De todas as atividades humanas, a religião é a mais dependente de um tipo de catarse e êxtase que só as multidões conseguem produzir. A fé se alimenta de energia coletiva. Daí os templos erguidos para aglomerar pessoas desde tempos imemoriais. E por isso o pânico instalado no meio evangélico. O coronavírus está destruindo as bases que sustentam as suas igrejas e o seu formidável império no país.

O desespero já bateu às portas. Com os templos fechados pela pandemia, pastores relatam queda de até 90% na arrecadação das igrejas. A alternativa das doações digitais não está dando certo; sem o clima eufórico dos cultos, o fiel não sente a mesma propensão a doar. E se as sacolinhas secam, quebra-se corrente essencial de liquidez para todo o complexo político-empresarial em que se transformaram diversas igrejas no Brasil.

Os sinais da crise estão por toda parte, especialmente no núcleo de comunicação dos impérios religiosos. A TV Record, da Universal do Reino de Deus, pediu no mês passado moratória de dívidas trabalhistas. Mas não só os veículos de mídia ligados a igrejas estão sendo atingidos pela crise religiosa. Emissoras de rádio e TV que alugam espaço para pastores ou denominações evangélicas estão amargando calotes milionários.

A solução buscada pelos evangélicos é a convencional: pedir ajuda ao governo. Além de pressionar pelo fim da quarentena e reabertura dos templos, querem socorro financeiro. A Igreja Internacional da Graça de Deus pediu a interveniência do presidente para obter o perdão de R$ 144 milhões de débitos inscritos na Dívida Ativa da União e de R$ 44 milhões em multas no Carf. O deputado Marcos Pereira, bispo licenciado da Universal, liderou uma romaria ao Banco Central para pedir acesso das igrejas a empréstimos bancários.

Pereira é o atual primeiro-vice-presidente da Câmara Federal, o segundo posto na casa. Hoje os evangélicos integram a cúpula do legislativo e detém cargos de relevo no executivo. O baixo clero escalou no poder político, reflexo do crescente aumento de suas bancadas parlamentares, inclusive nos municípios.

As igrejas viraram máquinas de votos ao canalizarem recursos para um poderoso sistema de comunicação que projeta líderes, divulga crenças e alinha fieis a uma determinada visão do mundo. O dinheiro da fé move refletores e mecanismos que elegem políticos. E estes retornam o apoio em benesses.

Toda essa engrenagem agora está ameaçada. E não se trata de crise passageira. Não se sabe quando as multidões voltarão a ocupar os templos nem em que condições isso ocorrerá. Na religião, a falta de dinheiro pode durar meses a fio. Ou anos. Mesmo com apoio de Bolsonaro, sobreviver não será para todos. Impérios evangélicos vão desmoronar, como as muralhas de Jericó.

E a Igreja Católica, também não seria afetada? Sim, claro. Mas, há uma diferença: ela tem dois mil anos, enquanto a maioria das denominações evangélicas tem a idade de seus fundadores ainda vivos. Além disso, há a lendária riqueza de Roma.