Aos 65 anos, motorista foi expulso mesmo com filha naturalizada e netos americanos
Ela esperou até o último minuto para dar a notícia aos parentes no Brasil, com medo que sua avó “tivesse um piripaque” e tentando evitar atender uma enxurrada de ligações desesperadas.
Mas não teve jeito. Cristina Viana acordou cedo em New Hampshire, o estado no nordeste americano onde mora, e levou o pai, Elvecio, até o aeroporto para que ele fizesse uma viagem sem volta.
O paulista de 65 anos que há quase três décadas trabalhava como motorista de uma fábrica de armários de cozinha nos Estados Unidos lutou, mas não conseguiu evitar a sua deportação mesmo tendo uma filha naturalizada e netos americanos.
Há duas semanas, quando um juiz acatou um recurso e pediu mais tempo para julgar seu caso, a casa da família no subúrbio de Nashua respirou aliviada, mas logo veio a notícia que não queriam ouvir.
“Estou de coração partido, porque acho que foi injusto”, diz Cristina. “De repente, quando você faz tudo certinho, dão só uns dias para ele sair do país como se ele fosse criminoso. Isso dói muito.”
Elvecio Viana, de acordo com o que diz seu advogado, não cometeu nenhum crime. Nascido em São Paulo, ele se mudou para os EUA em 1990.
Sua filha veio mais de uma década depois para ficar com o pai e acabou se casando com um americano, com quem tem agora duas filhas pequenas.
Quando se tornou cidadã americana, Cristina tentou regularizar a situação do pai, que viveu durante anos renovando seu visto de trabalho.
“Eu acabei entregando meu pai para eles quando fiz a petição para mudar o status, porque, se não fosse por isso, não saberiam que ele estava aqui ainda”, ela conta à Folha. “Só não me sinto culpada porque sei que fiz o melhor para reverter essa situação.”
Elvecio, que passou a última noite no país onde construiu toda a sua vida se despedindo da família e dos amigos, não quis dar entrevistas.
Seu advogado, Robert McDaniel, que vem representando uma série de imigrantes em situação semelhante no país, continua trabalhando no caso para tentar reverter a deportação de Elvecio, mas, enquanto a resposta não chega, o cliente ficará longe dos EUA.
“Estão mandando embora uma parte da Constituição americana com ele”, diz McDaniel. “Ele não teve um processo justo e tampouco a chance de ser ouvido num tribunal.”
Deportações sumárias como a de Elvecio vêm se tornando cada vez mais comuns desde que Donald Trump assumiu a Casa Branca, em janeiro de 2017, com política linha-dura contra a imigração.
Outros brasileiros que vivem na cidade de Nashua, acostumados a ver Elvecio aos domingos na igreja, dizem ter medo de dirigir pela cidade, já que o fato de não terem carteira de motorista —só residentes legais têm direito ao documento no estado— pode servir de base para um eventual processo de deportação.
“Está difícil com esse governo”, diz o cozinheiro João Cunha, um dos amigos de Elvecio. “A polícia está apertando quem não tem documentos.”