Nos últimos meses, a aprovação de leis municipais ou estaduais com iniciativas para levar mulheres a abrir mão do direito ao aborto legal têm chamado a atenção de instituições que monitoram esse atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Em Maceió, por exemplo, uma lei que obrigava mulheres nessas condições a verem a imagem do feto foi revogada pela Justiça de Alagoas, em 19 de janeiro, poucos dias depois de o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, sancionar a lei que criou a “campanha de conscientização contra o aborto para mulheres”.

Ainda em vigor, a Lei Estadual 22.537/2024, assinada por Caiado em 11 de janeiro, traz diretrizes para políticas públicas de educação e saúde em todo o estado. São orientações como a elaboração de palestras sobre o tema para crianças e adolescentes e a garantia de que o Estado forneça para a mãe exame de ultrassom “contendo os batimentos cardíacos do nascituro”.

Na avaliação de Júlia Rocha, coordenadora da organização não governamental de direitos humanos que publica desde 2018 o Mapa Aborto Legal, o surgimento de leis em estados e municípios em desacordo com a legislação federal impacta diretamente a garantia de direitos sexuais e reprodutivos.

No Brasil, esses direitos garantem o acesso ao aborto legal nos casos em que as gestantes foram vítimas de estupro, quando a gravidez representa risco à vida da mãe, ou ainda quando acontece a anencefalia fetal, uma má formação no sistema nervoso central que inviabiliza a vida do bebê durante a gestação ou 24 horas após o nascimento.

Júlia explica que, em todos os casos, as mulheres que buscam o aborto legal já estão muito vulnerabilizadas pela situação que a levou ao serviço de saúde para exercer seu direito e qualquer nova dificuldade acaba empurrando-as para os serviços clandestinos. “Se você cria barreiras municipais e estaduais ao aborto legal, nada impede que essas pessoas que estão buscando o serviço no SUS naquele município busque outra forma para acessar o direito e, assim, você cria novas formas de vulnerabilização.”

Autor da lei de Goiás, o ex-deputado estadual Fred Rodrigues (Democracia Cristã) diz que a intenção é chamar a atenção aos riscos do aborto, tanto o legal, quanto o ilegal. Segundo ele, o trecho que trata do ultrassom apenas garante o serviço à mulher que queira ter acesso ao exame. “Não há, em momento nenhum na nossa lei, nem no Artigo 3º, Inciso VI, e nem em um outro momento, a palavra obrigatoriedade ou exigência, então o estado simplesmente disponibiliza.”

No entanto, para Júlia, esse tipo de lei afeta diretamente o atendimento e o acolhimento no sistema de saúde, já que cada lugar vai legislar o assunto de uma maneira diferente, e locais que antes disponibilizavam o aborto legal podem deixar de ofertar o procedimento. “Essa oscilação também é muito prejudicial, principalmente para crianças que vão buscar o serviço de aborto, muitas vezes em um estado de gestação avançado, por uma questão de dificuldade de comunicar que houve a violência sexual, mas também uma dificuldade de perceber essa gestação.” 

De acordo com Pesquisa Nacional do Aborto de 2021, que ouviu 2 mil mulheres em 125 municípios brasileiros, 6% das mulheres que declararam ter realizado o procedimento afirmaram ter passado por ele entre 12 e 14 anos. De acordo com Júlia, os diagnósticos do Mapa do Aborto Legal apontam que essa população é a que mais fica vulnerável quando um serviço de saúde deixa de acolher para o aborto legal.

Procurado pela reportagem da Agência Brasil, o secretário de Saúde de Goiás, Sérgio Vencio, respondeu por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa que a “Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) tomou conhecimento da lei recém-publicada e está dando os encaminhamentos necessários para seu cumprimento.”