A freira brasileira Aline Ghammachi, de 40 anos, entrou com processos na Justiça italiana e no Tribunal Eclesiástico do Vaticano após ser afastada do comando de quatro mosteiros cistercienses em meio a acusações que ela nega veementemente. O estopim do caso foi uma carta anônima enviada diretamente ao papa Francisco, em janeiro de 2023, que a acusava de maus-tratos e manipulação dentro da comunidade religiosa, além de desvio de recursos - alegações que, segundo sua defesa, não se sustentam.

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A carta desencadeou uma série de investigações e visitas oficiais ao mosteiro de clausura em Vittorio Veneto, no norte da Itália, onde irmã Aline vivia com outras 18 religiosas. Apesar da gravidade das denúncias, uma auditoria financeira conduzida a pedido do próprio abade geral da Ordem Cisterciense, Mauro Giuseppe Lepori, não encontrou qualquer irregularidade. "Recebemos os parabéns pela transparência das contas", declarou a freira em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo.

A brasileira afirma que a denúncia partiu de quatro outras freiras, entre elas a responsável pelas noviças. Segundo Aline, a acusação teve motivações pessoais e internas, e ela sustenta ter provas comprometedoras contra as autoras, incluindo registros que mostrariam uso de sites pornográficos em equipamentos da comunidade. Capturas de tela e vídeos foram apresentados pela freira à Justiça.

Ascensão rápida, resistência interna

Nascida no Brasil, irmã Aline alcançou um feito inédito ao ser nomeada, em 2018, abadessa - líder espiritual da comunidade religiosa feminina, responsável por orientar as freiras na prática da vida santa -com apenas 34 anos, assumindo o comando de quatro mosteiros distribuídos por regiões diferentes da Itália.

Seu perfil jovem, carismático e empreendedor, no entanto, parece não ter sido bem recebido dentro da hierarquia tradicional. "Ser jovem e bonita pesava muito. O abade geral me dizia que minha aparência não ajudava, que era um problema. Fui alvo de chacotas e humilhações veladas", relatou.

Entre as ações administrativas que teriam causado desconforto está a venda de uvas dos vinhedos do mosteiro para a produção de prosecco, prática comum entre ordens monásticas para garantir sustento. Ela afirma que sempre agiu buscando a autonomia econômica da instituição, o que pode ter incomodado setores mais conservadores.

Sua defesa, representada pela advogada Esraíta Delaias, sustenta que a abadessa foi alvo de perseguição interna sem provas concretas. "Não existe nenhuma decisão baseada em fatos ou testemunhos consistentes. Apenas suposições anônimas e interesses pessoais", afirmou a advogada.

Rompimento e solidariedade
A situação se agravou após a morte do Papa Francisco, em abril deste ano. Apenas oito dias depois, Aline deixou o mosteiro, seguida por cinco outras religiosas que abandonaram a clausura em protesto contra o tratamento dado a ela. "Fomos tratadas como criminosas. Vivíamos sob vigilância constante, como num campo de concentração", denunciou a freira Maria Stella, uma das que acompanharam a ex-abadessa.

Além das ações em instâncias eclesiásticas, Aline entrou com um processo por calúnia e difamação no tribunal penal de Treviso contra o abade geral Lepori e as quatro freiras responsáveis pela carta. Ela também prepara uma ação judicial por assédio moral e sexual contra o mesmo religioso, embora tenha preferido não comentar os detalhes publicamente.

Apesar da crise, irmã Aline diz que mantém firme sua fé e que pretende seguir lutando para limpar seu nome. "Buscar a verdade é um ato cristão. E eu vou até o fim para mostrar que essas acusações não são verdadeiras", afirmou.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Jociane Morais