O mandatário e o presidente do Parlamento exigem lealdade aos militares e convocam uma demonstração de força para esta quarta-feira

 
Caracas 
 
Soldados, com seguidores de Juan Guaidó nesta terça-feira CARLOS EDUARDO RAMIREZ REUTERS

 

As palavras pronunciadas na noite desta terça-feira por Nicolás Maduro e Juan Guaidó descreveram o dia dos adversários, um reflexo do profundo bloqueio político e da gravíssima crise que a Venezuela vive. O mandatário chavista apareceu no final de um dia atordoante que tinha começado  com a súbita libertação do líder oposicionista Leopoldo López em uma operação liderada pelo presidente do Parlamento e apoiada por um contingente de militares.

Maduro qualificou o ocorrido como "escaramuça golpista", advertiu os responsáveis de que não haverá nenhuma impunidade e negou que tivesse a intenção de deixar o país para ir para Cuba, como declarou o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo.

Guaidó reconhecido como chefe de Estado interino por mais de 50 países, fez um chamado à população para que mantenha a pressão nas ruas do país nesta quarta-feira, 1º de Maio. "Hoje, Maduro não tem o apoio das Forças Armadas. Hoje é um dia histórico para o país neste início da fase final da Operação Liberdade para o fim da usurpação. Vimos que a pressão, o protesto gera resultados", afirmou em um vídeo divulgado pouco antes do pronunciamento do sucessor de Hugo Chávez.

O líder bolivariano, acompanhado pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino, e o chefe da Assembleia Nacional Constituinte, Diosdado Cabello, advertiu que "não pode haver impunidade." "Tem que haver justiça para que haja paz", enfatizou, ao mesmo tempo que exigiu lealdade absoluta dos militares. Disse que a maioria dos militares que apoiaram a ação de Guaidó fez isso enganada e que aqueles que não o abandonaram ao longa da manhã já estão sendo investigados pelo Ministério Público. Criticou Guaidó e López, sem os ameaçar abertamente. "Os chefes políticos da extrema direita também andam de embaixada em embaixada", disse.

Ao mesmo tempo, o líder do Parlamento se mostrou convencido da possibilidade iminente de uma virada política e o início de um período de transição. "Podemos conseguir a mudança na Venezuela. Meus agradecimentos à comunidade internacional pelo apoio dado e o chamado às Forças Armadas para seguir em frente", continuou. Hoje suas forças serão testadas de novo nas praças venezuelanas, onde o chavismo também pretende se manifestar por ocasião do Dia do Trabalhador.

De qualquer modo, a crise institucional do país se acelerou nesta terça-feira em apenas algumas horas e provocou tensão entre o regime de Nicolás Maduro e a Assembleia Nacional, chegando a a um aparente ponto de não retorno. Guaidó desencadeou uma ofensiva contra o aparato chavista com a intenção de forçar a renúncia de Maduro por meio da mobilização permanente. Fez isso com um chamado aos militares e à população apoiado em um golpe de efeito de alto risco.

Apesar do chamado contra o regime, a resposta dos venezuelanos foi desigual, conteve-se com o passar das horas e bateu contra a parede dos confrontos violentos. O dia terminou com mais de 50 feridos pelos duros enfrentamentos entre chavistas, forças de segurança e opositores. Houve episódios de violência e repressão perto da base de La Carlota, onde um blindado atropelou vários manifestantes. Mais tarde, a tensão se transferiu para o leste de Caracas, área que é majoritariamente de oposição. Guaidó e López instigaram seus seguidores a sairem em massa para se manifestarem contra Maduro, mas as mobilizações não tiveram o resultado esperado.

O ex-prefeito oposicionista preferiu buscar proteção na Embaixada do Chile, como foi confirmado pelo Ministério das Relações Exteriores desse país, mas horas mais tarde se mudou para a embaixada espanhola, informação confirmada pelo Governo espanhol. O ministro das Relações Exteriores do Chile, Roberto Ampuero, informou mais tarde que López se havia transferido com sua mulher para a missão diplomática espanhola por "decisão pessoal".

Guaidó não renunciou a disputar com o regime o apoio das Forças Armadas. A libertação de López demonstra que ele obteve a cumplicidade de alguns militares, incluindo membros dos Serviços Bolivarianos de Inteligência (Sebin). No entanto, apesar de algumas deserções que ocorreram desde o final de fevereiro, a maioria dos comandantes permanece fiel ao Governo. "Hoje, corajosos soldados, patriotas, homens corajosos apegados à Constituição, vieram ao nosso chamado. Estamos definitivamente nas ruas da Venezuela", disse o rival de Maduro em um vídeo transmitido às seis da manhã. "Hoje se vence o medo. Hoje, como o presidente interino, legítimo comandante-chefe das Forças Armadas, convoco todos os soldados e toda a família militar a nos acompanhar neste feito. Como parte da luta não-violenta que temos adotado em todos os momentos", enfatizou o dirigente do Vontade Popular, o partido a que pertence o ex-prefeito de Caracas. López disse que sua libertação se deu depois de um "indulto presidencial" de Guaidó a todos os presos políticos, decisão que não foi contestada pelos agentes de inteligência que o custodiavam.

Ambos levaram a empreitada mais além ao se distanciarem da base militar, que desde a madrugada estava cercada pelas forças especiais da Polícia, para se darem um banho de massa em diversas áreas da capital. "Povo da Venezuela, é necessário que saíamos juntos à rua para respaldar as forças democráticas e recuperar a nossa liberdade. Organizados e juntos, mobilizem-se na direção das principais unidades militares.” Este foi seu chamado, lançado nas redes sociais, para tentar enfraquecer Maduro. Se, no final, este desafio, que pretende manter nesta quarta-feira, esmorecer e se tornar mais um alarme falso, Guaidó e López terão de enfrentar previsivelmente uma dura resposta do regime, que, por sua vez, teria de tomar uma decisão difícil. De Maduro dependeria, em última análise, resolver essa crise intensificando o conflito ou deixando-o definhar.