Enquanto um projeto de lei para entregar a gestão das unidades da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) à iniciativa privada tramita no Legislativo, outra proposta envolvendo unidades de saúde do estado ainda gera dúvidas entre os servidores e profissionais de saúde. Em jogo está o futuro dos hospitais Alberto Cavalcanti (oncologia, Eduardo de Menezes (infectologia), Infantil João Paulo II (pediatria) e Odete Valadares (maternidade), que deverão ser desativados e incorporados por novo complexo hospitalar a ser construído no terreno do antigo Galba Velloso, no Bairro Gameleira, na Região Oeste de Belo Horizonte.

Anunciado em abril, o novo hospital, batizado como Padre Eustáquio, terá 422 leitos, 60 consultórios, 13 salas de cirurgia, além de capacidade para 200 mil consultas especializadas e 30 mil internações por ano. O investimento estimado ultrapassa R$ 5,3 bilhões, somando construção, operação e manutenção. A previsão de entrega é para meados de 2028, ou seja, daqui a pelo menos três anos.

Apesar da magnitude do projeto, a proposta de concentrar os atendimentos de áreas estratégicas como oncologia, infectologia, pediatria e maternidade em uma única estrutura já nasce cercada de dúvidas. Profissionais alertam para a sobrecarga do sistema, o risco de colapsos em momentos de crise sanitária e a dificuldade de acesso dos pacientes, sobretudo os mais vulneráveis, a uma região menos central da cidade.

A preocupação é que o deslocamento de pacientes e a sobrecarga sobre um único complexo agravem ainda mais os gargalos já existentes no sistema público de saúde. “Estamos vendo o sucateamento programado dessas unidades. Os profissionais estão sobrecarregados, há déficit de insumos, e o governo simplesmente ignora as necessidades urgentes”, afirma a diretora executiva do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG), Neuza Freitas. “É uma lógica de abandono para justificar o novo projeto”, completa.

TERRENOS CONCEDIDOS

Após a transferência das atividades para o novo complexo, o governo pretende conceder à iniciativa privada também os terrenos dos hospitais desativados. Conforme apurado pelo Estado de Minas, os imóveis antigos — como os do Eduardo de Menezes, Alberto Cavalcanti e Odete Valadares — estariam em “áreas isoladas” e seriam considerados inadequados para reformas ou modernizações. A meta é transformar os terrenos em ativos públicos a serem repassados em parcerias.

O problema, segundo servidores e sindicatos, é que o anúncio da transferência está sendo usado como justificativa para não investir mais nas unidades existentes, mesmo sabendo que elas ainda continuarão em operação por pelo menos cinco anos. Um dos investimentos mais urgentes seria no Hospital Infantil João Paulo II, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, que, conforme mostrou reportagem do EM, tem problemas de infraestrutura e espaço insuficiente para a alta demanda.

“É um projeto para 2030 adiante. Aí ele fundiria vários hospitais. E o governo do estado tem alegado que não dá para investir no João Paulo II, porque ele já vai entrar no conjunto de hospitais. Nós entendemos que cinco anos são uma eternidade”, afirma Cristiano Túlio Maciel Albuquerque, endocrinologista pediátrico e diretor do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG).

Instalado em um prédio da década de 1950, o João Paulo II teve um anexo construído entre os dois blocos principais onde antes funcionava um estacionamento. A nova ala, com seis andares, foi finalizada há quase 11 anos, mas nunca foi inaugurada. Agora, em meio à alta de doenças respiratórias, que afetam principalmente crianças, o hospital corre para abrir leitos às pressas. “Ele (o hospital) sofre com a falta de espaço físico, de adequação da estrutura”, afirma Cristiano.

GOVERNO DEFENDE PPP

Na avaliação do Executivo estadual, no entanto, a gestão via parceria público-privada (PPP) seria a chave para responder de forma mais rápida a crises como a atual alta de doenças respiratórias. Em coletiva de imprensa no início de maio, o secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti, defendeu que, se o João Paulo II já estivesse sob esse modelo, a expansão de leitos teria sido “imediata”. “Esse hospital novo é pensado exatamente para momentos de pressão. Teremos apartamentos e enfermarias com infraestrutura que permite dobrar o número de leitos rapidamente. Já será inaugurado com estrutura para lidar com picos como os que vemos todos os anos. E, em caso de epidemias, estará ainda mais preparado”, disse o secretário.

Ele também confirmou que, com a transferência das unidades especializadas para o novo complexo, o prédio do Hospital Infantil João Paulo II será reaproveitado como uma expansão do HPS João XXIII. “O João XXIII vai crescer porque eles são ligados. Uma porta liga os prédios. Então, vamos aproveitar aquele prédio para a expansão do pronto-socorro”, adiantou à reportagem. A conclusão do anexo do João Paulo II também já está nos planos do governo, que pretende usar recursos do acordo de reparação pelo rompimento da barragem da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho.

TRAMITAÇÃO NA ALMG

Em votação na Assembleia Legislativa de Minas (ALMG), o Projeto de Lei (PL) 2.127/2024 cria o Serviço Social Autônomo de Gestão Hospitalar (SSA-Gehosp), uma entidade de direito privado, que, além dos quatro hospitais citados, será responsável pela administração de outras 13 unidades de saúde da Fhemig, incluindo o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII. O projeto, de autoria do governador Romeu Zema (Novo) entrou na pauta de votação na Assembleia ontem. Entretanto, a bancada de oposição apresentou 20 emendas e, com isso, o PL volta para a Comissão de Saúde para ser analisado, antes de votação em primeiro turno.

Desde o ano passado, o governo de Minas vem tentando emplacar editais de concessão para gestão hospitalar na Fhemig pelas chamadas Organizações Sociais (OS), instituições privadas, sem fins lucrativos, que executam políticas públicas. Um exemplo é a Casa de Saúde São Francisco de Assis (CSSFA), em Bambuí, que teve o processo de concessão suspenso em dezembro de 2024 pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG), após denúncias do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG) e do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG).

Para o TCE-MG, a tentativa de repasse da gestão carecia de comprovação dos requisitos legais e apresentava risco de prejuízos aos cofres públicos. Mesmo argumento usado pelo órgão para barrar a concessão do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), fechado em janeiro deste ano no contexto de uma proposta do governo estadual para terceirizar a unidade e transformá-la em um centro especializado em cirurgias eletivas. As atividades do hospital foram retomadas neste mês, após decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em atendimento ao pedido do Ministério Público (MPMG), que determinou a reativação dos 41 leitos da unidade e do bloco cirúrgico, sob pena de multa diária de R$ 10 mil ao Estado e aos gestores responsáveis.