Após ser vítima no trabalho, advogada e pesquisadora estudou o tema em seu pós-doutorado, que resultou na publicação de livro
Um buquê de rosas normalmente representa um gesto de carinho. Para a estudante universitária Natália*, 27, no entanto, o mimo antecedeu uma série de “espinhos”. Ela trabalhava como vendedora em uma empresa, em 2014, quando foi vítima de assédio moral e sexual de seu supervisor. Depois das flores, vieram as indiretas, os elogios fora de hora, os gestos de paquera e os convites para sair. “O pesadelo durou um ano até que, consciente de que não seria correspondido, ele me demitiu”, conta. Da violência, resultaram a vergonha, o silêncio e a depressão que a impediram de denunciar o agressor.
O relato é dado pouco tempo depois de o mundo se deparar com mulheres da indústria norte-americana do entretenimento reagindo contra uma série de abusos cometidos por figurões. Os efeitos do movimento podem ser sentidos além dos holofotes de Hollywood. Diariamente, pessoas comuns encontram forças para lutar contra o assédio em suas mais diferentes formas.
Vítima dessa violência no trabalho em 2014, a advogada Ivanira Pancheri decidiu traduzir o trauma em pesquisa de pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP). No estudo, que resultou no livro “Assédio Laboral: Mobbing”, ela mapeou uma série de comportamentos que podem ser classificados como assédio, apesar de, muitas vezes, passarem despercebidos pelas vítimas.
Ivanira, a partir do conceito de assédio, chegou a dez termos para explicar diferentes agressões, de acordo com as pessoas e com o ambiente. Alguns deles já são conhecidos, como o bullying e o assédio sexual. Outros, no entanto, como o straining, são novos no Brasil.
“Essas práticas estão enraizadas no contexto cultural de todo o mundo há muito tempo e, até hoje, recebem ‘respaldo’ social, sendo consideradas aceitáveis”, explica Ivanira. A tentativa de desqualificar a vítima, diz ela, é comum. “Como a mulher vai denunciar se ela precisa do emprego, se ela sofre chantagem e ameaças? E como provar a violência vivida? Na maior parte das vezes, é a palavra da vítima contra a do agressor, que está em posição de poder”, afirma.
Foi o que aconteceu com a recepcionista Tainá*, 27. “Aconteceu em 2016, na empresa onde eu ainda trabalho. Eu e mais duas funcionárias do mesmo setor fomos assediadas por coordenadores de forma velada, sutil, com expressões de duplo sentido e gestos. A situação só parou quando a equipe foi trocada”, afirma a jovem, que, por medo de perder o emprego, preferiu o anonimato.
Outro agravante, segundo a pesquisadora, é a vitimização secundária da mulher na hora de denunciar o assédio. “É o chamado ‘mecanismo de erro de atribuição’, quando você coloca a culpa na vítima, dizendo que, se ela não tivesse agido da forma ‘x’ ou ‘y’, ela não teria sido assediada. E é o oposto: o agressor deve satisfação por ter cometido aquela violência”.
O estudo identificou que o assédio moral e sexual se fortalece se a relação de poder é maior. “Quanto mais firme é esse vínculo, maior será o assédio no ambiente. Os agressores aproveitam da sua posição hierárquica para fazer uso do famoso método de ‘mostrar quem é que manda por aqui’”, esclarece.
Ivanira acredita que a solução para acabar com o problema, ou ao menos minimizá-lo, esteja num conjunto de medidas a serem tomadas por toda a sociedade. “A vítima deve encontrar uma estrutura que não a desqualifique e que a incentive a denunciar. O praticante deve responder pela violência praticada. E, principalmente, devemos educar as gerações para que sejam participativas na luta contra comportamentos de assédio, para que não se tornem vítimas nem agressores”, declara.
*Nomes fictícios