Mais dois eventos vieram reforçar o gradual domínio do Estado pelos grupos militarizados. De um lado, a operação da Polícia Federal contra a primeira-dama do Rio, Helena Witzel, por suspeição de corrupção; e de outro, um conjunto de medidas que confirmam o novo status dos policiais, que se destacam com os militares entre os segmentos mais privilegiados no governo Bolsonaro.

A operação no Rio carrega forte conteúdo político e didático. Ela ocorre quando o STF apura a denúncias do ex-ministro Moro de interferência presidencial na PF. E atinge diretamente Wilson Witzel, um dos governadores que confrontam Bolsonaro e está à frente do estado onde têm curso investigações incômodas para os filhos do presidente.

A ação da PF será interpretada em quase todo o meio político como um gesto de força e intimidação, levando muita gente a uma posição mais cautelosa e recuada em relação a Bolsonaro. A partir de agora, provavelmente, governadores receosos de se tornarem alvos de operação similar deverão pensar mais vezes antes de subir o tom contra o Planalto.

Já as medidas em curso para favorecer policiais são três: o governo editou uma MP que garante o aumento da remuneração a policiais e bombeiros do Distrito Federal, conseguiu aprovar no Congresso uma MP que restrutura a PF e ainda quer convocar novos agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal). Tudo isso antes da sanção presidencial ao pacote de socorro aos estados e municípios que congela as contratações e aumentos de salários no serviço público. No conjunto, essas medidas reafirmam para a sociedade quem está dando as cartas no país. Policiais e militares são uma das pernas do tripé em que se apoia o governo – as outras são evangélicos e empresários.

Quem acompanha os bastidores nos quarteis diz que os oficiais da ativa não estão dispostos a sancionar um Estado policial e autoritário e que só os militares nomeados no governo, a maioria da reserva, fecham hoje 100% com Bolsonaro. Mas, a essa altura, com milhares de cargos na administração federal, agora inclusive na saúde no combate à pandemia, os membros das Forças Armadas já estão irremediavelmente comprometidos com o presidente e seu governo. Mesmo que haja militares em desacordo, não se espere do meio oposição ao projeto de poder bolsonarista. Quanto aos policiais, parecem prontos e mesmo ansiosos para atender a um chamamento do presidente. Para os PMs de todo o Brasil, Bolsonaro é o cara. Ou melhor, o mito.

Ainda não temos autoritarismo instalado. O Estado já caiu na mão dos policiais e militares mas eles não instalaram por ora um regime autoritário. O Estado policial e militar ainda não é fechado e autoritário. Mas a tendência natural é que uma coisa conduza à outra.

O Estado bolsonarista avança porque conta com apoio político e social. Todos os benefícios dados a militares e policiais tiveram apoio maciço no Congresso, inclusive de parlamentares da esquerda. Políticos em todo o Brasil, por medo ou populismo, exacerbaram o discurso da segurança e empoderaram as fardas. Até recentemente as Forças Armadas e a PF estavam entre as instituições mais respeitadas na opinião pública. A polícia é heroificada na mídia e na visão da parcela da população (quase metade) adepta da tese do ‘bandido bom é bandido morto’.

As eleições municipais podem dar mais impulso ao processo de militarização e endurecimento do sistema político. Ou aumentar as barreiras a ele. Está sendo esperado um número inédito de candidaturas militares e policiais, até como reflexo do crescente ativismo político entre eles. A eventual disseminação das fardas por prefeituras e Câmaras de Vereadores seria um grande passo na consolidação do Estado policial-militar.