VAZA JATO


A decisão do ex-juiz Sergio Moro de divulgar parte da delação do ex-ministro da Fazenda do Governo Lula, Antonio Palocci, dias antes da eleição presidencial teve influência política, segundo mensagens trocadas por procuradores da Operação Lava Jato.


As conversas obtidas pelo The Intercept Brasil mostram que o então juiz duvidava de algumas provas apresentadas por Palocci, mas apesar disso, considerava a colaboração do ex-ministro relevante por representar uma quebra dos vínculos entre os petistas.
 
No dia 25 de setembro o procurador Paulo Roberto Galvão comentou com seus colegas que "Russo comentou que embora seja difícil provar ele é o único que quebrou a omerta petista". Russo era o codinome utilizado pelos procuradores para se referirem ao atual ministro da Justiça, Sergio Moro. Já a palavra Omertà era associada aos petistas. 


A procuradora Laura Tessler também não se mostrava confiante com a delação de Palocci "Não só é difícil provar, como é impossível extrair algo da delação dele", comentou com os colegas. A preocupação era compartilhada com o procurdor Antônio Carlos Welter, "O melhor é que [Palocci] fala até daquilo que ele acha que pode ser que talvez seja".

No mesmo dia Sergio Moro tinha recebido as provas entregues na delação e estava se preparando para divulgar um dos depoimentos do ex-ministro sobre a corrupção nos governos petistas. O acordo de delação premiada de Palocci foi firmado em março de 2018 com a Polícia Federal, após tentativas frustradas de conseguir um acordo com a Procuradoria-Geral da República e a força-tarefa à frente da Lava Jato em Curitiba, as negociações duraram quase oito meses. 

Negociação
As mensagens analisadas pelo The Intercept e pela Folha de S. Paulo divulgadas nesta segunda-feira (29) mostram que as negociações com Palocci foram encerradas após os procuradores concluirem que a delação do ex-ministro acrescentava pouco ao que os investigadores já tinham conhecimento, além de não incluir provas que justificassem os depoimentos que traziam novos fatos. 

Segundo as mensagens, os procuradores chegaram a cogitar o pedido de anulação do acordo de Palocci com a PF, além de continuarem duvidando da real contribuição dos depoimentos após a divulgação dos termos pelo ex-juiz Sergio Moro, mas evitaram críticas públicas após a divulgação.

O conteúdo da delação foi divulgado no dia 1º de outubro, 5 dias após os comentários dos procurados no Telegram e uma semana antes do primeiro turno das eleições presidenciais. Moro anexou documentos ao autos de um processo que onde o ex-presidente Lula e o ex-ministro Palocci são réus, acusados de receberem apoio da Odebrecht ao Instituto Lula. 

A medida foi justificada com o argumento de que era preciso anexar aos autos os termos da colaboração de Palocci, a decisão judicial que homologou o acordo e o depoimento que fosse pertinente aos autos. Moro afirmou que a medida era necessária para garantir ampla defesa aos outros acusados na ação, apesar de fazer a ressalva que só consideraria em sua sentença o depoimento de Palocci prestado em 2017 à Justiça, ocasião onde o ex-juiz teve a oportunidade interrogar o réu juntamente com o Ministério Público e os advogados de outros réus. 

O acordo de Palocci com a Polícia Federal foi homologado em junho de 2018 pelo relator da Lava Jato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto. Na ocasião o Ministério Público se manifestou de maneira contrária ao acordo por não reconhecer a legitimidade da polícia para negociar benefícios. 

O depoimento divulgado por Sergio Moro foi conduzido pela PF em abril de 2018. É nele que o ex-ministro afirma que o ex-presidente Lula autorizou o loteamento da Petrobras por partidos que apoiavam seu governo, além de ter conhecimento de que propina era recolhida das empreiteiras que negociavam com a Petrobras. 
Palocci também informa que as campanhas da ex-presidente Dilma Rousseff em 2010 e 2014 teriam recebido dinheiro de caixa dois, custando mais do que foi informado oficialmente, cerca do triplo do que foi declarado. 


Apesar de Palocci não ter apresentado provas ou do seu depoimento ser uma repetição do que já havia sido dito antes, a delação divulgada pelo ex-juiz Sergio Moro teve grande repercussão dias antes da eleição presidencial.


O assunto chegou a ocupar quase 9 minutos do telejornal brasileiro mais assistido, onde a reportagem citou duas vezes a ligação de José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, com a campanha de Fernando Haddad, candidato presidencial do PT, que ocupava o segundo lugar nas pesquisas eleitorais, atrás de Jair Bolsonaro (PSL). Nos dias seguintes, a delação ganhou visibilidade na propaganda eleitoral, tanto no rádio como na televisão. 


O atual ministro, Sergio Moro, precisou apresentar novos argumentos para justificar a divulgação da delação de Palocci quando precisou se defender de uma reclamação apresentada ao Conselho Nacional de Justiça contra sua decisão. O ex-juiz negou a intenção de influenciar as eleições eleitorais. 


Moro se defende da seguinte maneira: "Retardar a publicidade do depoimento para depois das eleições poderia ser considerado tão inapropriado como a sua divulgação. Não deve o juiz atuar como guardião de segredos sombrios de agentes políticos suspeitos de corrupção."


O ex-juiz chegou a afirmar que a delação incluía outros depoimentos mais contundentes e que aguardava a apresentação das provas de Palocci para evitar que a divulgação antecipada da delação prejudicasse o andamento das investigações. 

Um mês depois de se explicar ao CNJ, Moro assumiu como ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro. Duas semanas depois, Palocci foi transferido para prisão domiciliar com monitoramento através de tornozeleira eletrônica, a decisão foi tomada pelo TRF-4 após dois anos de prisão do ex-ministro em Curitiba. 


O interesse dos procurados por Palocci era justificado pela proximidade do réu com Lula, até ser preso pela Operação Lava Jato e romper com o Partido dos Trabalhadores. Apesar disso, as mensagens demonstram que não havia entusiasmo com sua delação. 


Em setembro de 2017 o procurador Antônio Carlos Welter indicou estar insatisfeito com os documentos apresentados por Palocci. O procurador afirmava que os elementos de corroboração eram poucos e o conteúdo precisava ser melhorado. Quatro meses após a afirmação, a situação era a mesma. O fato que fez com que as negociações fossem rompidas.


O material obtido pelo Intercept possuí versões dos anexos apresentados por Palocci ao Ministério Público durante as negociações, com resumos dos relatos que seriam feitos aos investigadores e indicações de evidências que poderiam comprová-los. 


Dos 53 anexos, 18 não fazem referência a provas, já em ao menos outros 9 casos, o ex-ministro aponta processos que já estão em andamento ou depoimentos de outros delatores como provas. 


Apesar da ausência de provas, a PF fechou o acordo com Palocci em três meses, um dia antes da delação ser homolagada o STF reconheceu que a polícia possuía legitimidade para celebrar acordos de colaboração. 


Deltan Dallagnol chegou a sugerir que os procuradores do TRF-4 tentassem anular o acordo, mesmo que sem chance de sucesso, o chefe da força-tarefa de Curitiba achava que a ação poderia interferir em outras negociações que estavam sendo conduzidas pela Polícia Federal. 

A iniciativa não foi concluída pois os procuradores achavam que a situação só serviria para criar tensão com o STF e os juízes do TRF-4. Apesar disso, a força-tarefa chegou a criticar publicamente o acordo de Palocci.  Após a divulgação da delação por Moro, Deltan passou a defender o juiz e sugeriu aos procuradores que não descartassem o material prontamente. 


A reportagem da Folha entrou em contato com o Ministério da Justiça e a força-tarefa à frente da Operação Lava Jato em Curitiba, que responderam com notas semelhantes onde põem em dúvida a autenticidade do material e destacam que o acordo de Palocci com a PF foi homologado pelo TRF-4.


A força-tarefa afirmou que "Muito antes das supostas mensagens, o acordo já era reconhecido como válido por instância superior do Poder Judiciário, perante a qual não atua a força-tarefa". Resposta parecida com a do ministério que também afirmou que a aceitação do acordo ocorreu "antes das supostas mensagens".


A assessoria do ministro Sergio Moro respondeu que "O Ministério da Justiça e Segurança Pública não comenta supostas mensagens de terceiros, obtidas por meios criminosos, nas quais, em tese, haveria referência à suposta afirmação efetuada pelo então juiz".


O advogado de Palocci afirmou que “O conteúdo das supostas mensagens não invalida ou modifica a colaboração de Antonio Palocci, o qual continuará cooperando com a Justiça e apresentando suas provas de corroboração". 


"É de se dizer que, atualmente, a efetividade da colaboração de Antonio Palocci já foi reconhecida tanto por diferentes órgãos da PF e do Ministério Público Federal, quanto por diferentes instâncias do Poder Judiciário”, acrescentou.


A Polícia Federal afirmou que "não se manifesta sobre supostas investigações em andamento".


A Procuradoria-Geral da República não se pronunciou.