A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou nesta terça-feira (23) a abertura de uma consulta pública para avaliar a possibilidade de banir a presença de gordura trans em alimentos. 


Atualmente, esse tipo de ingrediente, gerado por meio de processo industrial que transforma óleos em gordura consistente, é usado para garantir textura e crocância aos alimentos, além de aumentar a validade em alimentos industrializados, como biscoitos, margarinas e sorvetes.


O problema está nos efeitos à saúde. Estudos apontam que esse tipo de gordura reduz os níveis de colesterol HDL ("bom"), aumenta o LDL ("ruim") e eleva o risco de doenças cardiovasculares. A proposta da Anvisa é adotar uma mudança em duas etapas. Na primeira, seria adotado um limite de 2% de gordura trans sobre o teor de gordura dos alimentos. As indústrias teriam um ano e seis meses de prazo para adequação.


Em seguida, o país passaria a segunda etapa, que prevê proibir totalmente o uso dessas substâncias. As empresas teriam mais um ano e seis meses para isso.


A proposta foi apresentada em reunião nesta terça da diretoria da agência. Agora, a sugestão segue para consulta pública por 60 dias.


"Não é mais novidade que esse tipo de gordura provoca doenças cardiovasculares. Nosso objetivo é resguardar o cidadão do consumo dessa substância", disse a diretora Alessandra Soares, relatora da proposta.


Entidades como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e Conselho Federal de Nutricionistas comemoraram a possibilidade de adoção de novas medidas, mas disseram que vão avaliar pontos como o prazo para adequação.


De acordo com Patrícia Chaves Gentil, representante do instituto, o país tem evidências do impacto das gorduras trans desde 2003, mas está atrasado na regulamentação do tema. "Mas as medidas até então implementadas não foram suficientes para atingir um nível adequado de proteção à saúde dos consumidores", disse. Segundo ela, o instituto ainda vai analisar os detalhes da proposta.


Luiza Torquato, do Conselho Federal de Nutricionistas, lembrou que esse tipo de gordura está presente em boa parte dos produtos ultraprocessados, mas é facilmente substituível. As regras atuais são limitadas para fazer com que essa substituição ocorra -daí a necessidade de mudança no modelo.


Dados levantados em revisão de estudos pela Anvisa mostram que o consumo desse tipo de gordura, embora tenha sido reduzido nos últimos anos, continua alto no país.


Atualmente, a OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que o consumo diário de gordura trans não ultrapasse 1% do valor energético total de uma dieta -o que, traduzindo, representaria algo como não mais do que 2g por dia em uma dieta de 2.000 calorias. 


Segundo os estudos, o percentual de consumo diário no Brasil fica em torno de 1,4%, podendo chegar a 2,5% em alguns grupos. 


De acordo com a Anvisa, um dos fatores que levam a esse cenário são os baixos preços de produtos com esse tipo de ingrediente, em geral mais baratos que os demais.
A adoção de medidas para restringir o uso de gordura trans, no entanto, não é uma iniciativa nova no mundo.


Atualmente, ao menos 49 países têm medidas nesse sentido, informa a Anvisa. O primeiro a adotar medidas foi a Dinamarca, em 2003, com regra que limita a gordura trans a 2% do total de gorduras. Outros países, como Áustria, Hungria e Colômbia, também estabeleceram limites nos anos seguintes.


Em junho de 2015, os Estados Unidos decidiram banir o uso de óleos e gorduras parcialmente hidrogenadas em alimentos, com prazo inicial de três anos para adequação. Antes disso, já havia regras locais -caso de Nova York, que proibiu em 2007 o uso de óleo que contenha a substância em frituras e, no ano seguinte, a venda de alimentos com gordura trans.


Estudos apontam que a proibição fez com que 59% dos produtos de fast food fossem considerados livres desse tipo de gordura. A mudança também tem sido atrelada a uma maior redução em casos de AVC em comparação à tendência esperada na região.