No seu primeiro ato aberto à imprensa desde que chegou ao Rio, na última quinta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a falar da estratégia eleitoral de Ciro Gomes (PDT), que tem concentrado críticas no petista para tentar atrair eleitores de Jair Bolsonaro. Segundo Lula, que disse ter carinho e respeito pelo seu ex-ministro, o PDT jamais será encarado como um inimigo.
 
"Se o PDT decide que o Ciro é candidato, é um direito dele. Será a quarta vez. Nós jamais trataremos o PDT como inimigo. É um adversário eleitoral que vamos encarar da forma mais limpa possível", apontou. "Apesar das críticas, tenho respeito e admiração pelo Ciro Gomes."

Na noite de quinta, Lula já havia falado com líderes de esquerda que lamenta os rumos tomados por Ciro, que está sendo coordenado pelo ex-marqueteiro petista João Santana. Ontem, o ex-mandatário chegou a se encontrar com o prefeito de Niterói, Axel Grael, que é do PDT. Também se reuniu com brizolistas e filiou ao PT um dos netos do ex-governador fluminense Leonel Brizola, elogiado por Lula mais de uma vez durante a passagem pelo Estado.

Neste sábado, em encontro com lideranças comunitárias do Rio, o ex-presidente concentrou as críticas em Jair Bolsonaro e no que ele representa para o País. Repudiou, por exemplo, o modo como o governo atua na pandemia, a ideia de implementar voto impresso no País e o uso político das Forças Armadas.

"Eu uso máscara e falo usando máscara, mesmo incomodado, para me diferenciar do genocida", disse. Sobre a proteção facial, repudiou ainda a aglomeração promovida por mais uma "motociata" bolsonarista, desta vez em São Paulo. Essas pessoas são, segundo Lula, "milicianos" convocados pelo presidente.


O Estadão mostrou nesta semana que o projeto que busca implementar o voto impresso no Brasil tem maioria para ser aprovado na Câmara. Para Lula, Bolsonaro "viu aquele filme dos dinossauros" e saiu de lá com essa ideia. "Quer enganar quem? A Idade Média acabou."

Nessa linha, alegou ainda que suas vitórias eleitorais são a prova de que o voto eletrônico é confiável, já que ele seria um quadro político rejeitado por quem teria poder de manipular alguma coisa. De acordo com Lula, Bolsonaro tenta construir movimentos como o de Donald Trump, nos Estados Unidos, e Keiko Fujimori, no Peru, de deslegitimação do resultado eleitoral.

Lula também se disse preocupado com os acontecimentos recentes das Forças Armadas, como a não-punição ao general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por participar de ato político de Bolsonaro. Rechaçou ainda o armamento da população, bandeira histórica do discurso bolsonarista.


"Ele (Bolsonaro) quer criar um Estado militarizado. Quer criar um aparato próprio. Ele alimenta diariamente os milicianos dele. É perigoso para o País", disse.

Como estava no Rio, o petista foi perguntado sobre os episódios recentes envolvendo as mortes em ação policial no Jacarezinho e a morte da grávida Kathlen Romeu, que levou um tiro na cabeça nesta semana. Falou da necessidade de se ter uma política de Segurança que vá além das polícias e classificou essas mortes como símbolos da "excrescência" de setores das polícias fluminenses. Esse discurso é um tema caro às lideranças presentes no encontro, que lidam diariamente com a violência urbana.

Alianças para 2022

Neste sábado e na quinta, Lula esteve com o deputado Marcelo Freixo, que deixou o PSOL e vai se filiar ao PSB ainda neste mês. Ele é pré-candidato ao governo do Rio e deve ter o apoio dos petistas. O ex-presidente, contudo, também almoçou ontem com o prefeito Eduardo Paes (PSD) e o seu nome colocado para a disputa estadual - o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.

"É uma felicidade enorme saber que já se apresentam dois candidatos de qualidade imensa. É uma diferença para muitos outros anos no Rio de Janeiro", disse Lula, quando questionado sobre alianças. Os grupos políticos de Freixo e Paes vêm mantendo conversas, em gesto que agrada ao ex-presidente.


Participaram do encontro desta manhã 15 lideranças comunitárias convidadas e pessoas que as acompanharam. Entre elas, estava o DJ Rennan da Penha, criador do Baile da Gaiola. Assim como Lula, ele mobilizou a opinião pública quando foi preso acusado de "associação ao tráfico" mesmo após as provas serem consideradas frágeis na primeira instância. A medida foi revertida por um habeas corpus.

Além dele, estiveram lá líderes comunitários de importantes favelas do Rio e figuras políticas, como Freixo, a também deputada Benedita da Silva (PT), criada numa favela, e a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann.

"É preciso filiar os negros combativos ao PT. É uma luta que se faz urgente. Nós estamos morrendo", disse a vereadora carioca Tainá de Paula (PT), um dos destaques do partido na última eleição municipal. Ela também alertou Lula sobre a importância de estar alinhado com a base e tomar cuidado na formação de uma aliança eleitoral que fuja demais dos valores do partido - um fantasma encarado pela sigla durante o impeachment de Dilma Rousseff.

Este sábado é o último dia de compromissos de Lula no Rio. À tarde, conversará com artistas. Ele volta a São Paulo no domingo de manhã. A visita incluiu encontros com políticos de esquerda e de centro, reuniões pontuais e a ida a um estaleiro.

No início de julho, o ex-presidente vai desembarcar no Nordeste. Pelo menos quatro cidades devem recebê-lo, segundo a direção do partido.