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“Pude me conhecer, me enxergar, conhecer meu potencial, qual a minha importância no mundo. O projeto vai muito além da simples leitura e de acumular conhecimento. Vai moldando sua forma de ver a vida.” O depoimento é de Rafael Damasceno, de 38 anos, que cumpre pena no Presídio São Joaquim de Bicas II, na Grande BH. O projeto a que ele se refere é o da remição de pena por meio da leitura, um benefício previsto em lei para reduzir o tempo de condenação. Mas o que começa como um incentivo para diminuir a pena passa, ao longo do tempo, a transformar o próprio detento, ampliando seus horizontes.
De acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), 62.352 detentos participaram do projeto no ano passado em Minas Gerais, distribuídos em 117 unidades prisionais. Em 2025, até o momento, são 9.953 participantes. Atualmente, informa a Sejusp, há 122 bibliotecas espalhadas por unidades prisionais em todo o estado. Além disso, há salas de leitura, estantes e carrinhos bibliotecas em todas as unidades de Minas.
Aquelas que não têm a estrutura de biblioteca podem executar os projetos de remição por meio do empréstimo de livros aos detentos, seja vindos de universidades federais, particulares e estaduais e escolas estaduais, seja da Defensoria Pública, Ministério Público, Conselho da Comunidade, Academia de Letras, OAB, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, organizações da sociedade civil, voluntários, professores e servidores das unidades prisionais. Nas unidades prisionais que têm escola da rede pública estadual, os livros são adquiridos pela Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG), e as bibliotecas mantidas em regime de colaboração e cooperação com a Sejusp.
De acordo com a Resolução nº 391/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para fazer a leitura visando à remição de pena é necessário que a unidade prisional registre o empréstimo da obra literária. A partir daí, o preso tem entre 21 a 30 dias para ler o livro. Depois desse prazo, o leitor deve então apresentar, em até 10 dias, um relatório a respeito do livro, conforme o roteiro estabelecido pelo juízo competente ou Comissão de Validação.

"Entendi que a leitura faz parte da vida do ser humano porque abre caminhos. Então comecei a gostar. (...) Vim de uma família cristã e, na situação em que me encontro, o livro religioso é um escape, um conforto" Daniel Leone de Jesus Rufino 27 anos/ Edésio Ferreira/EM/D.A Press
A Sejusp ressalta que, independentemente do projeto de remição, o incentivo à leitura e escrita é amplamente difundido e incentivado no ambiente prisional. Assim, o acervo de livros fica disponível para todos os interessados. Além disso, os detentos podem ter acesso aos livros enviados por familiares, amigos e visitantes em geral, conforme critérios de segurança.
Entre os livros mais solicitados pelos detentos, a secretaria destaca que estão biografias, obras de ficção e autoajuda, em geral. Ainda segundo a pasta, diversos gêneros literários estão disponíveis nos acervos das unidades prisionais, como literatura brasileira e estrangeira, autores clássicos e contemporâneos, incluindo títulos de autoajuda, religião, poesia, ficção e romance.decorado com trabalhos dos próprios presos, corredor dá acesso à biblioteca

Corredor que dá acesso à biblioteca é decorado com trabalhos dos próprios presos
/Edésio Ferreira/EM/D.A Press
REMIÇÃO
A diretora de Ensino e Profissionalização do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), Miriam Célia dos Santos, explica que cada detento demanda um tempo para a leitura. “Ainda mais no sistema prisional, onde temos pessoas que não são alfabetizadas, que fazem leitura coletiva, por audiobook ou fazem a descrição de um livro ilustrado a que elas têm acesso. A cada obra lida são quatro dias a menos na pena.”
Segundo a diretora, a qualquer tempo da pena e qualquer obra literária pode ser usada para a remição. “É sempre importante, para favorecer a leitura, que ela seja efetiva, que venha com benefícios de aquisição de conhecimento, aprimoramento da leitura, da escrita, ampliação do vocabulário. É importante que sejam obras com que o detento se identifique, que a linguagem seja acessível para ele.” Ela cita que leituras de obras espíritas e evangélicas são muito procuradas. “É importante que esteja de acordo com o repertório dele para que se conecte com a obra, tenha pertencimento”, afirma. “Não são todos que tiveram a oportunidade de desenvolver a leitura, então, não pode ser algo inacessível”, completa.
O projeto, porém, traz benefícios que vão além da remição, conta Miriam. Ela cita as cartas para a família. “Muitos detentos, às vezes, precisam da ajuda de outros que têm mais habilidade de escrita. Com a leitura, eles começam a escrever suas próprias cartas.”
Alguns passam a escrever os próprios livros. “Temos várias obras publicadas em unidades prisionais que foram escritas pelos próprios indivíduos privados de liberdade. Eles descobrem esse universo, que por vezes foi muito elitista, começam a estabelecer parâmetros de comparação, de entender que podem ir além, que podem administrar o próprio negócio, começam a interagir em atividades de profissionalização, na escola.”
A diretora lembra que, nas unidades prisionais, a escrita é um meio de comunicação muito forte. “As requisições para os advogados, tudo se dá por meio do papel. O acesso à leitura é transformador para que eles se aprimorem como seres humanos, desenvolvendo a parte intelectual. No tratamento penal como um todo, aquela rotina de reflexão, do processo todo que ele passa, para que seja melhor para ele, que consiga se comunicar, estabelecer relações por meio da escrita e da leitura.”

Sala de aula destinada aos detentos no Presídio São Joaquim de bicas II, na Grande BH
Edésio Ferreira/EM/D.A Press
AÇÕES DE INCENTIVO
O Depen-MG desenvolve ações que promovem e incentivam o hábito da leitura pelos detentos. Além das bibliotecas existentes nas unidades prisionais, outra estratégia é a utilização de carrinhos itinerantes para distribuição de livros. Os presos podem também receber livros didáticos para estudo do Encceja e Enem.
“A sociedade civil tem se aproximado muito das unidades prisionais e entendido que pode contribuir. Temos parcerias com academias de letras e universidades, com doação de livros, participando das comissões de leitura e promovendo saraus ou, de uma maneira mais rotineira, rodas de conversa para debate sobre os livros. São ações periódicas”, explica a diretora.
Segundo ela, a procura pela remição tem aumentado. “Pelo livro ser algo acessível para a ocupação de tempo e pelo incentivo da redução de pena. Muitas vezes, percebemos no dia a dia de uma unidade prisional que eles começam só pelo benefício da remição. No processo, descobrem o benefício da leitura. O próprio exemplo estimula outros que presenciam. Um fala para o outro em conversa na própria cela. Uma mesma obra passa a ser lida por todos e começam a discutir essa obra. Muitas vezes, isso repercute e se torna um fenômeno de leitura”, conta.
Além de uma pesquisa para entender o que mais os presos querem ler, a diretora diz que o Depen-MG tenta direcionar as obras de acordo com o perfil de cada um. “Temos que recompor e melhorar os acervos já existentes. A pesquisa é feita semestralmente para acompanhar as mudanças de perfil. E acabamos percebendo a necessidade de receber ou não novas obras.”

Fachada de instituição de ensino, onde o projeto de remição pela leitura funciona desde 2016
/Edésio Ferreira/EM/D.A Press
HÁBITO PARA TODA A VIDA
O Estado de Minas esteve na Escola Estadual Antônio Ribeiro da Silva, que funciona dentro do Presídio São Joaquim de Bicas II, na Grande BH. Lá o projeto funciona desde abril de 2016. Atualmente, 94 detentos participam da iniciativa. Ao atravessar as grades na porta da unidade, o interior da instituição de ensino em nada lembra uma penitenciária. Em um ambiente acolhedor, dentro da biblioteca, o preso Rafael Damasceno, de 38 anos, conta que adquiriu o hábito da leitura na unidade prisional.
“No começo, meu interesse era nas remições de pena. Só que, a partir do momento que comecei a ler, peguei o gosto. Depois disso não parei mais. Queria a remição, precisava dela, então tinha que me empenhar. Só que o prazer da leitura eu não tinha. Fui desenvolver depois do projeto.”
Ele diz que pegou o gosto no terceiro livro, “Senhora” (1874), de José de Alencar. “Ele me transportou para aquela época. Não sabia nem conhecia nada. Pude ter um vislumbre do linguajar daquela época, da vestimenta, da postura das pessoas”, descreve.
Damasceno então passou a pedir para familiares mandarem livros também, já que o projeto disponibiliza uma obra por mês. Na cela, ele acredita que tem cerca de 40 livros, que compartilha com outros detentos. “Em média, devo ter lido entre 60 e 70 livros. De novembro de 2022 até hoje.”
Entre seus gêneros preferidos estão títulos de filosofia e desenvolvimento pessoal. “A literatura é mais um hobby, uma diversão. O desenvolvimento pessoal tomo como estudo, e a literatura é meu prazer.” Ele diz que quando deixar a unidade prisional pretende manter o hábito adquirido. “Não tem como, não me desfaço mais dele, está enraizado.”
Sobre o que mudou em sua vida depois que começou a ler, o preso é enfático: “Tudo. Melhorei meu linguajar, minha forma de ver a vida e enxergar as pessoas, raciocinar. O projeto amplia horizontes e te dá perspectiva. Uma pessoa inserida em um meio social de violência, normalmente, não tem estrutura familiar, acesso à cultura e à educação, cresce privada disso.”
“Apesar de muitas pessoas não acreditarem que o caráter pode ser transformado, acredito que através dos livros eu conheci experiências nas histórias (que li), biografias. Vi que tudo na vida se transforma. Por que o caráter não pode se transformar? O projeto de leitura me mostrou que posso contestar o contexto em que fui inserido na sociedade”, completa.
Agora, Damasceno pretende dar início à vida acadêmica. “Fiz o Encceja, cursei o Enem, passei e agora consegui uma bolsa através do Prouni. Meu planejamento, no momento, é só estudar.” Ele vai cursar Assistência Social. Espera um investimento maior do Estado no projeto, para que mais detentos possam ter a oportunidade de participar da iniciativa. “No espaço, mais livros, ampliar para mais unidades prisionais porque isso aqui transforma e o que transforma tem que crescer.”
Daniel Rufino, de 27 anos, é outro que chegou ao projeto buscando apenas a redução da pena. “Mas entendi que a leitura faz parte da vida do ser humano porque abre caminhos. Então comecei a gostar.” Ele lembra que o primeiro livro que leu foi “A Arte de correr na chuva” (2008), um romance de Garth Stein. Já o que mais o marcou foi “Nada a perder”, do bispo Edir Macedo. “Sou religioso, me identifiquei com a história e o lugar em que me encontro também.”
Rufino conta que se identifica mais com obras de cunho religioso. “Vim de uma família cristã e, na situação em que me encontro, o livro religioso é um escape, um conforto.” Ele também acredita que a leitura é um hábito que levará consigo quando terminar de cumprir sua pena. Entre os frutos colhidos pela participação no projeto, o detento cita uma das maiores notas, entre os colegas, na redação do Enem. “Quero fazer Veterinária, gosto dos animais. É um sonho desde que era criança, por algumas circunstâncias, deixei de lado, mas agora tenho esse objetivo.”
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De acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), 62.352 detentos participaram do projeto no ano passado em Minas Gerais, distribuídos em 117 unidades prisionais. Em 2025, até o momento, são 9.953 participantes. Atualmente, informa a Sejusp, há 122 bibliotecas espalhadas por unidades prisionais em todo o estado. Além disso, há salas de leitura, estantes e carrinhos bibliotecas em todas as unidades de Minas.
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A diretora de Ensino e Profissionalização do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), Miriam Célia dos Santos, explica que cada detento demanda um tempo para a leitura. “Ainda mais no sistema prisional, onde temos pessoas que não são alfabetizadas, que fazem leitura coletiva, por audiobook ou fazem a descrição de um livro ilustrado a que elas têm acesso. A cada obra lida são quatro dias a menos na pena.”
Segundo a diretora, a qualquer tempo da pena e qualquer obra literária pode ser usada para a remição. “É sempre importante, para favorecer a leitura, que ela seja efetiva, que venha com benefícios de aquisição de conhecimento, aprimoramento da leitura, da escrita, ampliação do vocabulário. É importante que sejam obras com que o detento se identifique, que a linguagem seja acessível para ele.” Ela cita que leituras de obras espíritas e evangélicas são muito procuradas. “É importante que esteja de acordo com o repertório dele para que se conecte com a obra, tenha pertencimento”, afirma. “Não são todos que tiveram a oportunidade de desenvolver a leitura, então, não pode ser algo inacessível”, completa.
O projeto, porém, traz benefícios que vão além da remição, conta Miriam. Ela cita as cartas para a família. “Muitos detentos, às vezes, precisam da ajuda de outros que têm mais habilidade de escrita. Com a leitura, eles começam a escrever suas próprias cartas.”
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A diretora lembra que, nas unidades prisionais, a escrita é um meio de comunicação muito forte. “As requisições para os advogados, tudo se dá por meio do papel. O acesso à leitura é transformador para que eles se aprimorem como seres humanos, desenvolvendo a parte intelectual. No tratamento penal como um todo, aquela rotina de reflexão, do processo todo que ele passa, para que seja melhor para ele, que consiga se comunicar, estabelecer relações por meio da escrita e da leitura.”

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O Estado de Minas esteve na Escola Estadual Antônio Ribeiro da Silva, que funciona dentro do Presídio São Joaquim de Bicas II, na Grande BH. Lá o projeto funciona desde abril de 2016. Atualmente, 94 detentos participam da iniciativa. Ao atravessar as grades na porta da unidade, o interior da instituição de ensino em nada lembra uma penitenciária. Em um ambiente acolhedor, dentro da biblioteca, o preso Rafael Damasceno, de 38 anos, conta que adquiriu o hábito da leitura na unidade prisional.
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Rufino conta que se identifica mais com obras de cunho religioso. “Vim de uma família cristã e, na situação em que me encontro, o livro religioso é um escape, um conforto.” Ele também acredita que a leitura é um hábito que levará consigo quando terminar de cumprir sua pena. Entre os frutos colhidos pela participação no projeto, o detento cita uma das maiores notas, entre os colegas, na redação do Enem. “Quero fazer Veterinária, gosto dos animais. É um sonho desde que era criança, por algumas circunstâncias, deixei de lado, mas agora tenho esse objetivo.”