Dezenas de docentes do King's College London se revezavam em um piquete para fechar as entradas da instituição
Debaixo de uma chuva fina que caiu em Londres durante toda a segunda-feira (12), o professor pernambucano Arthur Galamba e outras dezenas de docentes do King's College London se revezavam em um piquete para fechar as entradas da instituição.
"Hoje choveu, mas há duas semanas nevou" contou Galamba, professor do departamento de Educação do King's College, à reportagem. Ele se referia a uma marcha de que participou junto a cerca de 5 mil manifestantes na região central da cidade bem na semana em que o Reino Unido enfrentava dias de caos por conta da onda de frio e da tempestade apelidada de "fera do leste".
O movimento faz parte de uma greve de professores universitários do país contra mudanças no seu sistema de aposentadorias. A paralisação já entra em sua quarta semana e é considerada a maior interrupção no ensino na história do Reino Unido, segundo o jornal The Guardian.
Ao menos 65 instituições aderiram ao movimento, segundo o sindicato, e mais de um milhão de estudantes estão sendo prejudicados com a perda de aulas. Após começar com apenas dois dias de paralisação na primeira semana, o movimento cresceu e ganhou força, ampliando o debate nacional sobre o ensino superior britânico e a situação dos professores no país.
Ao longo dos últimos dias, protestos nas ruas e piquetes em frente a prédios das faculdades se tornaram as imagens mais frequentes no sistema de educação superior do Reino Unido.
"Esta é a maior greve que vi nos últimos 20 anos, e é pelo menos a terceira vez que paramos para defender nossas aposentadorias. Estamos lutando seriamente porque precisamos ganhar esta disputa", disse à reportagem Melanie Cooke, professora de linguística do King's College London há 14 anos.
"Ninguém esperava que tivéssemos tanto apoio externo, de estudantes, e tanto envolvimento dos professores e palestrantes", completou. A greve é organizada pelo University and College Union (UCU), principal sindicato de professores de ensino superior do Reino Unido. Ela é uma reação a uma proposta de mudança no sistema de aposentadorias de professores, que deixaria de ter um benefício predefinido e faria com que os valores apenas com contribuições fixas passassem a ser calculados de acordo com a variação do mercado de investimentos.
"As empresas querem acabar com as garantias das aposentadorias. Eles dizem que a aposentadoria deve depender da performance dos investimentos, e não das nossas contribuições", diz o manifesto do UCU.
Segundo o sindicato, a medida proposta pelas universidades faria com que os professores que entram na carreira agora se aposentassem ganhando em média 10 mil libras a menos por ano (cerca de R$ 3.750 a menos por mês).
O Universities UK (UUK), que representa os patrões na educação superior britânica, alega que está trabalhando para tornar o esquema de aposentadorias sustentável. Segundo o UUK, o sistema atual tem um déficit de 6 bilhões de libras.
Segundo Cooke, o movimento está ganhando força por conta da sua importância política. "Não apenas a mudança que querem fazer no sistema de aposentadorias é muito séria como é uma medida que pode ser interpretada como o início de um movimento mais amplo, que pode afetar as aposentadorias de todos do serviço público do país", explicou.
No Reino Unido, a maior parte das universidades funciona em um sistema híbrido. São instituições privadas, autônomas, mas recebem subsídios e fundos do governo para pesquisas. Ainda assim, os professores alegam que o protesto visa pressionar os patrões, mas também o governo, que pode ajudar a evitar que as universidades mudem o sistema de aposentadorias.
"A ameaça às aposentadorias só existe hoje porque os conservadores estão no poder e apoiam as políticas neoliberais. Se fossem os trabalhistas no governo, as universidades não tentariam os cortes que tentam agora", disse Galamba. Além dos próprios professores, o movimento ganhou apoio de muitos estudantes. Em uma ação paralela à greve, cerca de 70 mil alunos assinaram uma petição exigindo que as universidades devolvam a eles o dinheiro pago por aulas que não foram dadas por conta da greve.
"É uma forma de pressionar financeiramente as instituições e apoiar a luta dos professores, que não estão sendo pagos", explicou Galamba, que também trabalhou como professor da rede particular de ensino médio no Recife, nos anos 2000, e chegou a participar de paralisações no Brasil. "Aqui no Reino Unido tem uma diferença grande. A gente não recebe salário pelos dias em greve, como acontece no Brasil", explicou. Daí a exigência dos alunos de serem reembolsados.
Segundo Cooke, o apoio dos estudantes se dá por conta do aumento do interesse dos jovens por política."O apoio não se dá porque eles se preocupam com as aposentadorias, é uma questão de princípio. Eles veem os impactos das medidas de austeridade do governo atual e defendem movimentos que lutam contra essas medidas que vão afetar a vida deles no futuro." Com informações da Folhapress.