array(31) {
["id"]=>
int(168454)
["title"]=>
string(80) "Elas na política: mais votos nas urnas, mais discursos, mas (ainda) pouco poder"
["content"]=>
string(16161) "Entre o discurso em defesa de mais mulheres na política feito em 8 de março de 2023 e hoje, o presidente Lula demitiu três mulheres da Esplanada dos Ministérios (Nísia Trindade, Daniela Carneiro e Ana Moser) e uma que estava no comando da Caixa Econômica Federal (Rita Serrano). Apenas duas vagas abertas no primeiro escalão do governo foram repostas com a nomeação de mulheres: nos Direitos Humanos (Macaé Evaristo) e, mais recentemente, na Secretaria de Relações Institucionais (Gleisi Hofmann). Até quem é responsável pelas políticas para as mulheres (Cida Gonçalves), está com a cabeça a prêmio na reforma ministerial em andamento.
No STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente nomeou um homem (Flávio Dino) para a vaga que era de Rosa Weber e outro (Cristiano Zanin) para o lugar de Ricardo Lewandowski. No TSE, Lula indicou dois homens para vagas titulares e duas mulheres negras (Vera Lúcia Santana e Edilene Lobo) ficaram como ministras substitutas. Agora, a expectativa é em relação às duas nomeações para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) com a aposentadoria das ministras Assusete Magalhães e Laurita Vaz. O Planalto vem sinalizando que pelo menos uma das vagas pode ser ocupada por um homem.
As trocas de mulheres por homens, no Executivo e no Judiciário, são escolhas políticas que reforçam a dificuldade de transformar discursos em práticas efetivas em prol da igualdade de gênero em postos relevantes do setor público. Realidade que também se confirma no Legislativo, onde, mesmo contando com voto popular, as mulheres são excluídas dos círculos de poder.
Em 20 anos, quantidade de mulheres na Câmara mais do que dobra, mas elas não conseguem ocupar posições estratégicas
Nos últimos 20 anos, mais do que dobrou a quantidade mulheres parlamentares somente na Câmara dos Deputados, instituição que representa o perfil e os interesses da sociedade brasileira. No entanto, elas continuam sem espaço em posições estratégicas e, com isso, sem voz, influência e protagonismo em questões relevantes para o país.
Um mergulho nos números das cinco últimas legislaturas (20 anos de mandato) traduz bem a falta de poder das mulheres na Câmara dos deputados. Foi o que fez a pesquisadora e consultora Ana Paula Abritta, que trabalha, há quase dez anos, com relações governamentais. Ela ficou incomodada com a falta de influência feminina em espaços onde, de fato, o poder habita dentro do Congresso. É o caso de cargos que influenciam a pauta de votação e agendas políticas, itens fundamentais na hora da negociação com o governo – entre eles estão a mesa diretora, as lideranças de partidos ou de bancadas e as presidências de comissões permanentes de alta relevância.
“A quantidade de deputadas aumentou de forma significativa (43 eleitas em 2002 para 91 na atual legislatura), porém, elas não ocupam posições de poder que garantam acesso às negociações da coalizão política”, destaca a pesquisadora. “Nunca houve uma presidente da mesa diretora e a primeira vez que uma mulher presidiu a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) foi na última legislatura (que terminou no início de 2023)”, emenda. Segundo ela, no período analisado, apenas 21 mulheres foram presidentes de comissões permanentes, num universo de quase 150 ocupantes desses cargos.
“A quantidade de deputadas aumentou de forma significativa (43 eleitas em 2002 para 91 na atual legislatura), porém, elas não ocupam posições de poder que garantam acesso às negociações da coalizão política”
O que isso representa na prática? A “tensão” entre o Executivo (que quer aprovar propostas de seu interesse e garantir a governabilidade) e o Legislativo (Câmara e Senado, responsáveis pela discussão, aprovação e fiscalização de políticas e leis) leva a barganhas e acordos aos quais só tem acesso quem pode influenciar de alguma forma o fluxo desses processos. Os cargos da mesa, as lideranças e o comando das comissões asseguram um poder aos seus detentores e, por isso, são tão disputados.
O estudo “Representatividade das mulheres na política” mostra que as mulheres até passam no primeiro filtro, as urnas eleitorais, mas ficam relegadas a posições “de baixo prestígio” quando estão dentro no tabuleiro político, dominado pelos homens. Uma clara sinalização de que o equilíbrio de gênero ainda está distante.
No início deste ano, a Câmara teve a chance de reverter, pelo menos parcialmente, esse quadro ao indicar as lideranças para postos importantes como as comissões temáticas da casa. No Senado, pela primeira vez, uma mulher, a senadora Daniella Ribeirto (PSD-PB) foi eleita para primeira secretaria, um dos cargos mais importantes e que funciona como uma espécie de prefeitura da casa, responsável por supervisionar as atividades administrativas, contratos e gastos. Além disso, as senadoras Ana Paula Lobato (PDT-MA) e Soraya Thronicke (Podemos-MS) foram eleitas para a terceira e a quarta secretarias, respectivamente.
Onde estão as mulheres eleitas na Câmara?
As mulheres já são mais da metade da população brasileira (51,5%), segundo o IBGE, e também do eleitorado (52,47%), de acordo com os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Além disso, elas são quase metade dos filiados a partidos políticos (46%). Mesmo assim, “na 56ª legislatura (2019-2023), só uma mulher, num total de 24 líderes fazia parte do colégio de líderes, um instituto com uma série de prerrogativas regimentais que conferem poder, além de ser o espaço onde são predefinidas as pautas e encaminhamentos de votação na Câmara”, destaca Ana Paula Abritta.
As mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados estão em posições de menor prestígio no jogo político. Para entender melhor a distribuição nesse tabuleiro, vale destacar uma classificação oriunda da ciência política americana que divide os principais temas políticos em três categorias: “hard politics”, “middle politics” e “soft politics”.
O primeiro (“hard politics”) resume as áreas relacionadas à capacidade de o presidente eleito governar e executar suas promessas de campanha porque mexem diretamente com a gestão da economia e o poder do Estado. E aí estão, por exemplo, temas como reformas política e eleitoral, segurança pública, infraestrutura, políticas econômica, tributária, industrial, agrícola e de reforma agrária. No conjunto “middle politics” estão temas tidos como intermediários, como por exemplo o da Previdência Social. Por fim, em “soft politics” estão concentrado os assuntos mais voltados para o social, como habitação, saneamento básico, educação, cultura, família, direitos do consumidor.
“As mulheres são maioria nas comissões de ‘soft politics’, que são menos valorizadas no processo político”, conclui Abritta. “Com isso, elas se mantêm em agendas políticas de menor visibilidade”. O levantamento aponta que, em vinte anos, foram relatados 12.569 projetos por mulheres em comissões permanentes. Desse total, 62% foram em “soft” e “middle politics”.
Frente de disputa da direita e da esquerda
“As mulheres são relegadas a comissões afeitas a cuidados”, avalia Cristiane Bernardes, técnica do ONMP (Observatório Nacional da Mulher na Política), ligado à Câmara dos Deputados, e pesquisadora do tema. Para ela, isso reflete um comportamento histórico sobre o papel da mulher na sociedade que, mais recentemente, tornou-se uma frente de disputa entre partidos políticos considerados de direita e esquerda.
“As mulheres sempre concentraram as atividades de cuidados não remuneradas. Assim, há uma sobrecarga que provoca a exclusão política de muitas delas”, diz Cristiane. Ela lançou, em 2023, o documentário “A Câmara” dirigido em parceira com o antropólogo, diretor e roteirista Tiago Aragão.
O filme de quase 90 minutos mostra as deputadas em debates, embates e articulações nas comissões, no plenário, corredores e gabinetes da Câmara. Na pauta havia temas como direitos reprodutivos, educação pública, política do cuidado, estado laico, racismo e polarização política.
“É muito comum que não sejamos convidadas e não nos vejam como pessoas aptas a discutir as chamadas ‘hard politics’”, diz a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), um dos nomes mais fortes na luta pelo direito feminino da Câmara atualmente. “Acho que não há classificação ou conciliação com relação a isso. Somos nós que devemos nos impor, nos enfiar onde não somos chamadas e fortalecer umas as outras para ir galgando esses espaços de poder.”
Old boys’ club
O caminho é longo e começa nas coisas mais básicas. Sâmia, por exemplo, precisou pedir para a mesa diretora da Câmara registrar nos painéis eletrônicos quando uma deputada está de licença maternidade. Parece algo pequeno, mas o nome dela e de outras parlamentares que tiveram filhos durante o exercício do mandato chegaram a constar de listas dos parlamentares que mais faltaram – era simplesmente desconsiderado o fato de que, na verdade, estavam de licença. Elas ainda sofreram críticas nas redes como se tivessem se omitido nas discussões travadas no Congresso.
“Há uma questão patriarcal que ainda prevalece e cria uma afinidade temática”, analisa Abritta, destacando a falta de incentivo partidário para as mulheres como um entrave para avanços mais fortes. Por isso, ela defende a fixação de cotas para as posições de poder dentro da Câmara. Só assim, acredita, poderia ser acelerada a desconstrução da lógica “Old boys’ club” – a dos espaços masculinos informais e descontraídos de debates, construção de relacionamentos e compartilhamento de informações, como um clubinho fechado à moda antiga, sem mulheres e que funcionam como uma barreira para o aumento da representatividade delas nos cargos de maior influência.
Ofensas e xingamentos
“A estrutura da violência da política de gênero é muito perversa. Ela já efetivamente expulsou, tirou mulheres da política”, desabafa a deputada Sâmia. Ela lembra que isso ocorre por meio de “ofensas, xingamento e ameaças, que recebemos, presencial ou virtualmente, e que visam impedir nossa atuação, repensar aquilo que dizemos e fazemos”.
Por isso, para a deputada, “com indicação de mais mulheres para os espaços de poder e, também, com as regras novas eleitorais”, será possível avançar mais rapidamente. Ela não acredita, porém, numa mudança interna por iniciativa própria. “O movimento ainda é democrático de fora para dentro. E, não, internamente, nos espaços de poder que resistem muito à presença de mulheres. Não à toa, se vota constantemente projetos de anistia aos partidos que não cumprem com as regras já existentes.”
Sâmia Bonfim afirma ainda que “um dos grandes desafios é enfrentar essa estrutura machista que está dentro dos partidos políticos que se organizam, muita das vezes para manutenção do poder de coronéis e de pessoas que se sentem donos do país através do cargo que ocupam”.
"
["author"]=>
string(27) "Estado de Minas - Redação"
["user"]=>
NULL
["image"]=>
array(6) {
["id"]=>
int(624572)
["filename"]=>
string(34) "mulheres-na-camarafederal3 (1).jpg"
["size"]=>
string(5) "71432"
["mime_type"]=>
string(10) "image/jpeg"
["anchor"]=>
NULL
["path"]=>
string(3) "aa/"
}
["image_caption"]=>
string(99) "Elas na política: mais votos nas urnas, mais discursos, mas (ainda) pouco poder /crédito: Platobr"
["categories_posts"]=>
NULL
["tags_posts"]=>
array(0) {
}
["active"]=>
bool(true)
["description"]=>
string(301) "As mulheres ampliaram a presença no Congresso, mas o crescimento do número de cadeiras não garante a elas voz e acesso aos principais espaços de poder no Congresso Nacional. No primeiro escalão do governo Lula e no Judiciário, elas perdem espaço
"
["author_slug"]=>
string(23) "estado-de-minas-redacao"
["views"]=>
int(97)
["images"]=>
NULL
["alternative_title"]=>
string(0) ""
["featured"]=>
bool(true)
["position"]=>
int(0)
["featured_position"]=>
int(0)
["users"]=>
NULL
["groups"]=>
NULL
["author_image"]=>
NULL
["thumbnail"]=>
NULL
["slug"]=>
string(74) "elas-na-politica-mais-votos-nas-urnas-mais-discursos-mas-ainda-pouco-poder"
["categories"]=>
array(1) {
[0]=>
array(9) {
["id"]=>
int(460)
["name"]=>
string(6) "Brasil"
["description"]=>
NULL
["image"]=>
NULL
["color"]=>
string(0) ""
["active"]=>
bool(true)
["category_modules"]=>
NULL
["category_models"]=>
NULL
["slug"]=>
string(6) "brasil"
}
}
["category"]=>
array(9) {
["id"]=>
int(460)
["name"]=>
string(6) "Brasil"
["description"]=>
NULL
["image"]=>
NULL
["color"]=>
string(0) ""
["active"]=>
bool(true)
["category_modules"]=>
NULL
["category_models"]=>
NULL
["slug"]=>
string(6) "brasil"
}
["tags"]=>
NULL
["created_at"]=>
object(DateTime)#539 (3) {
["date"]=>
string(26) "2025-03-08 11:51:31.000000"
["timezone_type"]=>
int(3)
["timezone"]=>
string(13) "America/Bahia"
}
["updated_at"]=>
object(DateTime)#546 (3) {
["date"]=>
string(26) "2025-03-08 11:51:31.000000"
["timezone_type"]=>
int(3)
["timezone"]=>
string(13) "America/Bahia"
}
["published_at"]=>
string(25) "2025-03-08T11:50:00-03:00"
["group_permissions"]=>
array(4) {
[0]=>
int(1)
[1]=>
int(4)
[2]=>
int(2)
[3]=>
int(3)
}
["image_path"]=>
string(37) "aa/mulheres-na-camarafederal3 (1).jpg"
}
Entre o discurso em defesa de mais mulheres na política feito em 8 de março de 2023 e hoje, o presidente Lula demitiu três mulheres da Esplanada dos Ministérios (Nísia Trindade, Daniela Carneiro e Ana Moser) e uma que estava no comando da Caixa Econômica Federal (Rita Serrano). Apenas duas vagas abertas no primeiro escalão do governo foram repostas com a nomeação de mulheres: nos Direitos Humanos (Macaé Evaristo) e, mais recentemente, na Secretaria de Relações Institucionais (Gleisi Hofmann). Até quem é responsável pelas políticas para as mulheres (Cida Gonçalves), está com a cabeça a prêmio na reforma ministerial em andamento.
No STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente nomeou um homem (Flávio Dino) para a vaga que era de Rosa Weber e outro (Cristiano Zanin) para o lugar de Ricardo Lewandowski. No TSE, Lula indicou dois homens para vagas titulares e duas mulheres negras (Vera Lúcia Santana e Edilene Lobo) ficaram como ministras substitutas. Agora, a expectativa é em relação às duas nomeações para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) com a aposentadoria das ministras Assusete Magalhães e Laurita Vaz. O Planalto vem sinalizando que pelo menos uma das vagas pode ser ocupada por um homem.
As trocas de mulheres por homens, no Executivo e no Judiciário, são escolhas políticas que reforçam a dificuldade de transformar discursos em práticas efetivas em prol da igualdade de gênero em postos relevantes do setor público. Realidade que também se confirma no Legislativo, onde, mesmo contando com voto popular, as mulheres são excluídas dos círculos de poder.
Em 20 anos, quantidade de mulheres na Câmara mais do que dobra, mas elas não conseguem ocupar posições estratégicas
Nos últimos 20 anos, mais do que dobrou a quantidade mulheres parlamentares somente na Câmara dos Deputados, instituição que representa o perfil e os interesses da sociedade brasileira. No entanto, elas continuam sem espaço em posições estratégicas e, com isso, sem voz, influência e protagonismo em questões relevantes para o país.
Um mergulho nos números das cinco últimas legislaturas (20 anos de mandato) traduz bem a falta de poder das mulheres na Câmara dos deputados. Foi o que fez a pesquisadora e consultora Ana Paula Abritta, que trabalha, há quase dez anos, com relações governamentais. Ela ficou incomodada com a falta de influência feminina em espaços onde, de fato, o poder habita dentro do Congresso. É o caso de cargos que influenciam a pauta de votação e agendas políticas, itens fundamentais na hora da negociação com o governo – entre eles estão a mesa diretora, as lideranças de partidos ou de bancadas e as presidências de comissões permanentes de alta relevância.
“A quantidade de deputadas aumentou de forma significativa (43 eleitas em 2002 para 91 na atual legislatura), porém, elas não ocupam posições de poder que garantam acesso às negociações da coalizão política”, destaca a pesquisadora. “Nunca houve uma presidente da mesa diretora e a primeira vez que uma mulher presidiu a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) foi na última legislatura (que terminou no início de 2023)”, emenda. Segundo ela, no período analisado, apenas 21 mulheres foram presidentes de comissões permanentes, num universo de quase 150 ocupantes desses cargos.
“A quantidade de deputadas aumentou de forma significativa (43 eleitas em 2002 para 91 na atual legislatura), porém, elas não ocupam posições de poder que garantam acesso às negociações da coalizão política”
O que isso representa na prática? A “tensão” entre o Executivo (que quer aprovar propostas de seu interesse e garantir a governabilidade) e o Legislativo (Câmara e Senado, responsáveis pela discussão, aprovação e fiscalização de políticas e leis) leva a barganhas e acordos aos quais só tem acesso quem pode influenciar de alguma forma o fluxo desses processos. Os cargos da mesa, as lideranças e o comando das comissões asseguram um poder aos seus detentores e, por isso, são tão disputados.
O estudo “Representatividade das mulheres na política” mostra que as mulheres até passam no primeiro filtro, as urnas eleitorais, mas ficam relegadas a posições “de baixo prestígio” quando estão dentro no tabuleiro político, dominado pelos homens. Uma clara sinalização de que o equilíbrio de gênero ainda está distante.
No início deste ano, a Câmara teve a chance de reverter, pelo menos parcialmente, esse quadro ao indicar as lideranças para postos importantes como as comissões temáticas da casa. No Senado, pela primeira vez, uma mulher, a senadora Daniella Ribeirto (PSD-PB) foi eleita para primeira secretaria, um dos cargos mais importantes e que funciona como uma espécie de prefeitura da casa, responsável por supervisionar as atividades administrativas, contratos e gastos. Além disso, as senadoras Ana Paula Lobato (PDT-MA) e Soraya Thronicke (Podemos-MS) foram eleitas para a terceira e a quarta secretarias, respectivamente.
Onde estão as mulheres eleitas na Câmara?
As mulheres já são mais da metade da população brasileira (51,5%), segundo o IBGE, e também do eleitorado (52,47%), de acordo com os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Além disso, elas são quase metade dos filiados a partidos políticos (46%). Mesmo assim, “na 56ª legislatura (2019-2023), só uma mulher, num total de 24 líderes fazia parte do colégio de líderes, um instituto com uma série de prerrogativas regimentais que conferem poder, além de ser o espaço onde são predefinidas as pautas e encaminhamentos de votação na Câmara”, destaca Ana Paula Abritta.
As mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados estão em posições de menor prestígio no jogo político. Para entender melhor a distribuição nesse tabuleiro, vale destacar uma classificação oriunda da ciência política americana que divide os principais temas políticos em três categorias: “hard politics”, “middle politics” e “soft politics”.
O primeiro (“hard politics”) resume as áreas relacionadas à capacidade de o presidente eleito governar e executar suas promessas de campanha porque mexem diretamente com a gestão da economia e o poder do Estado. E aí estão, por exemplo, temas como reformas política e eleitoral, segurança pública, infraestrutura, políticas econômica, tributária, industrial, agrícola e de reforma agrária. No conjunto “middle politics” estão temas tidos como intermediários, como por exemplo o da Previdência Social. Por fim, em “soft politics” estão concentrado os assuntos mais voltados para o social, como habitação, saneamento básico, educação, cultura, família, direitos do consumidor.
“As mulheres são maioria nas comissões de ‘soft politics’, que são menos valorizadas no processo político”, conclui Abritta. “Com isso, elas se mantêm em agendas políticas de menor visibilidade”. O levantamento aponta que, em vinte anos, foram relatados 12.569 projetos por mulheres em comissões permanentes. Desse total, 62% foram em “soft” e “middle politics”.
Frente de disputa da direita e da esquerda
“As mulheres são relegadas a comissões afeitas a cuidados”, avalia Cristiane Bernardes, técnica do ONMP (Observatório Nacional da Mulher na Política), ligado à Câmara dos Deputados, e pesquisadora do tema. Para ela, isso reflete um comportamento histórico sobre o papel da mulher na sociedade que, mais recentemente, tornou-se uma frente de disputa entre partidos políticos considerados de direita e esquerda.
“As mulheres sempre concentraram as atividades de cuidados não remuneradas. Assim, há uma sobrecarga que provoca a exclusão política de muitas delas”, diz Cristiane. Ela lançou, em 2023, o documentário “A Câmara” dirigido em parceira com o antropólogo, diretor e roteirista Tiago Aragão.
O filme de quase 90 minutos mostra as deputadas em debates, embates e articulações nas comissões, no plenário, corredores e gabinetes da Câmara. Na pauta havia temas como direitos reprodutivos, educação pública, política do cuidado, estado laico, racismo e polarização política.
“É muito comum que não sejamos convidadas e não nos vejam como pessoas aptas a discutir as chamadas ‘hard politics’”, diz a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), um dos nomes mais fortes na luta pelo direito feminino da Câmara atualmente. “Acho que não há classificação ou conciliação com relação a isso. Somos nós que devemos nos impor, nos enfiar onde não somos chamadas e fortalecer umas as outras para ir galgando esses espaços de poder.”
Old boys’ club
O caminho é longo e começa nas coisas mais básicas. Sâmia, por exemplo, precisou pedir para a mesa diretora da Câmara registrar nos painéis eletrônicos quando uma deputada está de licença maternidade. Parece algo pequeno, mas o nome dela e de outras parlamentares que tiveram filhos durante o exercício do mandato chegaram a constar de listas dos parlamentares que mais faltaram – era simplesmente desconsiderado o fato de que, na verdade, estavam de licença. Elas ainda sofreram críticas nas redes como se tivessem se omitido nas discussões travadas no Congresso.
“Há uma questão patriarcal que ainda prevalece e cria uma afinidade temática”, analisa Abritta, destacando a falta de incentivo partidário para as mulheres como um entrave para avanços mais fortes. Por isso, ela defende a fixação de cotas para as posições de poder dentro da Câmara. Só assim, acredita, poderia ser acelerada a desconstrução da lógica “Old boys’ club” – a dos espaços masculinos informais e descontraídos de debates, construção de relacionamentos e compartilhamento de informações, como um clubinho fechado à moda antiga, sem mulheres e que funcionam como uma barreira para o aumento da representatividade delas nos cargos de maior influência.
Ofensas e xingamentos
“A estrutura da violência da política de gênero é muito perversa. Ela já efetivamente expulsou, tirou mulheres da política”, desabafa a deputada Sâmia. Ela lembra que isso ocorre por meio de “ofensas, xingamento e ameaças, que recebemos, presencial ou virtualmente, e que visam impedir nossa atuação, repensar aquilo que dizemos e fazemos”.
Por isso, para a deputada, “com indicação de mais mulheres para os espaços de poder e, também, com as regras novas eleitorais”, será possível avançar mais rapidamente. Ela não acredita, porém, numa mudança interna por iniciativa própria. “O movimento ainda é democrático de fora para dentro. E, não, internamente, nos espaços de poder que resistem muito à presença de mulheres. Não à toa, se vota constantemente projetos de anistia aos partidos que não cumprem com as regras já existentes.”
Sâmia Bonfim afirma ainda que “um dos grandes desafios é enfrentar essa estrutura machista que está dentro dos partidos políticos que se organizam, muita das vezes para manutenção do poder de coronéis e de pessoas que se sentem donos do país através do cargo que ocupam”.