As tardes da Globo tiveram um 2019 turbulento com o término do Vídeo Show e a estreia do Se Joga. O primeiro perdeu fôlego depois de 35 anos e chegou ao fim, e o segundo ainda não conseguiu criar uma personalidade que conquiste o público e recupere a audiência perdida para o quadro Hora da Venenosa, do Balanço Geral (Record).
Essa instabilidade, porém, não atingiu o Vale a Pena Ver de Novo, que, com as reprises de novelas, como "Por Amor" (1997) e "Avenida Brasil" (2012), tem elevado as audiências da Globo. A reta final da trama de Manoel Carlos, por exemplo, chegou a superar em um ponto a audiência de "Éramos Seis" na Grande SP, e em dois pontos no Rio de Janeiro.
De abril a outubro, período em que "Por Amor" foi exibida, a trama registrou média de 18 pontos no PNT (Painel Nacional de TV) -cada ponto equivale a 254.892 domicílios, segundo a Kantar Ibope.
Já "Avenida Brasil" (2012), sua sucessora na faixa, teve início arrebatador. O folhetim de João Emanuel Carneiro estreou com 22 pontos na Grande SP (cada ponto equivale a 73 mil domicílios), melhor índice de uma estreia desde 2000 -a praça paulista é considerada o principal mercado publicitário do Brasil.
Mesmo perdendo público com o desenrolar do embate entre Carminha (Adriana Esteves) e Nina (Débora Falabella), a trama é considerada um sucesso pela Globo ao marcar 17 pontos de média no PNT em suas dez primeiras semanas de exibição. A novela também tem gerado engajamento elevado nas redes sociais a cada virada apresentada.
"Em São Paulo a média também é de 17 pontos, sendo a maior do Vale a Pena, ao lado da anterior 'Por Amor', desde 'Alma Gêmea' (2009). ['Avenida Brasil'] supera 18 das 20 novelas exibidas desde 2009", informa, em nota, o Departamento de Comunicação da Globo.
Mas, afinal, o que explica a boa performance das tramas? Para especialistas em TV, a novela de Manoel Carlos, embora seja de 1997, fala sobre um tema universal: o amor de uma mãe pela sua filha. Na história, Helena (Regina Duarte) faz de tudo para proteger a filha, Eduarda (Gabriela Duarte), de qualquer sofrimento.
"É uma narrativa atemporal", avalia Claudino Mayer, doutor em ciências da comunicação pela USP (Universidade de São Paulo). Segundo ele, a trama também atrai e aproxima o telespectador do enredo ao mostrar os personagens em situações do dia a dia
Como exemplo, ele cita a história de Orestes (Paulo José), o pai de Eduarda e de Sandrinha (Cecilia Dassi), que é alcoólatra. "É como se ele fosse o nosso vizinho ou um amigo ou parente próximo. O alcoolismo é um problema comum na realidade brasileira e a maneira como ele [Manoel Carlos] descreve isso nos aproxima da história", afirmou.
Já "Avenida Brasil", um dos maiores sucessos da Globo nos últimos anos, tem uma trama ágil e cheia de reviravoltas, que foi comparada às de séries americanas. Para Cacau Protásio, que fez a divertida empregada Zezé, a novela de Carneiro gera identificação com o público.
"As pessoas querem ver aquilo que elas vivem. É óbvio que a novela precisa contar uma história, mas, quando elas se identificam, quando elas conseguem ver que existe aquela mulher, aquele casamento, acho que é isso que faz sucesso", diz.
De fato, quando foi ao ar em 2012, "Avenida Brasil" representava na TV o bom momento econômico do Brasil e a ascensão da classe C. Um dos fatos curiosos é que, mesmo sendo rica, a família do protagonista Tufão (Murilo Benício) não deixava de morar no subúrbio, no fictício bairro do Divino.
Para Cacau Protásio, que viu a sua vida transformada depois de ficar conhecida nacionalmente como a Zezé, se "Avenida Brasil" fosse transmitida hoje novamente na faixa das nove, teria a mesma audiência da primeira vez em que passou. "Eu vejo as pessoas vendo pelo celular, imagine se passasse a noite."
Outro ponto alto das duas novelas é que ambas possuem vilãs muito fortes e carismáticas. Branca (Susana Vieira) e Carminha (Adriana Esteves) entraram para a lista das malvadas que os brasileiros amam odiar. Embora fossem diferentes, as duas tinham características semelhantes, como o humor ácido e o fato de odiaram e maltratarem um dos filhos enquanto reservavam o amor para o outro.
Branca amava Marcelo (Fábio Assunção) e não suportava Leonardo (Murilo Benício). Já Carminha adorava Jorginho (Cauã Reymond) e debochava da própria filha, Ágata (Ana Karolina). Apesar disso e das muitas maldades, Adriana Esteves e Susana Vieira apontam que o humor foi fundamental para que as vilãs caíssem no gosto do público. "Ela [A Carminha] enxergava a vida com inteligência e humor", disse Esteves.
"Acho que o segredo do carisma da Branca é o senso de humor. Não fica pesada a vilania. As pessoas pegaram as falas da Branca e trouxeram para situações que vivemos no dia a dia. Então, no lugar do ódio, as pessoas passaram a amar a Branca", afirmou Susana Viera.
Como é feita a escolha
Segundo a Globo, a escolha da novela que será reprisada no Vale a Pena Ver de Novo é resultado de uma negociação que leva em conta condições técnicas da obra, pedidos do público, avaliação artística da direção de dramaturgia e "critérios estratégicos de programação".
"As reprises falam direto à memória afetiva do telespectador, mas também são uma oportunidade de conquistar um novo público, que ainda não teve contato com o conteúdo", afirma a Globo, em nota.
De acordo com a emissora, ainda não há uma definição de qual trama substituirá a novela de João Emanuel Carneiro. Apesar do sucesso da faixa, muitos fãs de "Por Amor" e de "Avenida Brasil" reclamam nas redes sociais dos cortes que são feitos em cenas mais fortes nas reprises.
Segundo a Globo, os conteúdos podem passar por ajustes e adequações aos horários ao serem reexibidos. "Sempre com o cuidado de não comprometer a essência da obra e das tramas abordadas."