BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A cúpula do Congresso avalia que há interferência direta de representantes do governo Lula (PT) nas decisões do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), que levaram à paralisação das emendas parlamentares, abrindo nova frente de desgaste do Legislativo com os dois Poderes.

 Agora, os parlamentares discutem, como resposta à decisão do Dino, um pacote de medidas mirando o Supremo e o Executivo. Faz parte dessa iniciativa um recurso enviado nesta quinta-feira (15) pelo Congresso ao STF, com apoio de partidos, para derrubar liminares do ministro.

Dino suspendeu todas as emendas impositivas de deputados e senadores até que o Congresso edite novas regras que garantam transparência e rastreabilidade das verbas.

O recurso contra a decisão teve assinaturas dos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente, e de presidentes de partidos políticos: PP, União Brasil, Republicanos, PL, PSB, PDT, PSD, PSDB, MDB e Solidariedade.

O PT, de Lula, também endossou o documento. O documento foi assinado pelo líder da sigla na Câmara, Odair Cunha (MG), e pelo líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE).

Além do recurso, líderes e Lira têm discutido outras reações em reuniões reservadas. Uma delas é a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para restringir quem pode apresentar ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade, que muitas vezes questionam decisões legislativas). De acordo com lideranças da Casa, essa é uma das queixas recorrentes de Lira.

Outra é determinar que cada ministro do governo federal tenha a obrigatoriedade de apresentar bimestralmente na CMO (Comissão Mista de Orçamento) uma prestação de contas da execução orçamentária de cada pasta. Dessa forma, diz um líder, seria cobrada a transparência também do Executivo.

Em outra frente, a oposição pressiona para que Lira dê início à tramitação da PEC que limita as decisões individuais de ministros do STF. A matéria foi aprovada em novembro pelo Senado e, desde então, não andou na Câmara. Essa iniciativa, no entanto, não foi discutida formalmente entre líderes e Lira –e, sim, via apelos de parlamentares ao alagoano.

O mal-estar dos cardeais do Congresso com a decisão de Dino foi ampliado nesta quinta com uma declaração do próprio presidente Lula (PT), interpretada por parlamentares como um atestado de que houve participação do Executivo nesse movimento do ministro do STF.

O presidente afirmou não existir "nenhum país do mundo que o Congresso Nacional tenha sequestrado parte do Orçamento para ele em detrimento do Poder Executivo", como ele diz ter ocorrido no Brasil.

"Então tivemos agora essa decisão do ministro Flávio Dino. Acho que é plenamente possível estabelecer uma negociação com o Congresso Nacional, e fazer com que haja um acordo razoável", continuou.

Ainda na quarta (14), o Congresso deu duas respostas para mostrar insatisfação com as decisões sobre emendas.

Primeiro, deputados adiaram a conclusão da votação do segundo projeto de regulamentação da reforma tributária, prioritário para governo. Também não votaram projeto de lei que cria o programa Acredita, que estimula o crédito para empreendedores e famílias de baixa renda –o texto precisa ser votado até o dia 20, quando a medida provisória do Executivo perde validade.

Agora, esses projetos só deverão ser votados na última semana de agosto. Por causa das eleições municipais, a Casa não terá sessões na próxima semana.

O segundo movimento veio da CMO, com o Judiciário como alvo. O colegiado rejeitou MP (medida provisória) enviada pelo Executivo que abre um crédito extraordinário de R$ 1,35 bilhão ao Judiciário. A decisão precisa ser validada ou não no plenário da Câmara.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, reclamou da iniciativa em telefonema a Lira. A presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Maria Thereza de Assis Moura, pediu a Pacheco ajuda para evitar o revés, que impacta diretamente em pagamentos do tribunal.

Dois líderes governistas minimizam a participação do Executivo nesse processo, afirmando que o governo sofreu reveses com essa decisão na Câmara, citando, especificamente, o adiamento da votação dos projetos da tributária e do Acredita.

Cientes da reação do Congresso, integrantes do governo e do Supremo tentaram agir para amenizar os atritos.

À reportagem o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) disse que o governo quer uma solução em conjunto com o Congresso para as emendas parlamentares. O ministro defende não bloquear recursos que já começaram a ser empenhados, como determinou Dino.

A repercussão veio após a fala de Lula sobre as emendas. "A orientação na fala do presidente está clara: construir uma solução acordada que, ao meu ver, separe o joio do trigo: as emendas parlamentares, a participação dos parlamentares nas indicações do orçamento, de projetos, tanto para realidade local, quanto temas setoriais, é muito importante", afirmou.

"O próprio governo, no começo da semana, já protocolou um pleito no sentido de que recursos já empenhados, obras em execução que pudessem não ser paralisadas", continuou Padilha.

A fala do ministro ocorre num esforço para minimizar animosidades com a declaração do presidente e para evitar que retaliações do Congresso cheguem ao governo.

Nesta quinta, oito ministros do STF se reuniram no almoço e discutiram as decisões de Dino –o encontro foi chamado por Barroso, após a conversa com Lira. O julgamento que pode referendar a decisão monocrática do magistrado da corte está marcado para iniciar à 0h desta sexta, no formato virtual.