Lançados com 30 anos de distância, dois filmes vencedores do Oscar trazem muitos pontos em comum, incluindo um grande filme de Spike Lee como competidor


“Você viu suas cartas, não viu?”, perguntou Daisy Werthan.

“Ah, sim, sim. Eu sei que o meu ABC é muito bom, só não sei ler”, respondeu Hoke Colburn.

“Pare de dizer isto, você está me deixando louca! Se você conhece as cartas, você pode ler. Você apenas não sabe que pode ler”, retruca Daisy.

“Senhora?”, pergunta Hoke.“Eu ensinei algumas das crianças mais estúpidas que Deus já colocou na face desta Terra e todas elas poderiam ler bem o suficiente para encontrar um nome em uma lápide”, diz Daisy.
(Conduzindo Miss Daisy, 1989)

“O que você está fazendo?”, pergunta Don Shirley.

“Uma carta”, responde Tony Lip.

“Parece mais um bilhete de resgate. Posso? “Querida Dolores”, lê Shirley, soletrando corretamente (Q-U-E-R-I-D-A). Ele continua a ler: “Estou me encontrando com todos os principais cidadãos da cidade. Pessoas que usam palavras grandes, todas elas. Mas você me conhece, eu me dou bem. Eu sou um bom enrolador. Enquanto escrevo esta carta, estou comendo batata frita. Estou começando a ficar com sede. Lavei minhas meias e as enxuguei na TV. Eu deveria ter ... trazido (escrito erradamente) ... o ferro ...” Ao ler este trecho da carta, Shirley se vira para Lip e diz: “Você sabe que isso é patético, certo?”
(Green book – O guia, 2018)

Universal Pictures/DivulgaçãoViggo Mortensen e Mahershala Ali em 'Green book' (foto: Universal Pictures/Divulgação)

Os dois diálogos reproduzidos acima pertencem a duas produções vencedoras do Oscar de melhor filme. Conduzindo Miss Daisy (1989), de Bruce Beresford, levou ainda outras três estatuetas – atriz (Jessica Tandy), roteiro adaptado e maquiagem. Green book – O guia (2018), de Peter Farrelly, que no último domingo (24) sagrou-se o grande vencedor da 91ª edição do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, ganhou também as estatuetas de ator coadjuvante (Mahershala Ali) e roteiro original (Nick Vallelonga, Peter Farrelly e Brian Currie).

Desde que a comédia dramática estrelada por Viggo Mortensen (como o motorista branco) e Mahershala Ali (como o passageiro negro) foi lançada, não faltaram comparações com o longa de 30 anos atrás. O paralelo acabou se intensificando após o discurso do diretor Spike Lee, premiado pelo roteiro adaptado de Infiltrado na Klan, que concorria também a melhor filme. “Toda vez que tem alguém dirigindo, eu perco”, afirmou Lee na cerimônia.

No ano em que Conduzindo Miss Daisy (sobre a amizade travada entre um motorista negro e uma passageira branca) venceu, Lee também havia lançado um grande longa. Faça a coisa certa concorreu (e não levou) nas categorias de ator coadjuvante e roteiro original e nem chegou a ser indicado a melhor filme, no que hoje se considera uma injustiça histórica do Oscar. Na época, os dois não bateram de frente, já que Faça a coisa certa não foi indicado a melhor filme.