidos, está olhando com atenção para o mercado nacional. Ela venderá produtos à base de canabidiol em suas 945 lojas, em 17 estados americanos, e negocia acordo com um distribuidor brasileiro caso a legislação permita também o uso cosmético, como já pleiteado, além do medicinal.


Varejistas

Com a expectativa de afrouxamento das regras, os mesmos produtos oferecidos lá fora poderão ser trazidos ao país, segundo uma fonte da empresa. Entre os itens à base da erva estão cremes, bálsamos e óleos. Em território americano, a Kroger é mais uma na lista de varejistas do país, incluindo Walgreens, CVS, Vitamin Shoppe e GNC, que estão se abastecendo de produtos compostos por cânabis. “Assim como muitos varejistas, estamos começando a oferecer aos nossos clientes uma seleção de produtos tópicos que são infundidos com CBD derivado de cânhamo”, disse o executivo da Kroger.

No Brasil, o potencial da cânnabis é imenso. Pelos cálculos da empresa de dados NewFrontier, em parceria com a start-up brasileira The Green Hub, o país poderia movimentar R$ 4,7 bilhões por ano com a liberação completa, inclusive para uso recreativo. Já no mundo, a indústria legal deve faturar, segundo a consultoria Brightfield Group, US$ 5,7 bilhões (R$ 20 bilhões) em 2019. Até 2022, pode chegar a US$ 22 bilhões (R$ 80 bilhões).

A diretora de pesquisa do grupo, Bethany Gomez, diz que a Web Holdings, maior acionista do setor, cresceu 172% entre 2016 e 2017, com receita estimada de US$ 89 milhões (R$ 330 milhões) no ano passado. “O interesse contínuo do Brasil pela legalização potencial da cânabis medicinal é parte de um fenômeno global, pois dezenas de países começaram a considerar a cânabis como fonte de tratamento médico viável para uma variedade de doenças e condições”, disse a fundadora e CEO da New Frontier Data, Giadha Aguirre de Carcer.

“Dada a vasta área territorial do Brasil, clima e localização geográfica estratégica, o país tem grande potencial de mercado, não só para aplicações médicas domésticas, mas também para expandir sua exportação para países incapazes de cultivar localmente, como Europa e América Latina.” Até mesmo gigantes do mercado de alimentos e bebidas, como a Coca-Cola, não escondem o interesse. A companhia, em nota divulgada nos Estados Unidos, afirmou estar “acompanhando de perto a popularização do CBD não psicoativo como ingrediente em bebidas funcionais no mundo”.


Cultivo

Apesar das especulações e desejos das empresas em torno da maconha, por enquanto a planta deverá ser restrita a uso médico no país. “A decisão dessa semana é só o início do debate, mas é muito importante que o tema, sempre tratado como um tabu, seja discutido cientificamente”, afirmou Patrick Ferrer, diretor jurídico da Associação Brasileira dos Usuários de Canabidiol (Abuc).

Na avaliação das associações defensoras da cannabis, a nova postura da Anvisa simboliza avanço, mas não é motivo de euforia. O principal problema identificado na medida é que a Anvisa não libera o cultivo individual ou o associativo e privilegia os interesses da indústria farmacêutica e a plantação exclusivamente em lugares fechados.

Estudo recente da consultoria Euromonitor apontou que as vendas legais de cannabis devem turbinar 1.200% nos próximos sete anos, dos atuais de US$ 12 bilhões anuais, em 2018, para US$ 166 bilhões, em 2025. Esse mesmo levantamento listou os 100 maiores mercados consumidores do mundo para identificar quais são as praças em que a maconha tem maior potencial de sucesso. O Brasil, em lista liderada pelo Canadá, ficou na 26ª posição, embora seja um dos maiores mercados consumidores do mundo.


FORTUNA: US$ 5,7 bilhões é a estimativa de faturamento, neste ano, da indústria legal de produtos feitos com maconha no mundo