O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), inaugurou a divergência ao voto da vice-presidente, Rosa Weber, no julgamento em curso para decidir se será liberada a execução das emendas de relator geral do Orçamento (RP-9) previstas para este ano.
 
O dispositivo é usado para viabilizar orçamento secreto, revelado em série de reportagens publicadas pelo Estadão. Em uma manifestação contundente contra o acordo de cooptação do Congresso pelo governo Jair Bolsonaro, Fachin afirma que as medidas adotadas até o momento pelo governo e Congresso não reverteram a falta de transparência, isonomia e impessoalidade inerentes ao esquema.

Em uma série de reportagens do Estadão, iniciada em março deste ano, ficou demonstrado como o governo Bolsonaro, com apoio dos presidentes da Câmara e do Congresso, conseguiu aplacar os instrumentos de transparência ao permitir que parlamentares da base aliada indicassem bilhões de reais aos seus redutos eleitorais por meio das emendas RP-9 - e sem que fossem adotados quaisquer critérios técnicos.

"Cuida-se de uma rubrica orçamentária envergonhada de si mesma, instituída com o propósito de esconder por detrás da autoridade da figura do relator-geral do orçamento uma coletividade de parlamentares desconhecida, favorecida pelo privilégio pessoal de poder exceder os limites de gastos a que estão sujeitos no tocante às emendas individuais, em manifesto desrespeito aos postulados da execução equitativa, da igualdade entre os parlamentares, da observância de critérios objetivos e imparciais na elaboração orçamentária e, acima de tudo, ao primado do ideal republicano e do postulado da transparência no gasto de recursos públicos", escreveu o ministro.

O julgamento teve início na terça-feira, 14, no plenário virtual do Supremo - ou seja, na plataforma em que os votos dos ministros são apresentados remotamente, longe do amplo escrutínio público das sessões presenciais e sem discussões mais aprofundadas. O placar parcial da votação é de 4 votos a favor de liberar a execução das emendas de relator-geral do Orçamento previstas para 2021, ante apenas um voto contrário, o de Fachin. A tese que tem prevalecido foi estabelecida em decisão liminar da ministra Rosa Weber, que foi acompanhada pelos votos de Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.


No último dia 6, Rosa Weber atendeu aos pedidos dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para suspender o trecho da decisão proferida pelo plenário do Supremo em novembro, por 8 votos a 2, que impediu novas indicações de emendas RP-9 e a execução das mesmas neste ano. Por meio de uma decisão liminar, a ministra reconheceu os argumentos dos parlamentares de que o fim dos repasses, e por conseguinte da execução do orçamento secreto, teria como efeito a paralisia de diversos setores essenciais da administração pública.

Rosa Weber

O placar parcial da votação é de 4 votos a favor de liberar a execução das emendas de relator-geral do Orçamento previstas para 2021. Ao lado da ministra Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski tambem se posicionaram a favor da permanência do mecanismo. Foto: Nelson Jr./STF

A ministra apresentou em seu voto nesta terça-feira os mesmos argumentos contidos na liminar, ou seja, de que as providências adotadas pelo Congresso e o Palácio do Planalto no sentido de dar transparência ao esquema "mostram-se suficientes" diante do "risco de prejuízo que a paralisação da execução orçamentária traz à prestação de serviços essenciais à coletividade".

Para Fachin, porém, as medidas adotadas não demonstraram a eficácia almejada para coibir a compra de apoio parlamentar pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. O ministro afirma em seu voto que a dinâmica persiste e, portanto, "contrapõe-se ao ideal republicano e aos postulados constitucionais da publicidade e da impessoalidade no âmbito dos Poderes Públicos".


"A continuidade do serviço público só poderia servir à liberação dos recursos se o vício quanto à falta de publicidade tivesse sido devidamente sanado, o que não ocorreu. Assim, a lógica da ocultação, os parlamentares incógnitos e os destinatários imperscrutáveis subsistem. Deve, pois, subsistir o termo contido na decisão anterior: "até o final julgamento de mérito desta arguição de descumprimento", sustentou Fachin em seu voto.

Em um recuo estratégico às vésperas da liminar de Rosa Weber, o Congresso informou ao Supremo, no dia 3 de dezembro, que cumpriria parte da decisão da Corte para dar transparência ao orçamento secreto. O presidente do Senado encaminhou ao gabinete da ministra, por meio da Advocacia da Casa, um documento em que afirma ter solicitado ao relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), o detalhamento dos nomes dos parlamentares por trás dos repasses feitos neste ano no esquema que dá sustentação a Bolsonaro no Congresso.

O Poder Executivo seguiu o mesmo caminho. No dia 9 deste mês, Bolsonaro editou um decreto com diretrizes para dar publicidade aos pagamentos feitos no orçamento secreto. A medida, contudo, não menciona o relator-geral do Orçamento, que é o responsável por concentrar as informações de pedidos de deputados e senadores para liberação de verbas das emendas. De acordo com o texto, os pedidos de recursos da União feitos pelos congressistas para destinar as suas bases e recebidos pelo Executivo deverão ser tornados públicos na Plataforma +Brasil.

"No plano material, contudo, há um grupo privilegiado de parlamentares que poderá destinar volume maior de recursos a suas bases eleitorais, utilizando-se, para tanto, das despesas previstas na quota do relator-geral. Não há como saber quem são, de fato, os Deputados Federais e Senadores da República componentes desse grupo incógnito, pois a programação orçamentária utilizada por esse fim identifica apenas a figura do relator-geral", escreve Fachin em seu voto.

Até o momento, Fachin foi o único ministro a manter a posição manifestada no julgamento em novembro deste ano, quando por 8 votos a 2 o Supremo manteve a liminar de Rosa Weber que obrigava o Congresso a publicizar os gastos e cessar a execução das emendas indicadas pelo orçamento secreto. A ministra, porém, mudou de entendimento e foi seguida por Ricardo Lewandowski. Ambos se alinham à posição defendida pelo ministro Gilmar Mendes, que trabalhou desde a primeira votação para construir um entendimento intermediário na corte: de que seria necessário manter a execução das emendas de relator-geral, porém, com a adoção de medidas que conferissem transparência ao esquema de cooptação do Congresso pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Daí o caráter obscuro desse sistema: o relator-geral desonera-se da observância do dever de atender os mandamentos da isonomia e da impessoalidade ao atribuir a si próprio a autoria das emendas orçamentárias, ocultando, dessa forma, a identidade dos efetivos requerentes das despesas, em relação aos quais recai o manto da imperscrutabilidade", completa Fachin.