O recuo tático da ala garantista do STF (Supremo Tribunal Federal) em seu embate com Sergio Moro demonstra que, apesar dos arranhões na imagem do atual ministro da Justiça enquanto juiz símbolo da Lava Jato, o peso da operação ainda é muito presente.

Recapitulando: o surgimento das conversas atribuídas a Moro e a integrantes da Lava Jato que indicam comportamento parcial do então magistrado animou os adversários dos métodos heterodoxos da operação a agir.

O problema para os garantistas, ministros assim chamados por colocar a leitura fria da lei acima de interpretações que consideram ao gosto da pressão popular, é que o palco para o confronto envolvia ninguém menos que Luiz Inácio Lula da Silva.

A defesa do ex-presidente reforçou o pedido de suspeição de Moro que já estava com julgamento em suspenso, devido às conversas com procuradores, no caso em que o petista foi condenado e preso por corrupção e lavagem de dinheiro -o rumoroso processo do tríplex de Guarujá.

Na Segunda Turma da corte, dois ministros já haviam se manifestado contra o habeas corpus a Lula pela suposta suspeição, e os garantistas presentes (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) vislumbraram uma potencial mudança de voto do decano Celso de Mello, que segundo interlocutores ficou muito mal impressionado com a troca de mensagens da Lava Jato.

Assim, poderia ser formado um 3 a 2 a favor de Lula e contra Moro, mesmo tendo o ex-presidente tido sua condenação confirmada em duas outras instâncias.

O adiamento da votação a pedido de Gilmar, oficialmente por uma tecnicalidade, mostra que as duas semanas de exposição de Moro não foram suficientes para emaciar a musculatura simbólica da Lava Jato como ícone do combate à corrupção no país.

Pesquisas internas de partidos e um levantamento na semana passada da consultoria Atlas Político mostravam a mesma coisa: o ministro perdeu pontos, mas ainda é o político mais popular do país, e a Lava Jato segue com apoio.

Há outros fatores concorrendo para o adiamento. Os militares com assento no núcleo do governo e o principal porta-voz da ativa, o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, foram os primeiros a empenhar solidariedade a Moro no episódio das mensagens.

Há dois pontos que incomodam os fardados. Primeiro, o que consideram uma desmoralização da onda anticorrupção que tomou o país desde a ascensão da Lava Jato, em 2014. Segundo, que houvesse de fato embates entre lulistas e bolsonaristas que pudessem sair de controle caso o ex-presidente fosse solto.

É uma pressão calculada, que margeia a responsabilidade institucional. Ela ficou explícita quando Villas Bôas, então chefiando o Exército, postou no Twitter que a Força estava "atenta a suas responsabilidades" e que "repudiava a impunidade" na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF, em abril de 2018.

O general foi amplamente criticado e, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em novembro passado, admitiu que ter agido "no limite" para manter o controle narrativo sobre elementos mais radicais na reserva e entre civis identificados com a Força. Em outras palavras, que segurou alas que pediriam fechamento do Supremo e outras arbitrariedades caso Lula fosse solto.

Aquele episódio ficou marcado nas relações entre Supremo e militares, e a atual insatisfação com a ofensiva contra Moro o trouxe de volta a conversas.

Para o ministro, o saldo é politicamente positivo, pois retira uma pressão a mais no momento em que o arquivo obtido pelo The Intercept continua a ser analisado e, eventualmente, pode lhe causar dores de cabeças ainda mais sérias.

Já seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro (PSL), mantém-se no melhor dos mundos de seu ponto de vista: surge como fiador de um ministro popular e, por extensão imagética, da Lava Jato, enquanto vê o potencial adversário em 2022 encarnado em Moro diminuir de tamanho.