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Brasília - Além da força das armas, o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 contou com o apoio prévio de uma extensa estrutura político-ideológica que preparou o terreno para a destituição do governo de João Goulart. As duas principais estruturas utilizadas pelos “No caso do Ipes, teve todo o arranjo midiático de criar o medo da Guerra Fria, da União Soviética e do comunismo, relacionando determinados setores da política, e mesmo da sociedade brasileira, como comunistas e como isso seria perigoso. Isso teve um papel decisivo”, completou.
Camila Felix Vidal/Professora de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina
Arquivo pessoal
De acordo com a professora Camila Vidal, o Ibad teve uma atuação mais política, financiando deputados e governadores para desestabilizar o governo Goulart e a esquerda no geral, incluindo a infiltração nos movimentos populares, sindicais e estudantis. Em outra frente de atuação, o Ipes teve mais uma função de propaganda, articulando ainda todo o bloco contrário ao governo.
Camila destacou ainda que essas estruturas usavam a fachada de instituto técnico e acadêmico para promover a agenda dos Estados Unidos em meio a Guerra Fria. “São institutos que, ainda que se colocassem como domésticos, como técnicos e tudo mais, na realidade, são braços de uma política externa dos Estados Unidos para a atuação no Brasil”, defendeu, acrescentando que Washington “precisava manter aqui a sua influência e a sua hegemonia”.
Mídia
O complexo formado pelo Ipes/Ibad gozava de amplo espaço na imprensa nacional para repercutir as opiniões, estudos e ações lideradas por esses institutos, especialmente o Ipes. Segundo Dreifuss, “o Ipes conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública, através de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais”.
Jornalistas influentes e diretores ou editores dos mais importantes jornais do país faziam parte do Ipes. Entre os jornais interligados ao instituto estavam: O Estado de S. Paulo, a Folha de S.Paulo, os Diários de Notícias, a TV Record, a TV Paulista, o Jornal do Brasil, o Diário de Pernambuco, o Correio do Povo, O Globo, a Rádio Globo e os Diários Associados (poderosa rede de jornais, rádio e televisão de Assis Chateubriand).
Recorte do Jornal Correio da Manha sobre CPI de 1963 -
Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional
Além da relação com a mídia nacional, o Ipes “publicava e financiava, editava, traduzia e distribuía livros, livretos, revistas e folhetos de produção própria, como também de fontes afins”, escreveu Dreifuss.
A professora Camila Feix Vidal destacou que as campanhas do Ipes e do Ibad tiveram um sucesso, especialmente nas classes médias, dando sustentação a ditadura.
“Essa batalha das ideias não acabou com o golpe. Ela se manteve legitimando o papel dos militares, a zona de influência estadunidense e não soviética e toda a caça aos tidos como comunistas subversivos. Isso vem dentro dessa visão de mundo, dessa doutrina de segurança nacional que foi gestada e divulgada pelos Ipes e pelo Ibad.”
Financiamento
A bancada financiada e apoiada pelo complexo Ipes/Ibad reunia cerca de 200 parlamentares em dezembro de 1962 (quase metade da Câmara dos Deputados), segundo a pesquisa de Dreifuss, que estima que o dinheiro usado pelo Ipes/Ibad para bancar políticos equivaleu a “uns US$ 12,5 milhões, possivelmente até US$ 20 milhões”. A ação desses deputados “mostrava-se vital no esforço de bloquear as tentativas de João Goulart quanto a implementação de reformas”, acrescentou.
O livro de Dreifuss detalha como funcionou o financiamento dessa estrutura. O dinheiro era recolhido por meio de intensa campanha de contribuições de empresários do Brasil e do exterior, principalmente dos Estados Unidos, com operações para disfarçar o recebimento desses fundos.
Recorte do Jornal Correio da Manha -
Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional
“Como resultado dessa campanha intensa, o Ipes recebeu o apoio de 500 membros corporativos em meados de 1963 e de um número ainda maior em 1964”, escreveu o cientista político, acrescentando que “em dois anos, já se havia recolhido US$ 4 milhões e, até 1964, essa soma [foi] muitas vezes multiplicada”.
Foram 297 corporações estadunidenses identificadas como financiadoras do complexo Ipes/Ibad, sendo 101 empresas de outras nacionalidades. O pesquisador citou, entre as companhias, gigantes globais como: Texaco, Shell, Standart Oil of New Jersey, Bayer, General Electric, IBM, Coca-Cola, Cigarros Souza Cruz e General Motors.
A professora da UFSC, Camila Feix Vidal, destacou que o apoio financeiro foi fundamental para o sucesso da campanha de desestabilização do governo brasileiro. “De nada adianta ter um instituto como o Ipes, ou mesmo o Ibad, atuando se não tem um financiamento tão grande como o que eles tiveram para desenvolver de fato as suas ações”, comentou.
Controle do Estado
Com o golpe de 1º de abril de 1964, as principais lideranças do complexo Ipes/Ibad ocuparam cargos chaves na nova administração, como mostra a detalhada pesquisa de René Dreifuss.
Posse do General Golbery do Couto e Silva no cargo de chefe do Serviço Nacional de Informações
Ulisses/Acervo EBC
O cientista político identificou os associados e colaboradores do Ipes nos cargos de mando em instituições como: o recém-criado Banco Central do Brasil; os ministérios do Planejamento e da Fazenda; a Casa Civil, ligado ao presidente Castello Branco; além de terem redigido a Reforma Administrativa Federal e coordenado o Escritório de Planejamento Econômico e Social do Estado.
Outros órgãos importantes que ficaram nas mãos das lideranças do Ipes foram: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, atual BNDES); o Banco do Brasil; o Conselho Nacional de Economia; a Caixa Econômica Federal e diversos outros bancos públicos.
Ex-professor de ciência política da UFF, René Armand Dreifuss, escreveu 1964: A Conquista do Estado - Reprodução/Lucas Pordeus-Agência Brasil
Dreifuss destacou que o ministro da Fazenda, Octávio Bulhões, e o do planejamento, Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tornaram-se os mais importantes “modeladores da nova economia brasileira”, ambos associados ao Ipes. Para o autor de 1964: A Conquista do Estado, as lideranças do Ipes “moldaram o sistema financeiro e controlaram os ministérios e principais órgãos da administração pública”.
Dreifuss conclui afirmando que: “os ativistas do Ipes impuseram uma modernização da estrutura socioeconômica e uma reformulação do aparelho do Estado que beneficiou, de maneira ampla, as classes empresariais e os setores médios da sociedade, em detrimento das massas”.
Edição: Denise Griesinger
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Brasília - Além da força das armas, o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 contou com o apoio prévio de uma extensa estrutura político-ideológica que preparou o terreno para a destituição do governo de João Goulart. As duas principais estruturas utilizadas pelos “No caso do Ipes, teve todo o arranjo midiático de criar o medo da Guerra Fria, da União Soviética e do comunismo, relacionando determinados setores da política, e mesmo da sociedade brasileira, como comunistas e como isso seria perigoso. Isso teve um papel decisivo”, completou.
Camila Felix Vidal/Professora de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina
Arquivo pessoal
De acordo com a professora Camila Vidal, o Ibad teve uma atuação mais política, financiando deputados e governadores para desestabilizar o governo Goulart e a esquerda no geral, incluindo a infiltração nos movimentos populares, sindicais e estudantis. Em outra frente de atuação, o Ipes teve mais uma função de propaganda, articulando ainda todo o bloco contrário ao governo.
Camila destacou ainda que essas estruturas usavam a fachada de instituto técnico e acadêmico para promover a agenda dos Estados Unidos em meio a Guerra Fria. “São institutos que, ainda que se colocassem como domésticos, como técnicos e tudo mais, na realidade, são braços de uma política externa dos Estados Unidos para a atuação no Brasil”, defendeu, acrescentando que Washington “precisava manter aqui a sua influência e a sua hegemonia”.
Mídia
O complexo formado pelo Ipes/Ibad gozava de amplo espaço na imprensa nacional para repercutir as opiniões, estudos e ações lideradas por esses institutos, especialmente o Ipes. Segundo Dreifuss, “o Ipes conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública, através de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais”.
Jornalistas influentes e diretores ou editores dos mais importantes jornais do país faziam parte do Ipes. Entre os jornais interligados ao instituto estavam: O Estado de S. Paulo, a Folha de S.Paulo, os Diários de Notícias, a TV Record, a TV Paulista, o Jornal do Brasil, o Diário de Pernambuco, o Correio do Povo, O Globo, a Rádio Globo e os Diários Associados (poderosa rede de jornais, rádio e televisão de Assis Chateubriand).
Recorte do Jornal Correio da Manha sobre CPI de 1963 -
Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional
Além da relação com a mídia nacional, o Ipes “publicava e financiava, editava, traduzia e distribuía livros, livretos, revistas e folhetos de produção própria, como também de fontes afins”, escreveu Dreifuss.
A professora Camila Feix Vidal destacou que as campanhas do Ipes e do Ibad tiveram um sucesso, especialmente nas classes médias, dando sustentação a ditadura.
“Essa batalha das ideias não acabou com o golpe. Ela se manteve legitimando o papel dos militares, a zona de influência estadunidense e não soviética e toda a caça aos tidos como comunistas subversivos. Isso vem dentro dessa visão de mundo, dessa doutrina de segurança nacional que foi gestada e divulgada pelos Ipes e pelo Ibad.”
Financiamento
A bancada financiada e apoiada pelo complexo Ipes/Ibad reunia cerca de 200 parlamentares em dezembro de 1962 (quase metade da Câmara dos Deputados), segundo a pesquisa de Dreifuss, que estima que o dinheiro usado pelo Ipes/Ibad para bancar políticos equivaleu a “uns US$ 12,5 milhões, possivelmente até US$ 20 milhões”. A ação desses deputados “mostrava-se vital no esforço de bloquear as tentativas de João Goulart quanto a implementação de reformas”, acrescentou.
O livro de Dreifuss detalha como funcionou o financiamento dessa estrutura. O dinheiro era recolhido por meio de intensa campanha de contribuições de empresários do Brasil e do exterior, principalmente dos Estados Unidos, com operações para disfarçar o recebimento desses fundos.
Recorte do Jornal Correio da Manha -
Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional
“Como resultado dessa campanha intensa, o Ipes recebeu o apoio de 500 membros corporativos em meados de 1963 e de um número ainda maior em 1964”, escreveu o cientista político, acrescentando que “em dois anos, já se havia recolhido US$ 4 milhões e, até 1964, essa soma [foi] muitas vezes multiplicada”.
Foram 297 corporações estadunidenses identificadas como financiadoras do complexo Ipes/Ibad, sendo 101 empresas de outras nacionalidades. O pesquisador citou, entre as companhias, gigantes globais como: Texaco, Shell, Standart Oil of New Jersey, Bayer, General Electric, IBM, Coca-Cola, Cigarros Souza Cruz e General Motors.
A professora da UFSC, Camila Feix Vidal, destacou que o apoio financeiro foi fundamental para o sucesso da campanha de desestabilização do governo brasileiro. “De nada adianta ter um instituto como o Ipes, ou mesmo o Ibad, atuando se não tem um financiamento tão grande como o que eles tiveram para desenvolver de fato as suas ações”, comentou.
Controle do Estado
Com o golpe de 1º de abril de 1964, as principais lideranças do complexo Ipes/Ibad ocuparam cargos chaves na nova administração, como mostra a detalhada pesquisa de René Dreifuss.
Posse do General Golbery do Couto e Silva no cargo de chefe do Serviço Nacional de Informações
Ulisses/Acervo EBC
O cientista político identificou os associados e colaboradores do Ipes nos cargos de mando em instituições como: o recém-criado Banco Central do Brasil; os ministérios do Planejamento e da Fazenda; a Casa Civil, ligado ao presidente Castello Branco; além de terem redigido a Reforma Administrativa Federal e coordenado o Escritório de Planejamento Econômico e Social do Estado.
Outros órgãos importantes que ficaram nas mãos das lideranças do Ipes foram: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, atual BNDES); o Banco do Brasil; o Conselho Nacional de Economia; a Caixa Econômica Federal e diversos outros bancos públicos.
Ex-professor de ciência política da UFF, René Armand Dreifuss, escreveu 1964: A Conquista do Estado - Reprodução/Lucas Pordeus-Agência Brasil
Dreifuss destacou que o ministro da Fazenda, Octávio Bulhões, e o do planejamento, Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tornaram-se os mais importantes “modeladores da nova economia brasileira”, ambos associados ao Ipes. Para o autor de 1964: A Conquista do Estado, as lideranças do Ipes “moldaram o sistema financeiro e controlaram os ministérios e principais órgãos da administração pública”.
Dreifuss conclui afirmando que: “os ativistas do Ipes impuseram uma modernização da estrutura socioeconômica e uma reformulação do aparelho do Estado que beneficiou, de maneira ampla, as classes empresariais e os setores médios da sociedade, em detrimento das massas”.
Edição: Denise Griesinger