Quando viu “Pacarrete” na tela grande, durante um festival realizado na China, Marcélia Cartaxo quase caiu para trás. A primeira auto-avaliação foi de que estava caricata na pele da protagonista que dá título ao filme. Não faltou um puxão de orelhas em Allan Deberton, afirmando que o diretor poderia ter diminuído o tom de sua interpretação no set.


“Uma crítica americana acompanhou o festival e escolheu quatro filmes para escrever. Um deles foi  ‘Pacarrete’. No texto, a primeira impressão publicada sobre ele, a jornalista escreveu que, se eu tivesse ultrapassado um pouco, teria beirado à caricatura, mas que a construção era tão forte que consegui  controlar a personagem”, registra Marcélia.


Foi só neste instante que ela “sossegou”. Poucos meses depois, no Festival de Gramado, no ano passado, ela recebeu o Kikito de melhor atriz. A partir desta quinta-feira, com a estreia do filme nos cinemas, será a vez do público conferir a atuação desta paraibana, revelada há exatamente 35 anos em “A Hora da Estrela”, como a inesquecível Macabéa.

Marcélia não tem dúvidas sobre a importância de Pacarrete em sua carreira, colocando-a em pé de igualdade com Macabéa, pelo qual ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim. “Os contextos, claro, são diferentes. Com Macabéa trabalhei mais a intuição, pois tinha chegado fresquinha do Nordeste, com sotaque forte e jeito desconfiado de ser, sem conhecer nada de cinema”, lembra.

Pacarrete, observa a atriz, é fruto de um trabalho mais consciente e maduro. “Não que eu tivesse perdido a intuição, mas ele veio junto com esta percepção mais madura”, assinala. Marcélia costuma definir a protagonista do filme cearense – estreia de Deberton em longas –como fruto de uma grande construção física e psicológica.

A personagem surge em cena como se estivesse num musical, dançando com uma vassoura na calçada de sua casa. Ela é uma professora e bailarina aposentada que, de jeito meio esnobe, valendo-se de muitos termos em francês, é vista como louca pela população. Ainda mais quando deseja usar collant e fru-fru novamente, no aniversário da cidade.

“O que mais me incomodava eram as coreografias. Quando o Allan me convidou, fiquei enlouquecida. Para as coisas se encaixarem, eu tive que ensaiar bastante, durante um mês e meio. O processo todo foi incrível. Até então eu só tinha vivenciado personagens sofridos e de cunho social. Pacarrete é diferente, para cima, de personalidade forte”, destaca.

A parte do balé foi a experiência mais dolorida, literalmente. “Ao aprender balé depois de velha, não deu outra: fiz tudo a base de remédio (para dor). O esforço era tão grande que, quando o corpo esfriava, ficava dolorida da cabeça aos pés, como se não pudesse levantar no dia seguinte”, recorda. Para ela, o mais importante em Pacarrete é a luta incansável para resistir. “Ela só quer se sentir inteira para representar tudo o que conquistou na vida”.