DIREITA DIVIDIDA

A campanha no segundo turno da eleição para Prefeitura de Goiânia acentuou o que vinha sendo evidenciado desde o início do primeiro turno: as divergências entre Jair Bolsonaro (PL) e Ronaldo Caiado (União Brasil). o governador de Goiás se coloca como possível candidato a presidente da República em 2026, de olho nos votos do ex-presidente, tornado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na disputa pelo comando da capital goiana, Sandro Mabel (União Brasil) tem Caiado como principal cabo eleitoral contra Fred Rodrigues (PL), o candidato de Bolsonaro. Tanto o governador quanto o ex-presidente participaram ativamente da campanha no segundo turno. Bolsonaro atacou Caiado e Mabel, durante diferentes atividades. E os dois responderam com declarações nas ruas e nas propagandas no rádio e na TV.

Já no primeiro turno, em comício ao lado de Fred, Bolsonaro chamou Caiado de “covarde”, ao falar das medidas restritivas impostas pelo chefe da administração estadual durante a pandemia da Covid-19. Em março de 2020, o governador, que é médico de formação, criticou o então presidente por fazer declarações contra medidas de isolamento social e chegou a romper com o aliado da época dizendo que “não tem mais diálogo com esse homem”.

Ao fim da primeira fase da corrida eleitoral em Goiânia, Fred Rodrigues, que havia começado em quarto lugar nas pesquisas de diferentes institutos, foi o mais votado, com 31,14% dos votos válidos. Já o empresário Sandro Mabel, ficou em segundo na votação – teve 27,66%. 

A participação de Bolsonaro nos atos de campanha de Fred nas duas últimas semanas do primeiro turno foi essencial para a subida do candidato, então desconhecido por grande parte da população. Fred, que tem 39 anos, foi deputado estadual por menos de um ano e acabou cassado pela Justiça Eleitoral em 2023 por irregularidades na prestação de contas de sua fracassada disputa para vereador em 2020.

Bolsonaro falou da ‘velha política’ em Goiás

Atual presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), Mabel foi uma escolha de Caiado, presidente do partido no Estado. Deputado federal por dois mandatos, o empresário, que tem 65 anos, ficou mais de uma década afastado da política e chegou a comandar a empresa de biscoitos que leva seu sobrenome, mas foi vendida a uma multinacional.

A longa trajetória política de Mabel foi usada contra ele e Caiado nos ataques de Bolsonaro e Fred, que repetiram durante a campanha que a eleição do empresário representaria a continuidade da “velha política” no poder goiano. Também usaram contra Mabel acusações de corrupção investigadas no bojo da Lava Jato. 

Enquanto era deputado, Mabel teria cobrado R$ 10 milhões de propina da Odebrecht em troca da liberação de uma obra, segundo inquérito autorizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. Os delatores da Odebrecht disseram ter destinado R$ 50 milhões a ele e outros três parlamentares para ajudarem a Odebrecht e Andrade Gutierrez a vencerem a licitação da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio e aparar arestas com o governo federal. 

Na lista de recebedores do “departamento da propina” da Odebrecht, Mabel era identificado como “Biscoito”. Um executivo da empreiteira que firmou delação a PF disse que os apelidos eram usados para que os funcionários do “baixo clero” da área que fazia os repasses irregulares não ficassem sabendo para quem ia o dinheiro.

Mabel, que chegou a responder ação pedindo a cassação do seu mandato na Câmara por causa das denúncias de supostas propinas da Odebrecht, sendo poupado pelos colegas parlamentares, sempre negou qualquer envolvimento nos crimes a ele atribuídos. Também não foi condenado pela Justiça. Chamou de fake news as acusações endossadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e lembradas pelo concorrente Fred na campanha de 2024.   

‘Rosnador’ e ‘acordos secretos com o PT’

Ainda no segundo turno, em ato na capital goiana, Jair Bolsonaro chamou Ronaldo Caiado de “rosnador” e disse que ele não honra a própria palavra. “O União Brasil, aqui do chefe, do rosnador, tem ministério do PT. Quem está com o PT, não tem moral para falar nada”, afirmou Bolsonaro, sem citar o nome do governador. Mas o público gritou o nome de Caiado. 

Bolsonaro voltou a atacar Caiado na última terça-feira (22), depois de almoço em apoio à reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo. “O que nos surpreendeu, segundo eu vi em vários órgãos de imprensa, o Caiado aceitou o apoio do PT ao Sandro Mabel”, disse o ex-presidente.

“Quem diria, o Caiado da UDR (União Democrática Ruralista), que fala grosso, gosta de ranger os dentes, aceitou o apoio do PT. Agora, o PT não apoia de graça. Alguma coisa foi acertada”, ressaltou Bolsonaro.

Publicações nas peças de campanha de Fred e mensagens espalhadas por meio de grupos de Whatsapp afirmavam que Mabel recebeu o apoio do PT após a derrota de Adriana Accorsi (PT) na disputa pela Prefeitura de Goiânia – ela ficou em terceiro lugar. No entanto, tanto Accorsi quanto o partido e o presidente Lula declararam neutralidade no segundo turno em Goiânia. Por outro lado, lideranças locais estimularam votos em Mabel para derrotar Fred.

Caiado lembrou voto de Fred em Lula

Caiado, por sua vez, respondeu a Fred e Bolsonaro, em tom duro, em vídeo publicado nas redes sociais. “Isso é de uma canalhice sem tamanho, típico desses falsos políticos de celular. Os mesmos que se escondem nas redes para atacar as pessoas sem nunca ter feito nada pela cidade”, afirmou o governador. 

“Vocês me conhecem. Primeiro, não sou recém convertido à direita. Nunca votei no Lula, ao contrário do nosso adversário. Vou sim mostrar a todos os eleitores de Goiânia quem tem condições para governar”, completou. O governador goiano se referiu à declaração pública de Fred de que Lula foi seu primeiro voto para presidente, em 2002, quando o petista se elegeu ao Palácio do Planalto pela primeira vez. 

Até a eleição em Goiânia, Caiado era um dos governadores cotados para receber a bênção de Bolsonaro para a disputa pela Presidência em 2026. Os outros eram Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Jorginho Mello (PL-SC). Até agora, só Caiado foi descartado pelo ex-presidente como opção para herdar seus votos, segundo aliados mais próximos de Bolsonaro.