A avó de Joana Oliveira mora próximo de Tiradentes, cidade da região do Campo das Vertentes. Desta forma, ela sempre tinha lugar para ficar durante as edições da Mostra de Cinema de Tiradentes. A primeira vez foi em 1999, um ano após a criação do festival, quando ainda era estudante e as projeções aconteciam numa tenda de circo.

Vinte e dois anos depois, Joana retornará a Tiradentes numa nova condição: como uma das realizadoras que competem na prestigiada Mostra Aurora, a principal do festival. Ela assina “Kevin”, única produção 100% mineira na programação, com início no próximo dia 22. “Minha história com a mostra é de muito respeito e admiração”, afirma.


A produção nasceu da vontade de Joana celebrar a sua amizade com a ugandense Kevin. Elas se conheceram na Alemanha, no mesmo ano em que a cineasta foi apresentada à Mostra. “Fui para lá passar um tempo como babá de uma menina. Entrei num curso de alemão na universidade como ouvinte e a conheci. Éramos duas estrangeiras que viam a Alemanha de formas diferentes”. 

Elas se reencontraram em 2005, quando Joana fez um intercâmbio no país europeu. Em 2013, porém, Kevin não pôde vir ao Brasil para participar de uma comemoração de casamento. “Ela estava com uma filha pequena e não tinha o dinheiro. Imaginei então um filme em que nós nos reencontrássemos”, registra.

“Eu e Kevin nos tratamos como atrizes de nossas próprias vidas. E acredito que tenha feito uma auto-ficção, que, no fim das contas, é tão real que vira um <CW-35><CS15.2>documentário”
Foi a oportunidade para falar de amizade e também do feminino. “O fato de sermos mulheres faz com que tenhamos dramas diferentes do mundo masculino e acho que a maternidade aparece como o mais forte deles. A escolha ou não de ser mãe vem com a responsabilidade de cuidar das crianças, coisa que não é exigida aos homens em sua escolha de ser ou não pais”, observa.


Kevin é mãe de três crianças e cuida delas sem a presença do pai, algo que é muito comum no Brasil também. “A gravidez é algo que transforma a vida e o corpo de uma mulher. Escolher ou não ser mãe passa por uma quase exigência da sociedade, diferentemente dos homens”, pontua Joana.

Feminismo


Para ela, o projeto sempre foi feminista, principalmente ao colocar a amizade de duas mulheres como o tema principal – algo raro na história do cinema. “Eu e Kevin éramos tão amigas e, ao mesmo tempo, fazia tanto tempo que não nos sentávamos para conversar coisas sérias ou banais. Por que nos sentíamos tão próximas? O que poderia ter mudado em nossa relação com a idade? A vida adulta tornaria nossa amizade mais fria? Como ela se sentiria vindo ao Brasil?”, questiona.

Essas foram as perguntas iniciais de um filme que transformaria a vida de Joana, que não se relaciona com Kevin como se fosse uma entrevistadora. “Eu tive que assumir minha presença como uma protagonista. Virei personagem e a perspectiva do filme passa pelo olhar da Joana. Entretanto, o coração segue igual: é um narrativa sobre uma amiga ajudando a outra a estar no mundo”.