Por Akemi Nitahara –
Agência Brasil
Rio de Janeiro
O poema é de Lindacy Meneses, ex-diarista de 60 anos, moradora da favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, que deixou tudo para se dedicar exclusivamente à literatura e à poesia. “Para se aperfeiçoar na literatura é muita caminhada, você tem que se dedicar muito”, afirma.
Ela integra o grupo Sarauzeiras Oníricas e participa do 5º Encontro de Poetas da Língua Portuguesa, que foi aberto nessa sexta-feira (31) no Museu da República, no Catete. A organizadora-geral do encontro, Mariza Sorriso, destaca que o único pré-requisito para participar do evento é ser poeta. “Não precisa nem ter tido publicação. A gente tem pessoas famosas, pós-doutores, PhDs, mestres, e tem também o sapateiro, o pedreiro, a empregada doméstica”.
Tudo começou em 2013, quando Mariza foi a Lisboa fazer o pré-lançamento de um livro e conheceu poetas portugueses. Surgiu a ideia de fazer o encontro e em 2014 ocorreu o primeiro deles, em Lisboa, com poetas do Brasil, de Portugal e Angola. De lá pra cá, o evento cresceu e chegou a Maputo, em Moçambique. Segundo ela, ele ocorre em várias cidades, numa grande celebração da língua portuguesa.
“Este ano começa no Rio, depois vamos para Olinda e Recife, dias 14 e 15, e Lisboa de 20 a 23, onde haverá o lançamento da antologia. Depois vamos para Angola, no dia 29. A intenção é unir mesmo, integrar, trocar cultura. Dentro do português temos muitas variações. Nas antologias, muitas vezes a gente precisa colocar nota de rodapé para entender”.
A cada encontro é publicado um livro com poesias dos participantes. Os poetas fazem passeio por pontos importantes da literatura no centro do Rio, como a Academia Brasileira de Letras, o Real Gabinete Português de Leitura, as confeitarias Colombo e Itajaí e a Biblioteca Nacional.
Neste sábado, a programação no Museu da República terá a palestra "A importância da integração dos poetas de língua portuguesa para a literatura", do professor Luiz Otávio Oliani, além de atividades culturais, apresentação musical de ritmos lusófonos e a leitura de poesias.
“Não sabia que escrever sofria tanto”
Lindacy diz que entrou para o mundo da literatura a fim de contar a sua história. Filha de uma prostituta, ela se viu abandonada aos 7 anos de idade após a morte da mãe, no Recife. Não se adaptou à casa do irmão e veio parar na casa de parentes no Rio de Janeiro, tendo que começar a trabalhar aos 9 anos como empregada doméstica para ajudar no sustento da casa, depois que a mãe adotiva se separou. Foi obrigada a deixar os estudos ainda criança.
Em 2012, ouviu no telejornal um convite da Festa Literária das Periferias (Flup) a poetas e escritores que tivessem contos e poesias para publicar. “Eu não era nada e não tinha nada, mas pedi pra minha filha me inscrever porque eu queria contar a minha história”, lembra. “Mas não era só ir lá e contar e minha história que alguém ia escrever e eu ia sair com o livro pronto, como pensei. Era uma oficina literária e tive que fazer um texto sobre o Rio de Janeiro, eu nem sabia o que era texto, minha filha me explicou. Eu escrevi, minha filha mandou, depois de um tempo me chamaram, eu fui selecionada para participar”.
Lindacy foi acompanhada do marido à Flup, no Morro dos Prazeres, e se apaixonou pelo ambiente literário. “Eu falei que era iletrada, eu sei ler e escrever, mas muito pouco. Eu não entendia o que as pessoas falavam, mas meu marido me apoiou. Fiquei encantada com aquela festa toda. Passaram a tarefa e, em casa, desenvolvi o conto. Depois, na reunião tive que falar sobre como eu escrevia, acharam ótimo, maravilhoso. Me aplaudiram pela minha força de vontade”, lembra emocionada.
Ela não parou mais de escrever e resolveu deixar de trabalhar depois de ter um ataque epilético, que atribui à ansiedade gerada pelo processo de escrita. “Eu comecei a ficar naquela ânsia de querer escrever, voltei a estudar, mas as dificuldades são muitas. Minha mãe adotiva tem problema no pé, então eu tenho que fazer tudo, o marido alcoólatra, uns netos que ainda moram lá em casa, me dando trabalho. Mas aí eu fui, nessa ansiedade de querer aprender, de querer fazer tudo, e tive um ataque epilético. Coisa que nunca aconteceu, sempre fui saudável. Acho que foi a ansiedade, que era demais. Eu comecei a escrever e comecei a sofrer. Não sabia que escrever sofria tanto, dá uma emoção, uma coisa, tem hora que até choro”.
Agora, Lindacy Meneses está escrevendo a sua história, além de contos e poesias, e é uma das integrantes da Antologia Comemorativa do 5º Encontro de Poetas da Língua Portuguesa, livro que reúne trabalhos de 135 poetas de sete países. A publicação será lançada hoje no evento.