array(31) {
["id"]=>
int(175526)
["title"]=>
string(71) "Chuvas impõem clima de medo a BH, agravado pelas desigualdades sociais"
["content"]=>
string(15583) "PERIGO À VISTA
Quase 390 mil pessoas moram em áreas de risco hidrometeorológico em Belo Horizonte, apontam dados de estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Essas áreas encontram-se, principalmente, nas regionais Norte, Nordeste, Leste e Centro-Sul, com maior índice de alagamentos, enchentes e deslizamentos de terra, devido, em parte, à própria geografia da capital. Durante o período chuvoso, moradores dessas regiões enfrentam o temor de que suas casas sejam destruídas e até mesmo de perder a própria vida. O perigo se multiplica nas parcelas de menor renda da população, agravado ainda pelas mudanças climáticas, aponta especialista. Segundo a Companhia Urbanizadora e de Habitação de BH (Urbel), a chuva é um fator de risco que pode comprometer as edificações.
Professor do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Richard Moreira lembra que eventos climáticos podem se tornar mais extremos, intensificando as chuvas, ainda que seja natural haver precipitações mais fortes na cidade entre novembro e março. O principal fator é o aquecimento global, que deixa o ar mais quente e, consequentemente, retém mais umidade, resultando em volumes de chuva maiores do que o esperado.
A exemplo estão os desastres ocasionados pelos temporais em BH em janeiro de 2020, quando a cidade registrou um acumulado de 934,7 milímetros (mm) de chuva, conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O volume pluviométrico foi tão alto naquele mês que quase ultrapassou o valor contabilizado em todo o ano de 2019 – 986,6 mm. De acordo com o Cemaden, uma taxa de chuva de 1mm por minuto equivale a 1 litro de água por minuto em uma área de 1 metro quadrado. Portanto, chuvas de 934,7mm significam que em cada metro quadrado caíram 934,7 litros de água.
Autor da tese “Vulnerabilidades e heterogeneidades populacionais em contexto de realocação planejada em Belo Horizonte”, defendida em 2023, o demógrafo chama atenção para um cenário de riscos geológicos desiguais até mesmo nas regiões listadas pelo IBGE. Além de viver nos terrenos mais vulneráveis, grupos de menor renda têm dificuldade de se precaver ou investir em formas de proteção contra danos.
“A tendência é que a situação piore como um todo. E para as pessoas que estão numa situação de vulnerabilidade maior, a perspectiva é que piore ainda mais”, acredita. “Se tenho um nível de renda maior, consigo me precaver, ter uma reserva financeira para desenvolver formas de me proteger da chuva, construir um muro de arrimo na minha casa ou outras opções de construção para absorver o fluxo de água da chuva. A gente não vê isso acontecendo nas partes mais pobres da cidade, justamente por uma questão de desigualdade socioeconômica”, diz Moreira.
EXPOSIÇÃO x RENDA
Historicamente, o crescimento e desenvolvimento de BH levaram à migração da população rural do estado para a cidade. Mas as áreas planas e com maior disponibilidade de serviços públicos são mais caras do que as de aclive acentuado, na periferia, lembra o demógrafo. Por isso, pessoas com menor renda acabam ocupando esses espaços mais baratos e, apesar da gravidade dos riscos, não têm opção de moradia, assinala.
A escassez histórica de políticas públicas nesses pontos da cidade acentua as vulnerabilidades. Mesmo dentro das áreas de risco há desigualdades, com as pessoas que chegaram há mais tempo ocupando os melhores terrenos, enquanto os mais jovens se distribuem em áreas com piores condições, avalia Moreira. “Tudo isso vai ajudar a construir a vulnerabilidade dessas pessoas. A gente acredita que a vulnerabilidade pós-econômica é um fenômeno construído socialmente e politicamente”, completa o demógrafo.
Fabiana da Silva, de 40 anos, é um exemplo dos reflexos da desigualdade social na distribuição espacial da população em BH e a consequente exposição dos mais pobres ao risco. Até 2018 morou no Bairro Nova Suíssa, na Região Oeste, onde nunca teve problemas com a chuva. Mas desde que se mudou para a Vila Chaves, no Bairro Califórnia, na Noroeste, no mesmo ano, convive com a possibilidade de deslizamentos de terra. Há cinco anos, conta, sua casa foi atingida por um deslizamento de terra proveniente da encosta do terreno de um vizinho que mora atrás de sua residência.
“Tive que ficar uns dias fora, por medo de a casa cair. Mas não havia trinca nem nada. O pessoal juntou todo mundo (da comunidade), tirou (os escombros) e eu voltei”, conta Fabiana. A sequência de problemas envolvendo o terreno onde ela mora e o dos vizinhos expõe o quadro geral da vulnerabilidade na área. “O meu barranco, que era de terra, cedeu. Então, construí uma encosta. Aí cedeu o do meu vizinho. Veio a chuva e o muro dele caiu em cima da minha casa, que na época não tinha uma laje. Bati essa laje. Um vizinho construiu um outro muro e agora segura (a terra)”, relata.
O prejuízo material foi superado, mas a insegurança diante do risco iminente no período chuvoso ainda assombra Fabiana. Segundo ela, outros vizinhos já enfrentaram a mesma situação, e o sentimento de medo é geral na comunidade. Ainda assim, reforça, ela não tem como se mudar, um padrão que, segundo Richard Moreira, se repete entre os mais pobres. “Medo a gente tem (…). Mas não tenho outra opção”, diz a moradora da Vila Chaves.
O sentimento é o mesmo do pedreiro Luiz Carlos, que vive com os dois filhos e o neto há 11 anos na Vila Chaves. Nem mesmo as intervenções que fez em casa para diminuir os riscos barram completamente os temores, alimentados pelas condições precárias da vila, sem urbanização. Se chove de madrugada, o fantasma dos deslizamentos e alagamentos ganha corpo. “Durante o dia, a gente tem como saber. A gente vai debaixo de chuva e tenta controlar a situação. O problema todo é de madrugada, porque, às vezes, a chuva começa às 3h e não tem como sair (de casa) para ver a situação. A gente fica com o coração aflito”, diz.
Citado pelo demógrafo Richard Moreira em sua tese, o estudo feito pelo IBGE e o Cemaden (leia “Cifra do perigo) em 2018, que contabilizou 389.218 pessoas vivendo em áreas de risco hidrometeorológicos em Belo Horizonte, identificou também que as pessoas mais vulneráveis às chuvas são relativamente mais jovens e com nível de renda menor do que o da população geral de BH. Além disso, a maioria dessas pessoas se declarava parda (56%) ou preta (17,3%). Na população geral da cidade o maior grupo se identificava como branco (46,75%). A maioria dos domicílios em áreas de risco era chefiada por mulheres, como o caso de Fabiana, cita o demógrafo.
AÇÃO DA URBEL
O IBGE considera áreas de risco aquelas sujeitas a ação de fenômenos e eventos naturais ou humanamente induzidos que podem ameaçar a integridade física, material e humana daqueles que habitam essas áreas. Ao orientar suas ações junto à Urbel, cita Moreira em sua tese, a Prefeitura de Belo Horizonte considera, “para além da exposição a eventos ambientais e o risco iminente, as condições socioeconômicas das populações que ali habitam, principalmente no contexto de vilas e favelas”. Esses riscos são nivelando em diferentes graus para a adoção de medidas de mitigação. Ainda segundo o trabalho do demógrafo, “as desigualdades habitacionais do município passaram a ser confrontadas a partir da década de 1970, principalmente através de ações pontuais da prefeitura que foram incorporadas no Plano Diretor da cidade em 1996 e centradas na política municipal de habitação popular”.
De acordo com a Urbel, atualmente há cerca de 1,2 mil casas localizadas em vilas e favelas na capital classificadas em situação de maior risco. O órgão informa que o número é variável, pois o risco geológico é dinâmico. Uma obra, exemplifica, pode eliminar várias situações. Mas chuvas intensas ou intervenções inadequadas, como cortes de barranco feitos por moradores, podem gerar novos pontos de risco.
A diretora de Manutenção e Áreas de Risco da Urbel, Isabel Queiroz Volponi, explica que não há regiões de risco, mas sim construções de risco, normalmente situadas em vilas e favelas. “Em algumas vilas de BH, os riscos já foram eliminados, mas eles são dinâmicos. A estrutura de um imóvel e a chuva intensa são duas condições que podem causar o perigo”. De acordo com ela, quando é identificado um risco muito alto, a família é retirada ou se faz uma obra “imediatamente”. “Atuamos durante o ano todo, mas quando chega o período pré chuva, há uma ação preventiva e educativa intensificada”, detalha Volponi.
De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, até outubro de 2025, a Urbel fez 964 vistorias e finalizou 106 obras, em todas as regiões da cidade, voltadas à manutenção de estruturas e à prevenção de acidentes. Segundo a PBH, outras 102 intervenções para mitigação de risco geológico estão em andamento. Oito obras de tratamento de encostas com recursos do governo federal devem ser iniciadas em 2026, além de quatro intervenções estruturantes nas comunidades Rosa Leão, Tupi/Lajedo, Helena Greco e Cabana do Pai Tomaz. Ações ambientais, como o plantio de aproximadamente 2,5 mil mudas em áreas áridas de vilas e favelas desde 2017, promovidas pela Supervisão de Gestão Urbanística e Ambiental, também estão na lista.
SOLIDARIEDADE
Líder comunitária da Vila Chaves, Geni Mendes, de 52 anos, afirma que a união entre as pessoas da comunidade é o mais importante em caso de desastres em decorrência da chuva. No cargo desde 2011, ela relata que já viu diversas tragédias, nas quais atuou com urgência para ajudar os atingidos. Em certa ocasião, conta, chegou a conceder um terreno próprio para que uma mulher e os filhos residissem temporariamente e não precisassem ser acolhidos em algum abrigo público.
“Tenho quase 300 famílias dentro da ocupação, são 15 anos de ocupação, mas nunca teve uma morte. A gente perde a casa, bem material mesmo. Aqui um acolhe o outro, então, se a casa de alguém cair, a pessoa vai pra casa de algum parente. Nós mesmos nunca precisamos de abrigo (público). Nos mobilizamos entre nós”, diz Geni.
Cifra do perigo
Em 2018, o IBGE divulgou um estudo, feito em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que identificou a população urbana exposta a riscos de deslizamentos, inundações e enxurradas no Brasil ,com base nos dados demográficos do Censo de 2010. Segundo os dados, Minas Gerais abrigava a segunda maior população vivendo em área de risco no país. Somente em BH, o número somava 389.218. O estudo utilizou dados de mapeamento de áreas de risco e cruzou com os setores censitários urbanos para identificar as populações suscetíveis a desastres hidrometeorológicos específicos (inundações e deslizamentos).
"
["author"]=>
string(24) " Melissa Souza/em.com.br"
["user"]=>
NULL
["image"]=>
array(6) {
["id"]=>
int(632611)
["filename"]=>
string(15) "xuvavbhmedo.jpg"
["size"]=>
string(6) "320194"
["mime_type"]=>
string(10) "image/jpeg"
["anchor"]=>
NULL
["path"]=>
string(0) ""
}
["image_caption"]=>
string(193) " Vista da Vila Chaves, no Bairro Califórnia: mesmo dentro de uma mesma área, a desigualdade social é determinante para a exposição a deslizamentos /crédito: Edésio Ferreira/EM/D.A Press"
["categories_posts"]=>
NULL
["tags_posts"]=>
array(0) {
}
["active"]=>
bool(true)
["description"]=>
string(198) "Temporada das águas eleva a apreensão na capital, assombrada pelo risco geológico. Fantasma avança com o aquecimento global, diz demógrafo
"
["author_slug"]=>
string(23) "melissa-souza-em-com-br"
["views"]=>
int(51)
["images"]=>
NULL
["alternative_title"]=>
string(0) ""
["featured"]=>
bool(false)
["position"]=>
int(0)
["featured_position"]=>
int(0)
["users"]=>
NULL
["groups"]=>
NULL
["author_image"]=>
NULL
["thumbnail"]=>
NULL
["slug"]=>
string(69) "chuvas-impoem-clima-de-medo-a-bh-agravado-pelas-desigualdades-sociais"
["categories"]=>
array(1) {
[0]=>
array(9) {
["id"]=>
int(435)
["name"]=>
string(5) "Minas"
["description"]=>
NULL
["image"]=>
NULL
["color"]=>
string(7) "#a80000"
["active"]=>
bool(true)
["category_modules"]=>
NULL
["category_models"]=>
NULL
["slug"]=>
string(5) "minas"
}
}
["category"]=>
array(9) {
["id"]=>
int(435)
["name"]=>
string(5) "Minas"
["description"]=>
NULL
["image"]=>
NULL
["color"]=>
string(7) "#a80000"
["active"]=>
bool(true)
["category_modules"]=>
NULL
["category_models"]=>
NULL
["slug"]=>
string(5) "minas"
}
["tags"]=>
NULL
["created_at"]=>
object(DateTime)#539 (3) {
["date"]=>
string(26) "2025-11-21 11:10:13.000000"
["timezone_type"]=>
int(3)
["timezone"]=>
string(13) "America/Bahia"
}
["updated_at"]=>
object(DateTime)#546 (3) {
["date"]=>
string(26) "2025-11-21 11:10:13.000000"
["timezone_type"]=>
int(3)
["timezone"]=>
string(13) "America/Bahia"
}
["published_at"]=>
string(25) "2025-11-21T11:00:00-03:00"
["group_permissions"]=>
array(4) {
[0]=>
int(1)
[1]=>
int(4)
[2]=>
int(2)
[3]=>
int(3)
}
["image_path"]=>
string(16) "/xuvavbhmedo.jpg"
}
PERIGO À VISTA
Quase 390 mil pessoas moram em áreas de risco hidrometeorológico em Belo Horizonte, apontam dados de estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Essas áreas encontram-se, principalmente, nas regionais Norte, Nordeste, Leste e Centro-Sul, com maior índice de alagamentos, enchentes e deslizamentos de terra, devido, em parte, à própria geografia da capital. Durante o período chuvoso, moradores dessas regiões enfrentam o temor de que suas casas sejam destruídas e até mesmo de perder a própria vida. O perigo se multiplica nas parcelas de menor renda da população, agravado ainda pelas mudanças climáticas, aponta especialista. Segundo a Companhia Urbanizadora e de Habitação de BH (Urbel), a chuva é um fator de risco que pode comprometer as edificações.
Professor do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Richard Moreira lembra que eventos climáticos podem se tornar mais extremos, intensificando as chuvas, ainda que seja natural haver precipitações mais fortes na cidade entre novembro e março. O principal fator é o aquecimento global, que deixa o ar mais quente e, consequentemente, retém mais umidade, resultando em volumes de chuva maiores do que o esperado.
A exemplo estão os desastres ocasionados pelos temporais em BH em janeiro de 2020, quando a cidade registrou um acumulado de 934,7 milímetros (mm) de chuva, conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O volume pluviométrico foi tão alto naquele mês que quase ultrapassou o valor contabilizado em todo o ano de 2019 – 986,6 mm. De acordo com o Cemaden, uma taxa de chuva de 1mm por minuto equivale a 1 litro de água por minuto em uma área de 1 metro quadrado. Portanto, chuvas de 934,7mm significam que em cada metro quadrado caíram 934,7 litros de água.
Autor da tese “Vulnerabilidades e heterogeneidades populacionais em contexto de realocação planejada em Belo Horizonte”, defendida em 2023, o demógrafo chama atenção para um cenário de riscos geológicos desiguais até mesmo nas regiões listadas pelo IBGE. Além de viver nos terrenos mais vulneráveis, grupos de menor renda têm dificuldade de se precaver ou investir em formas de proteção contra danos.
“A tendência é que a situação piore como um todo. E para as pessoas que estão numa situação de vulnerabilidade maior, a perspectiva é que piore ainda mais”, acredita. “Se tenho um nível de renda maior, consigo me precaver, ter uma reserva financeira para desenvolver formas de me proteger da chuva, construir um muro de arrimo na minha casa ou outras opções de construção para absorver o fluxo de água da chuva. A gente não vê isso acontecendo nas partes mais pobres da cidade, justamente por uma questão de desigualdade socioeconômica”, diz Moreira.
EXPOSIÇÃO x RENDA
Historicamente, o crescimento e desenvolvimento de BH levaram à migração da população rural do estado para a cidade. Mas as áreas planas e com maior disponibilidade de serviços públicos são mais caras do que as de aclive acentuado, na periferia, lembra o demógrafo. Por isso, pessoas com menor renda acabam ocupando esses espaços mais baratos e, apesar da gravidade dos riscos, não têm opção de moradia, assinala.
A escassez histórica de políticas públicas nesses pontos da cidade acentua as vulnerabilidades. Mesmo dentro das áreas de risco há desigualdades, com as pessoas que chegaram há mais tempo ocupando os melhores terrenos, enquanto os mais jovens se distribuem em áreas com piores condições, avalia Moreira. “Tudo isso vai ajudar a construir a vulnerabilidade dessas pessoas. A gente acredita que a vulnerabilidade pós-econômica é um fenômeno construído socialmente e politicamente”, completa o demógrafo.
Fabiana da Silva, de 40 anos, é um exemplo dos reflexos da desigualdade social na distribuição espacial da população em BH e a consequente exposição dos mais pobres ao risco. Até 2018 morou no Bairro Nova Suíssa, na Região Oeste, onde nunca teve problemas com a chuva. Mas desde que se mudou para a Vila Chaves, no Bairro Califórnia, na Noroeste, no mesmo ano, convive com a possibilidade de deslizamentos de terra. Há cinco anos, conta, sua casa foi atingida por um deslizamento de terra proveniente da encosta do terreno de um vizinho que mora atrás de sua residência.
“Tive que ficar uns dias fora, por medo de a casa cair. Mas não havia trinca nem nada. O pessoal juntou todo mundo (da comunidade), tirou (os escombros) e eu voltei”, conta Fabiana. A sequência de problemas envolvendo o terreno onde ela mora e o dos vizinhos expõe o quadro geral da vulnerabilidade na área. “O meu barranco, que era de terra, cedeu. Então, construí uma encosta. Aí cedeu o do meu vizinho. Veio a chuva e o muro dele caiu em cima da minha casa, que na época não tinha uma laje. Bati essa laje. Um vizinho construiu um outro muro e agora segura (a terra)”, relata.
O prejuízo material foi superado, mas a insegurança diante do risco iminente no período chuvoso ainda assombra Fabiana. Segundo ela, outros vizinhos já enfrentaram a mesma situação, e o sentimento de medo é geral na comunidade. Ainda assim, reforça, ela não tem como se mudar, um padrão que, segundo Richard Moreira, se repete entre os mais pobres. “Medo a gente tem (…). Mas não tenho outra opção”, diz a moradora da Vila Chaves.
O sentimento é o mesmo do pedreiro Luiz Carlos, que vive com os dois filhos e o neto há 11 anos na Vila Chaves. Nem mesmo as intervenções que fez em casa para diminuir os riscos barram completamente os temores, alimentados pelas condições precárias da vila, sem urbanização. Se chove de madrugada, o fantasma dos deslizamentos e alagamentos ganha corpo. “Durante o dia, a gente tem como saber. A gente vai debaixo de chuva e tenta controlar a situação. O problema todo é de madrugada, porque, às vezes, a chuva começa às 3h e não tem como sair (de casa) para ver a situação. A gente fica com o coração aflito”, diz.
Citado pelo demógrafo Richard Moreira em sua tese, o estudo feito pelo IBGE e o Cemaden (leia “Cifra do perigo) em 2018, que contabilizou 389.218 pessoas vivendo em áreas de risco hidrometeorológicos em Belo Horizonte, identificou também que as pessoas mais vulneráveis às chuvas são relativamente mais jovens e com nível de renda menor do que o da população geral de BH. Além disso, a maioria dessas pessoas se declarava parda (56%) ou preta (17,3%). Na população geral da cidade o maior grupo se identificava como branco (46,75%). A maioria dos domicílios em áreas de risco era chefiada por mulheres, como o caso de Fabiana, cita o demógrafo.
AÇÃO DA URBEL
O IBGE considera áreas de risco aquelas sujeitas a ação de fenômenos e eventos naturais ou humanamente induzidos que podem ameaçar a integridade física, material e humana daqueles que habitam essas áreas. Ao orientar suas ações junto à Urbel, cita Moreira em sua tese, a Prefeitura de Belo Horizonte considera, “para além da exposição a eventos ambientais e o risco iminente, as condições socioeconômicas das populações que ali habitam, principalmente no contexto de vilas e favelas”. Esses riscos são nivelando em diferentes graus para a adoção de medidas de mitigação. Ainda segundo o trabalho do demógrafo, “as desigualdades habitacionais do município passaram a ser confrontadas a partir da década de 1970, principalmente através de ações pontuais da prefeitura que foram incorporadas no Plano Diretor da cidade em 1996 e centradas na política municipal de habitação popular”.
De acordo com a Urbel, atualmente há cerca de 1,2 mil casas localizadas em vilas e favelas na capital classificadas em situação de maior risco. O órgão informa que o número é variável, pois o risco geológico é dinâmico. Uma obra, exemplifica, pode eliminar várias situações. Mas chuvas intensas ou intervenções inadequadas, como cortes de barranco feitos por moradores, podem gerar novos pontos de risco.
A diretora de Manutenção e Áreas de Risco da Urbel, Isabel Queiroz Volponi, explica que não há regiões de risco, mas sim construções de risco, normalmente situadas em vilas e favelas. “Em algumas vilas de BH, os riscos já foram eliminados, mas eles são dinâmicos. A estrutura de um imóvel e a chuva intensa são duas condições que podem causar o perigo”. De acordo com ela, quando é identificado um risco muito alto, a família é retirada ou se faz uma obra “imediatamente”. “Atuamos durante o ano todo, mas quando chega o período pré chuva, há uma ação preventiva e educativa intensificada”, detalha Volponi.
De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, até outubro de 2025, a Urbel fez 964 vistorias e finalizou 106 obras, em todas as regiões da cidade, voltadas à manutenção de estruturas e à prevenção de acidentes. Segundo a PBH, outras 102 intervenções para mitigação de risco geológico estão em andamento. Oito obras de tratamento de encostas com recursos do governo federal devem ser iniciadas em 2026, além de quatro intervenções estruturantes nas comunidades Rosa Leão, Tupi/Lajedo, Helena Greco e Cabana do Pai Tomaz. Ações ambientais, como o plantio de aproximadamente 2,5 mil mudas em áreas áridas de vilas e favelas desde 2017, promovidas pela Supervisão de Gestão Urbanística e Ambiental, também estão na lista.
SOLIDARIEDADE
Líder comunitária da Vila Chaves, Geni Mendes, de 52 anos, afirma que a união entre as pessoas da comunidade é o mais importante em caso de desastres em decorrência da chuva. No cargo desde 2011, ela relata que já viu diversas tragédias, nas quais atuou com urgência para ajudar os atingidos. Em certa ocasião, conta, chegou a conceder um terreno próprio para que uma mulher e os filhos residissem temporariamente e não precisassem ser acolhidos em algum abrigo público.
“Tenho quase 300 famílias dentro da ocupação, são 15 anos de ocupação, mas nunca teve uma morte. A gente perde a casa, bem material mesmo. Aqui um acolhe o outro, então, se a casa de alguém cair, a pessoa vai pra casa de algum parente. Nós mesmos nunca precisamos de abrigo (público). Nos mobilizamos entre nós”, diz Geni.
Cifra do perigo
Em 2018, o IBGE divulgou um estudo, feito em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que identificou a população urbana exposta a riscos de deslizamentos, inundações e enxurradas no Brasil ,com base nos dados demográficos do Censo de 2010. Segundo os dados, Minas Gerais abrigava a segunda maior população vivendo em área de risco no país. Somente em BH, o número somava 389.218. O estudo utilizou dados de mapeamento de áreas de risco e cruzou com os setores censitários urbanos para identificar as populações suscetíveis a desastres hidrometeorológicos específicos (inundações e deslizamentos).