A expressão ‘governo de guerra’ foi cunhada pelo pesquisador Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em entrevista à BBC Brasil e descreve com perfeição a gestão de Bolsonaro daqui pra frente: uma trincheira em defesa do próprio mandato. Do jogo de morde-assopra com o STF à extensão do auxílio emergencial, passando pela negociação de cargos em troca de apoio na Câmara Federal, todos os gestos do presidente e equipe remetem a esse único objetivo. O resto é resto.
 

O governo de guerra de Bolsonaro se sustenta, segundo Nobre, em um tripé de forças. A primeira delas seria a base social de apoiadores, que tem girado nas pesquisas recentes em torno de um terço do eleitorado. Metade ou pouco menos dessa base é formada por fanáticos, dispostos a seguir até o fim o presidente a que chamam de “mito”; na outra parte estão os apoiadores de ocasião, como beneficiários do auxílio emergencial. Mesmo que diminua com o caso Queiroz, a base bolsonarista seguirá mais aguerrida e encorpada que as de Dilma e Collor, os dois ex-presidentes impichados.

A segunda perna do tripé é o centrão, onde estão sendo fechados os 172 votos necessários para a construção de uma barreira anti-impeachment na Câmara Federal. Pode haver traições no futuro, se a pressão popular for muito forte, mas no momento os cargos e as verbas estão falando mais alto nos partidos do centrão. Se o caso Queiroz se refletiu na aliança do grupo com o governo, foi no sentido de torná-la mais cara. E atraente.

A terceira perna, e não menos importante, é o apoio militar. Há membros das Forças Armadas em postos de coordenação em quase toda a máquina federal. Eles são a coluna vertebral do governo Bolsonaro. O vice-presidente é um deles. Qualquer processo bem sucedido para substituição do presidente terá que envolver os generais da ativa e da reserva que hoje dão forma e cara ao governo.
Os militares estiverem ausentes nos impeachments anteriores. Agora, são parte inerente e interessada no processo. Não devem querer cair de seus altos cargos, junto com Bolsonaro. E podem justamente tentar preservar o poder que, afinal, conquistaram pelo voto, dentro das regras democráticas.

A equação política do impeachment de Bolsonaro é complexa, inclusive para os próprios militares. Apoiar um impeachment implica em alto risco para as Forças Armadas. Hoje, os militares governam mas quem leva a fama é Bolsonaro, que está afastado há anos da farda e cumpriu longa jornada política até o Planalto. Com o general Mourão na presidência, a militarização do governo seria escancarada. E os ônus de todos os atos do governo iriam para as Forças Armadas, onde o projeto de tomar o poder não parece consensual, ainda.

De escândalo em escândalo, pode ser que os militares venham a dar aval ao impeachment. Mas, no momento, essa alternativa não se mostra conveniente e prudente, embora pareça sedutora. E enquanto os militares não derem sinal verde ao Congresso, dificilmente o impeachment avança em Brasília. O que avança é a reconfiguração do governo em máquina de guerra política. Uma máquina que combaterá também, e sobretudo, os processos para cassação do mandato do presidente e do vice no TSE.