Os brasileiros veem a desigualdade social como um fenômeno típico do país, até natural de tão antigo e imutável. Algo a que já nos habituamos tanto que não seria um problema. Mas, na realidade, a desigualdade sempre foi e continua sendo o maior entrave ao desenvolvimento do Brasil, como da América Latina; a razão para os analistas preverem aqui uma crise mais severa no pós-pandemia em relação ao mundo. E então, há uma saída?

O consenso das projeções indica uma explosão do desemprego e da pobreza, agravando a má distribuição da riqueza e elevando as disparidades sociais a níveis insustentáveis, que inviabilizam economias e governos da região. Não, não haverá saída para o Brasil e a América Latina sem expressiva redução da desigualdade social. Até liberais e mercadistas começam a entender isso. A questão, portanto, passa a ser se é possível alcançar essa redução. Como?

O historiador Walter Scheidel afirma em seu livro ‘Violência e a história da desigualdade – Da Idade da Pedra ao século XXI’ não haver provas convincentes de que o desenvolvimento econômico moderno, por si só, reduz as desigualdades. Segundo ele, os choques violentos tiveram “suprema importância” na compressão da distribuição da riqueza e na redução do abismo entre ricos e pobres. “Ao longo de toda a história registrada, o nivelamento mais poderoso resultou, invariavelmente, dos choques mais poderosos”, diz Scheidel.

O autor aponta quatro tipos de rupturas violentas que nivelaram a desigualdade ao longo do tempo no mundo: as guerras com mobilização em massa, as revoluções transformadoras, as falências do Estado e as pandemias letais. “Eu os chamo de Quatro Cavaleiros do Nivelamento. O que todos eles têm em comum é que dependem da violência para refazer a distribuição da renda e da riqueza, ao mesmo tempo que refazem a ordem política e social”, escreve o autor em seu livro.

Pelo menos dois “cavaleiros do nivelamento” – a falência do Estado e uma pandemia letal – rondam hoje o Brasil e países latinos, atingidos duramente por uma pandemia que, além de causar muitas mortes, ameaça o já precário funcionamento do Estado na região.

Impossível prever se o Brasil e outros países do continente irão enfrentar rupturas violentas, com banhos de sangue, para correção das disparidades históricas na região. Mas, com base nos estudos de Scheidel, não haveria como corrigir as distorções sociais sem uso de violência. Contra os mais ricos, os grandes perdedores em todas as rupturas niveladoras.

É possível que os brasileiros e latinos, forçados por governos autoritários, continuem a tolerar o abismo social entre ricos e pobres, agora ainda mais profundo do que antes. Nesse caso, porém, a população estaria desistindo de estabilidade política, expansão econômica e progresso social para se conformar a uma degradação contínua ou crise sem fim, uma espécie de ‘venezuelização’. E mesmo assim não evitaria derramamento de sangue.