Coxinha, empada, suco de caixinha, biscoito recheado... Guloseimas que podem até dar água na boca, mas que não fazem bem à saúde, estão banidos do ambiente escolar. A educação alimentar na escola, além de ser essencial para a saúde e o bom desenvolvimento dos estudantes, influencia no aprendizado de alunos. A partir desta segunda-feira, novos alimentos não poderão mais ser comercializados no ambiente de instituições particulares e nem por vendedores ambulantes nas portas dessas escolas. Entre eles estão preparações com alto teor de calorias, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal ou com poucos nutrientes. 
 

De acordo com o Ministério Público de Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Saúde e o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), a proibição está prevista no Decreto Estadual 47.557, de 2018, que regulamenta a Lei Estadual 15.072, de 2004, e a Resolução 2 da Câmara Governamental Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Caisans-MG), de 20 de dezembro de 2018, que lista os alimentos que terão venda proibida e também aqueles que podem ser comercializados. 


A venda de alimentos com alto teor de calorias, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal ou com poucos nutrientes está vetada nas escolas de Minas Gerais. Medida que é uma aliada dos pais e também da luta da sociedade contra a obesidade mórbida infantil, que só aumenta no país. Segundo a Federação Mundial de Obesidade, se não houver uma mudança nos hábitos alimentares até 2025, a doença pode atingir 11,3 milhões de crianças no Brasil. O que é assustador. 


SEGURANÇA 


A primeira sensação é de alívio. Mesmo que a alimentação saudável tenha feito parte da vida de Alice, de 7 anos, e de Amanda, de 4, desde a amamentação (que vivenciaram por um bom tempo). Mãe das alunas do Coleguium e do Bernoulli, respectivamente, Andréia Veiga, nutricionista e tecnóloga em gastronomia, agora passa a se sentir mais segura por saber que, pelo menos na escola, não serão expostas a alimentos ruins para a saúde. “Enfim, se tornou lei. O governo já vinha ensaiando essa mudança desde 2004. Na realidade, com as escolas das meninas não preciso me preocupar, porque elas já têm esse cuidado. E também, claro, por minha formação, elas foram ensinadas a consumir o que tem qualidade.” 


Aliás, esse tema é tão recorrente na vida de Andréia que, em 2017, ele abriu a empresa “Tá na hora lanches”, com a proposta de melhorar a merenda nas escolas. Se, antes, ela corria atrás das escolas, agora a procura inverteu. “Oferecemos alimentação saudável sem realçador de sabor, trocamos o óleo pelo azeite, usamos sal marinho e ervas como tempero, manteiga ghee em vez de banha, enfim, temos o maior cuidado em oferecer comida de verdade. Temos coxinha de abóbora assada e passada na farinha de milho e não de rosca, quibe de quinoa, esfirra integral de carne, bolinha de batata-doce com frango... Tudo sem conservante ou aditivo químico. São salgados nutritivos e integrais. Para as crianças que estão na troca de dentes, é importante ter fibra na alimentação para treinarem mais a mastigação. Sabendo oferecer, seguramente, as crianças vão aceitar.” 


Andréia conta que suas filhas comem doce com cautela. A sobremesa geralmente é feita em casa. Nunca tomaram refrigerante. Suco, só natural, sem açúcar ou com demerara ou melado. Ela também recomenda que pais deem “mel para as crianças acima de 2 anos, uma colher pela manhã é ótimo para a saúde”. 


Diante de toda mudança, é preciso tempo para ajustes e tranquilidade, sem abrir mão da firmeza e do exemplo. Por isso, Andréia Veiga deixa um recado: “Os pais também precisam pensar em mudar. Não adianta o filho seguir uma linha na escola e em casa ter à mesa pipoca de micro-ondas e refrigerante. A bandeira da alimentação saudável tem de ser para todos”. 


PORCARIAS 


A designer gráfica Lívia Mesquita Pedras, mãe de Rodrigo, de 16 anos, e Theo, de 15, reconhece que os filhos, “pela autonomia, com o dinheiro que recebem, gostam e acabam comprando porcaria fora do colégio, já que não encontram mais dentro da escola. Ainda que tenham consciência, consomem açaí, refrigerante, doce, chocolate e sanduíche quando têm oportunidade”. No entanto, a medida é aplaudida por Lívia, ainda que, para ela, “infelizmente, essa é uma questão cultural. Não precisaria haver uma lei, simplesmente todos deveriam ter bons hábitos alimentares”. No caso de seus filhos, ela revela que, “como na minha casa não entra porcaria no dia a dia, eles estão liberados no fim de semana. Eles, no entanto, sempre comeram bem frutas, saladas, legumes e verduras. Mas, principalmente o doce e o sanduíche gourmet, ainda é uma questão. Mas conseguem manter um equilíbrio, o que é um ganho”. 


Estratégia da experimentação 
Escola implanta projeto focado em ampliar o paladar dos alunos, em que todos compartilham diferentes qualidades de frutas de forma lúdica e divertida 


No Colégio Magnum Cidade Nova, Rosália Lopes, coordenadora pedagógica da educação infantil e do 1º ano do ensino fundamental, destaca que a instituição tem um trabalho intencional com a educação nutricional há tempos, muito antes da lei. “Existe um planejamento envolvendo várias estratégias para que as crianças possam qualificar seus hábitos alimentares. Sabemos que precisamos começar por pequenas mudanças de atitudes, que gerem comportamentos alimentares saudáveis.” 


Rosália Lopes conta que a adequação da lanchonete Magnum à nova regulamentação sobre a promoção de educação alimentar e nutricional nas escolas “já teve início, com o envio de um novo cardápio de produtos mais saudáveis, o que vai contribuir, em muito, com o objetivo de melhorar os hábitos alimentares das crianças”. 


A coordenadora explica algumas estratégias em andamento, todas focadas em ampliar o paladar dos alunos. “Temos ‘A hora da fruta’, momento em que as crianças compartilham diferentes qualidades de frutas, uma oportunidade para que possam experimentar o que antes nunca quiseram provar, nem mesmo em casa, ou que provaram em situações anteriores e não gostaram, mas, junto com o grupo de colegas, o paladar mudou.” 


Outra ação é que, com o trabalho com experimentações nas aulas de culinária, explorando as características de cada ingrediente, observando as transformações ocorridas, os estudantes são estimulados a aceitar um novo alimento. “Participar do processo de forma lúdica, inclusive com as aulas bilíngues, favorece a abertura de experimentar”, lembra a coordenadora. 


Rosália Lopes diz que a instituição também tem investido em mudanças nas comemorações de aniversários dentro de colégio. “Sugerimos às famílias que tragam um lanche mais saudável para a festa e proibimos o refrigerante. Também retiramos as lembrancinhas, já que sempre são recheadas de guloseimas, o que impactava em um consumo excessivo de açúcar.” 


LIXO 


Ela conta que, com as turmas de crianças de 6 anos, o colégio iniciou um trabalho focado na redução do lixo produzido pelo lanche que trazem de casa, o que tem refletido diretamente na incrementação dos hábitos alimentares, “já que as crianças têm cobrado dos pais que não querem mais trazer alguns produtos industrializados, e sim o que é feito em casa”. 


Rosália enfatiza que, para a continuidade e o sucesso desse trabalho, é fundamental a parceria das famílias. “Elas precisam se conscientizar de que essa mudança pode dar um pouco mais de trabalho, mas os frutos serão de uma geração mais consciente dos bons hábitos alimentares, pois ela também será o exemplo a ser seguido pelos filhos. As crianças têm de ser educadas não só no que comem, mas na forma como o fazem, como se alimentar em frente da TV ou manuseando equipamentos eletrônicos para se distrair. Dessa maneira, errada, elas nem percebem o que estão ingerindo e não se sentem saciadas.” 


A coordenadora lembra que alguns combinados sempre dão certo quanto à preparação e a aceitação das regras, “mas quando há uma quebra e substituição das refeições principais por alimentos fora da hora, isso pode se tornar um problema. A formação e orientação também devem se voltar para a importância das escolhas equilibradas na alimentação e para uma atividade física regular. A escola acredita no esporte como forma de controlar o ganho de peso, e os próprios professores de educação física conversam com os alunos maiores sobre a questão da obesidade”. 


O compromisso tem de ser de todos 
O cuidado com o que é disponibilizado para o consumo dentro da escola sempre foi uma preocupação do Coleguium Rede de Ensino, que acaba de ampliar seus cuidados com a implantação do Programa de Educação Nutricional (PEN), projetado para que os alunos entre 2 e 9 anos tenham alimentação balanceada e equilibrada. Do infantil ao 3º ano do ensino fundamental. 


Carolina Soares Freire, nutricionista do Coleguium, ressalta que, desde 2017, a instituição já não vende balas, doces, refrigerantes ou salgados fritos. Agora, haverá apenas uma adequação diante das novas exigências. Como, por exemplo, a retirada do suco de caixinha (tem o natural e o de polpa) e a adaptação de receitas dos salgados, com a retirada da gordura hidrogenada, que será substituída por óleo de soja ou de girassol. “São medidas importantes, em vista da quantidade de crianças obesas, sem falar que a má alimentação influencia no desenvolvimento e no déficit de atenção, que é prejudicado. Mas essa é uma preocupação do Coleguium desde sempre e que requer o envolvimento não só da escola, mas de todos. Começa em casa, com os pais. A família precisar estar alinhada a esse mesmo propósito e adotar alimentação de qualidade, mais natural.” 


No colégio, Carolina explica que há o lanche coletivo, com a comida sendo preparada pelas cozinheiras. No cardápio, duas bebias (uma láctea e um suco de polpa), um carboidrato (cupcake de cenoura ou sanduíche natural) e dois tipos de frutas. “O lanche é dividido nos intervalos. No primeiro, de 20 minutos, é hora do carboidrato e de uma bebida e, nos 10 minutos restantes, próximo ao fim da aula, a fruta. Juntos, se alimentam melhor, são mais estimulados, experimentam mais”, conta Carolina, destacando que o Coleguium “faz um trabalho de educação alimentar nutricional”. Há aulas a respeito, com novos projetos a cada ano. “Já desenvolvi a cabra-cega das frutas, com receitas como suco verde e sorvete de banana. Com olhos vendados, eles têm de descobrir os sabores. Este ano, estamos preparando uma horta, a Plantar, colher e comer. Assim, eles também desenvolvem o paladar, há interação e são estimulados até a plantar em casa. Muitas vezes, chegam me contando que nasceu um tomatinho.” 


RECEITAS ESPECIAIS 


A nutricionista destaca que, em datas comemorativas, há receitas especiais, sem abrir mão do que é saudável. Na Páscoa, ela entregou um brownie sem lactose e, para a festa junina, o preparo será broa de queijo com goiabada e canjica com leite de coco. “A resistência das crianças com certos alimentos faz com que alguns pais desistam de introduzir algumas frutas e verduras que elas rejeitam. Brincar com a comida, trazendo uma apresentação mais lúdica, é uma excelente alternativa.” Ela lembra que até os 4 anos tudo é mais fácil; depois dos 5, a rejeição começa e é aí que é preciso conquistá-los para que permaneçam na linha. 


Outra forma que o Coleguium tem de investir na educação alimentar é um canal de comunicação direto entre a nutricionista e os pais, por meio do e-mail e telefone, em que podem tirar dúvidas sobre a alimentação. Além disso, o colégio envia, mensalmente, uma newsletter com dicas nutricionais. “É o ‘Canal da nutre’. Envio duas receitas por mês, mais elaboradas, para que os pais façam com os filhos. E, depois, quero ver as fotos da preparação e do resultado.” A instituição disponibiliza um aplicativo, o Nutrebem, em que os pais têm acesso às compras dos filhos e podem consultar a classificação nutricional dos lanches que os filhos consomem.


Veja o que pode e o que não pode 


ALIMENTOS PROIBIDOS 


- Balas, pirulitos, gomas de mascar, biscoitos recheados, chocolates, algodão-doce, chup-chup, suspiros, maria-mole, churros, marshmallow, sorvetes de massa, picolés de massa com cobertura e confeitos em geral 


- Refrigerantes, refrescos artificiais, néctares e bebidas achocolatadas 


- Salgadinhos industrializados e biscoitos salgados tipo aperitivo 


- Frituras em geral 


- Salgados assados que tenham em seus ingredientes gordura hidrogenada (empadas, pastel de massa podre) 


- Pipoca industrializada e pipoca com corantes artificiais 


- Bebidas alcoólicas, cerveja sem álcool e bebidas energéticas 


- Embutidos (presunto, apresuntado, mortadela, blanquete, salame, carne de hambúrguer, bacon, linguiça, salsicha, salsichão e patê desses produtos) 


- Alimentos industrializados cujo percentual de valor energético proveniente de gordura saturada ultrapasse 10% das calorias totais ou que tenha em sua composição amido modificado, soro de leite, realçadores de sabores, sejam ricos em sódio e corantes e aromatizantes sintéticos 


- Outros alimentos não recomendados pelo Guia Alimentar para a População Brasileira 


ALIMENTOS LIBERADOS 


- Frutas, legumes e verduras 


- Suco natural ou de polpa de fruta (100% fruta) 


- Iogurte e vitaminas de frutas naturais, isolados ou combinados com cereais, como aveia, farelo de trigo e similares 


- Bebidas ou alimentos à base de extratos ou fermentados (soja e leite, entre outros similares) com frutas


- Sanduíches naturais sem maionese 


- Pães 


- Bolos preparados com frutas, tubérculos, cereais ou legumes 


- Produtos ricos em fibras (barras de cereais sem chocolate e biscoitos integrais, entre outros similares) 


- Salgados assados que não contenham em sua composição gordura vegetal hidrogenada ou embutidos. Exemplos: esfirra e enrolado de queijo 


- Refeições (almoço ou jantar) balanceadas em conformidade com o Guia Alimentar para a População Brasileira 


- Outros alimentos recomendados pelo Guia Alimentar para a População Brasileira