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Os Sete Afluentes do Rio Ota é um épico teatral - ao longo de seus 350 minutos de duração (com intervalo), o espetáculo apresenta uma jornada iniciada no final da 2ª Guerra, quando Luke, um soldado americano, retorna a Hiroshima, em 1945, para fazer algumas fotos dos sobreviventes. Tais imagens comporão um álbum que fará uma viagem no tempo, até chegar ao ano 2000, quando será um importante objeto durante uma trágica cena familiar.
A peça nasceu a partir de um espanto de seu criador, o canadense Robert Lepage, em sua primeira viagem àquela cidade japonesa: ele esperava encontrar muitos vestígios de destruição provocada pela bomba atômica lançada pelos americanos no dia 6 de agosto de 1945 e que vitimou entre 90 mil e 166 mil pessoas nos quatro primeiros meses após a detonação. Mas, ao invés de se deparar com uma comunidade marcada pela dor, surpreendeu-se com um lugar marcado pelo renascimento.
Para dar conta desse momento de vitalidade da história humana, Lepage decidiu criar um espetáculo marcado pela produção colaborativa, ou seja, uniu diversos gêneros artísticos para montar uma saga que viajasse no tempo e no espaço. Assim, o espectador é brindado com uma narrativa que utiliza recursos dos teatros de sombra e nô, da dança, do canto lírico e do popular, além de imagens cinematográficas. Além disso, há uma profusão de idiomas, com os atores falando, além do português, em francês, alemão e japonês, o que necessita o uso de legendas em algumas cenas.
Lepage iniciou os ensaios em janeiro de 1994, no Canadá, e a peça só foi estrear mundialmente dois anos depois, em Nova York. O sucesso foi estrondoso.
"Quando assisti, em 1996, tive a certeza de estar diante de uma experiência teatral sem precedentes", conta Monique, em depoimento ao material de divulgação. "Pela primeira vez, o teatro transcendia o palco, suas limitações técnicas, para viajar no tempo, no espaço, e sublimar a autoridade da encenação teatral. Ao atravessar os últimos 50 anos do século 20, a peça nos revela, com toda poesia e delicadeza, nossa comovente insignificância, mas também nosso poder de resistência e reinvenção, diante dos descaminhos da humanidade ou das tragédias pessoais."
A 1ª montagem
A primeira montagem do espetáculo Os Sete Afluentes do Rio Ota dirigida por Monique Gardenberg estreou em outubro de 2002, no Rio de Janeiro. Dos 15 atores dessa versão, oito continuam na montagem que estreia no Sesc Pinheiros, no dia 25. "Sempre comentávamos sobre a possível volta do Rio Ota, mas nunca acontecia", conta Caco Ciocler. "Até que, ao termos a confirmação pela Monique, foi como se o corpo recuperasse uma memória de gestos: quando começamos a mexer no texto, era impossível começar do zero, muita coisa foi retornando aos poucos."
Essa é a missão agora assumida pela encenadora, o elenco de 14 atores e a equipe técnica: resgatar o material que ajudou a transformar o Rio Ota em um grande sucesso. A começar pelo cenário, criado por Hélio Eichbauer, genial cenógrafo, morto em 2018. Aparentemente, é simples: um palco retangular onde três grandes caixas vazadas são movidas a fim de mostrar o espaço em que acontecem as cenas: uma habitação japonesa, as vitrines do distrito da luz vermelha, um campo de concentração nazista, um loft nova-iorquino, um estúdio de gravação, a coxia ou palco de um espetáculo de vaudeville.
"Conseguimos a reprodução exata depois de pesquisar nos arquivos de Eichbauer", comenta Monique, que assim resolveu uma parte do problema, pois os desenhos trazem a visão vista da plateia - faltavam as dicas de como funcionavam os bastidores, especialmente no movimentar dos blocos quadrados. Para isso, a encenadora recorreu à própria memória e também à dos atores remanescentes. "Às vezes, bastava movimentar os móveis para a recordação vir de uma forma bem viva", observa Ciocler.
Ele, aliás, protagoniza a cena final, intitulada Trovão e cuja carga emotiva ainda provoca lágrimas incontroláveis de quem a assiste. Para não estragar a surpresa, basta dizer que é o momento em que seu personagem, Luke, toma uma corajosa decisão para resolver um problema de saúde. "Passados 15 anos, além de obviamente estar mais velho, tenho outra forma de compreender o personagem, agora sob um olhar mais íntimo", conta Ciocler.
A mesma sensação permeou o sentimento de outros artistas. "No início, quando fazíamos as duas partes separadamente, tenho a impressão de que a primeira era mais engraçada, mais relaxada", relembra Giulia Gam, cuja entrega aos diferentes papéis do espetáculo transforma sua atuação em momentos de rara delicadeza. "Hoje, até por conta do momento em que vivemos, há uma certa gravidade até então inexistente."
"Concordo com essa observação", acrescenta Monique, que participa da conversa com a reportagem ao lado de Giulia e Ciocler. "A importância de uma cultura livre, que é uma das motivações do espetáculo, tornou-se um assunto urgente", conta a encenadora, que tem um carinho especial pelo Rio Ota - afinal, o espetáculo marcou sua estreia no teatro, depois de já ter iniciado carreira no cinema. Aliás, foi José Celso Martinez Correa quem praticamente a "empurrou" para o teatro, depois de observar que ela "encenou" (e não apenas dirigiu) o longa Jenipapo.
Depois de patrocinar a vinda de Lepage ao Brasil em 2001, com a peça O Lado Oculto da Lua, Monique aproveitou aquele momento para convencê-lo a liberar os direitos do Rio Ota. O canadense só aprovou depois que a encenadora aceitou ter a assistência na direção de Michelle Matalon, figura da confiança de Lepage.
De posse dos direitos, Monique promoveu uma verdadeira revolução, criando uma versão muito mais explosiva e emotiva que o original. A começar pela trilha sonora - enquanto o original se baseava em canções operísticas e na gagaku (tipo de música clássica japonesa), Monique aumentou o volume da emoção ao pontilhar as cenas com uma trilha formada, por exemplo, pela versão de Grace Jones para La Vie en Rose ou o jazz romântico de Cole Porter, sem se esquecer do minimalismo rasgado de Phillip Glass. "Minha origem é a música, eu precisava usá-la com mais intensidade."
Ela ainda incluiu filmes extras sobre Hiroshima e o exército americano, acrescentou uma animação mangá, criou uma cena de dança do holocausto, ao som da época de Glenn Miller. Lepage, que estreou nova versão da peça em julho, nunca se pronunciou sobre as mudanças. Sabe apenas que Rio Ota marcou época no Brasil.
Serviço
OS SETE AFLUENTES DO RIO OTA
SESC PINHEIROS. ESPAÇO CÊNICO.
RUA PAES LEME, 195. 5ª A DOM., 18H.
SESSÃO EXTRA 4ª (27/11), 18H.
R$ 50. ATÉ 1/12
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Os Sete Afluentes do Rio Ota é um épico teatral - ao longo de seus 350 minutos de duração (com intervalo), o espetáculo apresenta uma jornada iniciada no final da 2ª Guerra, quando Luke, um soldado americano, retorna a Hiroshima, em 1945, para fazer algumas fotos dos sobreviventes. Tais imagens comporão um álbum que fará uma viagem no tempo, até chegar ao ano 2000, quando será um importante objeto durante uma trágica cena familiar.
A peça nasceu a partir de um espanto de seu criador, o canadense Robert Lepage, em sua primeira viagem àquela cidade japonesa: ele esperava encontrar muitos vestígios de destruição provocada pela bomba atômica lançada pelos americanos no dia 6 de agosto de 1945 e que vitimou entre 90 mil e 166 mil pessoas nos quatro primeiros meses após a detonação. Mas, ao invés de se deparar com uma comunidade marcada pela dor, surpreendeu-se com um lugar marcado pelo renascimento.
Para dar conta desse momento de vitalidade da história humana, Lepage decidiu criar um espetáculo marcado pela produção colaborativa, ou seja, uniu diversos gêneros artísticos para montar uma saga que viajasse no tempo e no espaço. Assim, o espectador é brindado com uma narrativa que utiliza recursos dos teatros de sombra e nô, da dança, do canto lírico e do popular, além de imagens cinematográficas. Além disso, há uma profusão de idiomas, com os atores falando, além do português, em francês, alemão e japonês, o que necessita o uso de legendas em algumas cenas.
Lepage iniciou os ensaios em janeiro de 1994, no Canadá, e a peça só foi estrear mundialmente dois anos depois, em Nova York. O sucesso foi estrondoso.
"Quando assisti, em 1996, tive a certeza de estar diante de uma experiência teatral sem precedentes", conta Monique, em depoimento ao material de divulgação. "Pela primeira vez, o teatro transcendia o palco, suas limitações técnicas, para viajar no tempo, no espaço, e sublimar a autoridade da encenação teatral. Ao atravessar os últimos 50 anos do século 20, a peça nos revela, com toda poesia e delicadeza, nossa comovente insignificância, mas também nosso poder de resistência e reinvenção, diante dos descaminhos da humanidade ou das tragédias pessoais."
A 1ª montagem
A primeira montagem do espetáculo Os Sete Afluentes do Rio Ota dirigida por Monique Gardenberg estreou em outubro de 2002, no Rio de Janeiro. Dos 15 atores dessa versão, oito continuam na montagem que estreia no Sesc Pinheiros, no dia 25. "Sempre comentávamos sobre a possível volta do Rio Ota, mas nunca acontecia", conta Caco Ciocler. "Até que, ao termos a confirmação pela Monique, foi como se o corpo recuperasse uma memória de gestos: quando começamos a mexer no texto, era impossível começar do zero, muita coisa foi retornando aos poucos."
Essa é a missão agora assumida pela encenadora, o elenco de 14 atores e a equipe técnica: resgatar o material que ajudou a transformar o Rio Ota em um grande sucesso. A começar pelo cenário, criado por Hélio Eichbauer, genial cenógrafo, morto em 2018. Aparentemente, é simples: um palco retangular onde três grandes caixas vazadas são movidas a fim de mostrar o espaço em que acontecem as cenas: uma habitação japonesa, as vitrines do distrito da luz vermelha, um campo de concentração nazista, um loft nova-iorquino, um estúdio de gravação, a coxia ou palco de um espetáculo de vaudeville.
"Conseguimos a reprodução exata depois de pesquisar nos arquivos de Eichbauer", comenta Monique, que assim resolveu uma parte do problema, pois os desenhos trazem a visão vista da plateia - faltavam as dicas de como funcionavam os bastidores, especialmente no movimentar dos blocos quadrados. Para isso, a encenadora recorreu à própria memória e também à dos atores remanescentes. "Às vezes, bastava movimentar os móveis para a recordação vir de uma forma bem viva", observa Ciocler.
Ele, aliás, protagoniza a cena final, intitulada Trovão e cuja carga emotiva ainda provoca lágrimas incontroláveis de quem a assiste. Para não estragar a surpresa, basta dizer que é o momento em que seu personagem, Luke, toma uma corajosa decisão para resolver um problema de saúde. "Passados 15 anos, além de obviamente estar mais velho, tenho outra forma de compreender o personagem, agora sob um olhar mais íntimo", conta Ciocler.
A mesma sensação permeou o sentimento de outros artistas. "No início, quando fazíamos as duas partes separadamente, tenho a impressão de que a primeira era mais engraçada, mais relaxada", relembra Giulia Gam, cuja entrega aos diferentes papéis do espetáculo transforma sua atuação em momentos de rara delicadeza. "Hoje, até por conta do momento em que vivemos, há uma certa gravidade até então inexistente."
"Concordo com essa observação", acrescenta Monique, que participa da conversa com a reportagem ao lado de Giulia e Ciocler. "A importância de uma cultura livre, que é uma das motivações do espetáculo, tornou-se um assunto urgente", conta a encenadora, que tem um carinho especial pelo Rio Ota - afinal, o espetáculo marcou sua estreia no teatro, depois de já ter iniciado carreira no cinema. Aliás, foi José Celso Martinez Correa quem praticamente a "empurrou" para o teatro, depois de observar que ela "encenou" (e não apenas dirigiu) o longa Jenipapo.
Depois de patrocinar a vinda de Lepage ao Brasil em 2001, com a peça O Lado Oculto da Lua, Monique aproveitou aquele momento para convencê-lo a liberar os direitos do Rio Ota. O canadense só aprovou depois que a encenadora aceitou ter a assistência na direção de Michelle Matalon, figura da confiança de Lepage.
De posse dos direitos, Monique promoveu uma verdadeira revolução, criando uma versão muito mais explosiva e emotiva que o original. A começar pela trilha sonora - enquanto o original se baseava em canções operísticas e na gagaku (tipo de música clássica japonesa), Monique aumentou o volume da emoção ao pontilhar as cenas com uma trilha formada, por exemplo, pela versão de Grace Jones para La Vie en Rose ou o jazz romântico de Cole Porter, sem se esquecer do minimalismo rasgado de Phillip Glass. "Minha origem é a música, eu precisava usá-la com mais intensidade."
Ela ainda incluiu filmes extras sobre Hiroshima e o exército americano, acrescentou uma animação mangá, criou uma cena de dança do holocausto, ao som da época de Glenn Miller. Lepage, que estreou nova versão da peça em julho, nunca se pronunciou sobre as mudanças. Sabe apenas que Rio Ota marcou época no Brasil.
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OS SETE AFLUENTES DO RIO OTA
SESC PINHEIROS. ESPAÇO CÊNICO.
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SESSÃO EXTRA 4ª (27/11), 18H.
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