O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) minimizou nesta quinta-feira (19) a operação realizada um dia antes pelo Ministério Público do Rio de Janeiro com foco em seu filho mais velho, o senador Flávio (sem partido-RJ). E disse não ter nada a ver com as suspeitas contra o filho e seus ex-assessores.
A Promotoria aponta suspeitas sobre um policial militar, uma loja de chocolate e imóveis de Flávio Bolsonaro como meios para lavagem de dinheiro da suposta "rachadinha" no gabinete dele na Assembleia Legislativa de 2007 a 2018. A prática da "rachadinha" consiste em coagir servidores a devolver parte do salário para os deputados.
Nesta quinta-feira, na entrada do Palácio do Alvorada, onde parou para cumprimentar simpatizantes, o presidente inicialmente se negou a comentar a investigação. Depois, disse não ter nada a ver com o caso.
"O Brasil é muito maior do que pequenos problemas. Eu falo por mim. Problemas meus podem perguntar que eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver com isso", disse, ao recomendar que a imprensa procure o advogado do filho.
O pivô da investigação é Fabrício Queiroz, policial militar aposentado que era assessor de Flávio. A origem da relação de Queiroz com a família Bolsonaro é o presidente da República. Os dois se conhecem desde 1984 e pescavam juntos em Angra dos Reis.
Queiroz depositou R$ 24 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro em 2016. O presidente afirma se tratar de parte da quitação de um empréstimo de R$ 40 mil.
Nesta quinta, o presidente citou investigações e apurações contra ele que, na opinião dele, foram injustas. Ele lembrou, por exemplo, quando foi acusado de racismo, inquérito que acabou arquivado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Bolsonaro também ressaltou depoimento citando seu nome como parte do inquérito da Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL). O porteiro do condomínio do presidente, que havia feito referência a seu nome, depois corrigiu o depoimento.
O presidente foi, então, questionado se insinuava que o Ministério Público estava perseguindo Flávio. Como resposta, citou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, seu adversário político.
Segundo ele, uma gravação, identificada pela inteligência do governo, tentou relacioná-lo a atividades de milícias. Bolsonaro não explicou, no entanto, sobre que áudio fazia referência. "Vocês sabem o caso Witzel, que foi amplamente divulgado. A inteligência levantou. Já foram gravadas conversas de dois marginais usando meu nome para dizer que sou miliciano", disse.
Um dia antes, agentes do Ministério Público cumpriram 24 mandados de busca e apreensão ligados à apuração sobre a prática de "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio. Estão sendo investigados crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
A operação ocorreu após quase dois anos do início das investigações contra Fabrício Queiroz, policial militar aposentado que foi assessor de Flávio de 2007 a 2018 e cujas movimentações financeiras atípicas estenderam as suspeitas ao filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.
Em 2019, após pedido de Flávio, as apurações do caso chegaram a ser suspensas a partir de julho por liminar (decisão provisória) do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli. Após decisão do plenário da corte, foram retomadas neste mês.
A apuração sobre Flávio começou em janeiro de 2018. O antigo Coaf, órgão federal hoje rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira) e ligado ao Banco Central, enviou na época espontaneamente um relatório indicando movimentação financeira atípica de Queiroz de R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia Legislativa do Rio.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
Queiroz também passou a ser uma dor de cabeça para a família presidencial para além da questão financeira. Foi o PM aposentado quem indicou duas parentes do ex-capitão Adriano da Nóbrega para ocupar cargos no gabinete de Flávio na Assembleia. O ex-PM é acusado de comandar uma das milícias mais violentas da cidade e é considerado foragido há quase um ano.
Alvos:
- Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro;
- Márcia Oliveira de Aguiar, mulher do ex-assessor;
- Evelyn Queiroz, filha do ex-assessor;
- José Procópio Valle, ex-sogro de Bolsonaro;
- Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada de Bolsonaro;
- Francisco Diniz, primo de Ana Cristina Valle (ex-mulher de Jair Bolsonaro);
- Daniela Gomes, prima de Ana Cristina Valle;
- Juliana Vargas, prima de Ana Cristina Valle;
- Maria José de Siqueira e Silva, tia de Ana Cristina Valle;
- Marina Siqueira Diniz, tia de Ana Cristina Valle;
- Guilherme dos Santos Hudson, tio de Ana Cristina Valle;
- Ana Maria Siqueira Hudson, tia de Ana Cristina Valle.
Questões ainda sem resposta no caso Queiroz
- Quem eram os assessores informais que Queiroz afirma ter remunerado com o salário de outros funcionários do gabinete de Flávio?
- Por que o único assessor que prestou depoimento ao Ministério Público do Rio de Janeiro não confirmou esta versão de Queiroz?
- Como Flávio desconhecia as atividades de um dos seus principais assessores por dez anos?
- Por qual motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém que costumava movimentar centenas de milhares de reais?
- De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e onde está o comprovante da transação?
- Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros alegadas por Queiroz?
- Por que há divergência entre as datas do sinal descrita na escritura de permuta de imóveis com o atleta Fábio Guerra e as de depósito em espécie fracionado na conta de Flávio?
Inconsistências no pedido do MP-RJ
Pessoas não nomeadas por Flávio Bolsonaro
Há três casos de pessoas sem vínculo político com Flávio que foram alvo de quebra de sigilo. Elas estavam nomeadas no gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o senador assumiu o cargo e, em seguida, as demitiu.
Remuneração de Queiroz
Ao comparar gastos com vencimentos de Fabrício Queiroz, o Ministério Público considera apenas salário da Assembleia e ignora remuneração que ele recebe da Polícia Militar.
Saques
Há erro na indicação do volume de saques feitos por Queiroz em dois dos três períodos apontados.
Laranja potencial
Promotoria atribui ao gabinete de Flávio servidora da TV Alerj que acumulava cargo com outro emprego externo.
Patrimônio
Ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que Flávio adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida.