Sob impacto da morte dos jovens de Paraisópolis, a chef Paola Carosella, do Masterchef, escreveu em post: “Precisamos reconhecer que o projeto de extermínio da pobreza do atual governo está muito bem orquestrado”. O comentário pode parecer exagero, uma teoria da conspiração. Mas, não é que ela tem razão?

Dados e pesquisas indicam estar em curso no país um processo orgânico e talvez incontrolável de genocídio de pobres. Cabe, porém, um reparo às palavras de Carosella: o projeto é orquestrado não só pelo governo como também por mídias, políticos, instituições, empresários e religiosos, enfim, uma boa parte da sociedade. Obviamente, a parte que não se encaixa no perfil de pobre e exterminável. Bolsonaro expressa valores de uma cultura de violência que está impregnada no país, sobretudo na elite.

A atitude indulgente de Doria e outras autoridades com os policiais de Paraisópolis não tem amparo nas leis e sim em pesquisas. A tese de que direitos humanos atrapalham o combate ao crime é endossada por 55,3% dos brasileiros contra 34,3% divergentes, segundo o portal Jota. E 50% acham que bandido bom é bandido morto, segundo o Ibope. A maioria apoia a repressão violenta, não liga para valores civilizatórios. Acha que não vale a pena gastar com bandido; melhor matá-los.

Não só pesquisas como também manifestações nas ruas e nas urnas indicam forte consentimento público à execução sumária, sem julgamento ou defesa. E os policiais não se fazem de rogados; vêm executando a rodo. A política letal atinge muitos inocentes, até crianças. Mas, para defensores da morte de ‘bandidos’, casos como o de Paraisópolis são danos de guerra. E nenhum pobre escapa ao preconceito que faz dele um eterno suspeito.

O estereótipo do bandido brasileiro é um pé-rapado de cor negra ou parda, desde cedo vocacionado ao crime pela pobreza. Nesse perfil se encaixa grande parte da população pobre. No imaginário da cultura dominante, lugar de bandido é a favela e todo favelado é um potencial perigo. O que torna comunidades inteiras suspeitas. E alvos.

Como chegamos a padrão civilizatório tão baixo? Com ajuda da economia. O superciclo de commodities, a partir de 2005, financiou projetos sociais que resgataram milhões da pobreza e ao mesmo tempo manteve a vida boa dos privilégiados no Brasil. Agora, após o fim da bonança eme 2013, não dá mais para sustentar o Estado social junto com regalias no topo da pirâmide (subsídios para empresas, super salários e benefícios do serviço público, etc). A conta não fecha. Onde cortar? Os de cima decidiram preservar seus bolsos. E deixar o sacrifício para os de baixo. A legitimação social  da violência policial e das execuções nas periferias servem bem a esse propósito.

O extermínio é uma tática cruel, mas eficaz e barata de seleção. Um pobre morto é um pobre a menos para dar despesa ao Estado. Loucura? Não, faz todo sentido para quem não quer dividir o bolo ou quer dividi-lo com o menor número possível de pessoas. Barbárie? Com certeza.