A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou regulamento para a fabricação, importação e comercialização de medicamentos derivados da Cannabis. Norma será publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias e entrará em vigor 90 dias após a publicação.

A decisão foi tomada por unanimidade pela diretoria colegiada da agência reguladora. O parecer apresentado em reunião ordinária pública nesta terça-feira (3), em Brasília, está disponível na internet.

O medicamento só poderá ser comprado mediante prescrição médica. A comercialização ocorrerá exclusivamente em farmácias e drogarias sem manipulação. Conforme nota da Anvisa, “os folhetos informativos dos produtos à base de Cannabis deverão conter frases de advertência, tais como ‘O uso deste produto pode causar dependência física ou psíquica’ ou ‘Este produto é de uso individual, é proibido passá-lo para outra pessoa’”.

“Essa é uma excelente notícia, um avanço. Torna mais democrática a possibilidade de prescrição”, assinala o neurologista Daniel Campi, vice coordenador do Departamento de Dor da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Segundo ele, pacientes que conseguiam autorização de uso do medicamento estavam gastando mais de R$ 2,5 mil por mês.

Visão crítica

O especialista, no entanto, pondera que “é preciso ter visão mais crítica” sobre as potencialidades do medicamento. Segundo ele, “há um gap” entre a demanda pelo medicamento “para a melhora da qualidade de vida” e o conhecimento sobre em quais pacientes e circunstâncias produtos a base de Cannabis terão efeito.

“É como dizer que há um lugar fantástico na Floresta Amazônica, mas não dizer onde fica exatamente”, compara Daniel Campi ao defender que as universidades e centros de pesquisas deverão investigar mais os efeitos dos medicamentos.

Ele calcula que 70% da demanda antes da regulamentação da Cannabis para uso medicinal era para alivio de dor crônica (lombar e de cabeça). Também havia grande procura para casos de ansiedade e dificuldades de sono. A ABN prepara nota científica sobre fármacos à base de Cannabis.

A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace) contabiliza centenas de pessoas que tiveram acesso ao medicamento para casos de epilepsia, autismo, mal de Alzheimer, mal de Parkinson e neuropatias. A entidade divulga nomes e contatos de mais de 150 médicos que já prescrevem medicamentos à base de Cannabis.

Projeto de Lei

A possibilidade de liberação da comercialização de produtos com Cannabis mereceu ao longo deste ano atenção constante do ministro da Cidadania, Osmar Terra, que é médico especializado em saúde perinatal e desenvolvimento do bebê, e faz restrições ao uso indiscriminado.

Na semana passada, em audiência pública na Câmara dos Deputados, Terra assinalou que “uma coisa é usar o canabidiol (...). Se ele faz efeito, tem que ter garantia do Ministério da Saúde para ser oferecido gratuitamente à população mais pobre com indicação médica, que realmente precisa. Agora, usar a desculpa do canabidiol para propor que se use a maconha livremente, nós não podemos deixar passar”.

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 399/2015 que faculta a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação. Em seu perfil no Twitter, Osmar Terra declarou haver lobby empresarial em favor da liberação de medicamentos derivados da Cannabis. Ele também declarou ser contrário à regulação do plantio da Cannabis, já vetado hoje pela na Anvisa. O Conselho Federal de Medicina publicou nota em favor do posicionamento do ministro.

Para o clínico-geral Leonardo Borges, do Hospital das Clínicas e do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, “a possibilidade de uso recreacional existe em outros medicamentos como os fármacos de sildenafil, previstos para homens com disfunção erétil, mas consumidos por homens sem problema nenhum”. O médico, que já prescreveu medicamento a base de Cannabis, assinala que a decisão da Anvisa foi tomada “após grande revisão da literatura sobre o medicamento”.