Mineira será tema da Portela no Carnaval de 2019 e ganha samba de grupo da escola formado só por mulheres

Raphael Vidigal

OTEMPO.com.br

Mangueirense de coração, Paulo César Pinheiro cedeu aos apelos de sua mulher depois de enxergar, na sala de sua casa, ilações entre o altar ali montado por ela e os símbolos da Portela. O pombo de asas abertas, representando o Espírito Santo, tornou-se uma águia, enquanto o manto da santa negra reproduzia as cores azul e branca da agremiação. Ainda assim, Pinheiro recorreu a Mario Duarte para conseguir terminar a tarefa. O resultado foi o samba que se transformou em esquenta para os desfiles da escola durante o Carnaval carioca.

“Portela na Avenida” seria gravada pela mulher insistente em 1981. Seu nome: Clara Nunes. Em 2019, será a vez de a Portela retribuir a homenagem a Clara. Pela primeira vez, a intérprete será o único tema de enredo da maior vencedora do Carnaval carioca. Em 1984, a escola levou o título com o samba “Contos de Areia”, mas, na ocasião, além de Clara, Paulo e Natal da Portela também foram saudados.

“A Portela fará um desfile lindo, Clara vai reviver na avenida, porque nunca nos esquecemos dela”, afirma Monarco. A fala do veterano portelense vai ao encontro de depoimento da própria homenageada, reproduzido no documentário “Clara Estrela” (2017), de Susanna Lira e Rodrigo Alzuguir. “O único lugar que sei que serei sempre lembrada é na Portela”, declara a mineira de Caetanópolis nas imagens do filme.

Guerreira. Outra novidade é o fato de um grupo formado exclusivamente por mulheres disputar a escolha do melhor samba-enredo. O Samba das Guerreiras conta com dez integrantes, entre elas Meri de Liz, Ana Quintas e Catia Guimarães, que pertencem à ala de compositoras da escola.

Há cinco anos abrindo a tradicional feijoada da Portela com um tributo à cantora, Ana exalta um recorde de Clara: graças ao disco de 1971, ela se tornou a primeira mulher no país a ultrapassar as 100 mil cópias vendidas, vencendo os tabus e os preconceitos da época.

“A Clara foi uma guerreira, e, para nós, é mais do que justo participar de um ano que vai relembrar uma mulher tão forte”, garante Ana, que aproveita o passado para se referir ao hoje. “‘Sororidade’ é a palavra do momento, uma mulher puxando a outra e elevando nossa capacidade”, completa a compositora. Nessa linha, outra integrante do conjunto preparou uma iniciativa cinematográfica. No dia 13 de setembro, Rozzi Brasil lança, na quadra da Portela, o curta-metragem “Procuram-se Mulheres”, sobre a invisibilidade feminina na sociedade brasileira.

Por sinal, foi por meio das filmagens que a história do Samba das Guerreiras começou. “Reuni pessoas que admirava no set de filmagem e, para a parte musical, chamei a Meri de Liz, que toca violão, e a Dayse do Banjo”, conta Rozzi. Unidas, as instrumentistas fundaram o conjunto, que pretende vencer a competição para emplacar a música na avenida.

O mote é “Na Madureira moderníssima, hei sempre de ouvir cantar uma sabiá”, alusão a versos da música “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, mas, também, a “Um Ser de Luz”, parceria de João Nogueira com o viúvo de Clara lançada por Alcione em 1983, um ano após a morte da intérprete.

Encontro. Recém-chegada ao Rio, o encantamento de Clara com a Portela foi “espontâneo e apaixonado”, nas palavras de Monarco. Embora tenha registrado músicas de mangueirenses célebres como Cartola e Nelson Cavaquinho, a paixão pela escola de Candeia e outros bambas foi inevitável. “Clara chegou a sair no carro da escola, puxando samba, mas gostava mesmo era de brincar o Carnaval no chão”, garante ele, que conheceu Clara, primeiro, pelas ondas do rádio.

“Eu a ouvi cantando ‘Você Passa Eu Acho Graça’ (Ataulfo Alves e Carlos Imperial), fiquei impressionado com aquela voz e pensei: ela ainda vai para a Portela. E deu certo”, rememora o cantor. Ao todo, Clara gravou três canções de Monarco: “Jardim da Solidão”, “Vai, Amor” e “Rancho da Primavera”. “Ela foi a nossa maior cantora”, conclui o carioca.