A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumiu o cargo em setembro de 2017 em meio a uma crise na política nacional. Indicada pelo então presidente Michel Temer, ela chegou ao topo do Ministério Público Federal após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, o chefe do Planalto era alvo de denúncias apresentadas pelo ex-PGR Rodrigo Janot.

Dodge foi empossada sob desconfiança em relação a sua independência do Poder Executivo. No entanto, o maior desafio para ela começou em junho deste ano, quando integrantes do MPF no Paraná tiveram as conversas hackeadas e levadas a público. Nos diálogos, o coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, combina ações com seus pares sobre processos e faz comentários políticos. Eles criticam a própria PGR.

De acordo com as mensagens hackeadas, os procuradores, enquanto festejavam o apoio do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), indicavam a realização de investigações informais contra Gilmar Mendes e contra o próprio presidente da Corte, Dias Toffoli. Esses fatos fazem com que Dodge encerre sua gestão em meio a uma crise. Na turbulência, a chefe do órgão, que também ocupa a Presidência do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), evitou comentários sobre o teor dos diálogos e declarou apoio à força-tarefa, logo após receber a equipe de Curitiba na sede do MPF, em Brasília.

A inércia de Dodge frente às revelações envolvendo procuradores criou um clima de instabilidade com o Supremo, que aguarda reações formais do CNMP. Na Corte, corre o entendimento de que, se nada for feito, o próprio tribunal deve agir para proteger sua autoridade.

Lenio Streck, pós-doutor em direito pela Universidade de Lisboa e ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, afirma que, diante das atribuições do cargo, Dodge deveria ter atuado de forma mais concreta no caso. “Na gestão, ela deixou muito a desejar. No caso da Lava-Jato, ela foi fagucitada pelos procuradores. Agora, recentemente, quando aconteceu tudo, notei o silêncio eloquente dela, preocupada, talvez, com a possibilidade de ser reconduzida”, diz.

O professor destaca que o próximo ocupante do cargo terá uma das gestões mais difíceis da história do órgão, principalmente se não for um dos nomes da lista tríplice. “O novo procurador-geral pode remeter ao passado, quando era um alongamento do Poder Executivo, ou se firmar no patamar de independência que deve ser”, ressalta.

O mandato de Dodge termina em 18 de setembro. De acordo com a Constituição, ela pode ser reconduzida ao cargo por mais dois anos. A PGR chegou a receber, inclusive, o apoio público do ministro Dias Toffoli. Porém, desde que assumiu o governo, Bolsonaro tem demonstrado que prefere outro nome. Dodge foi autora de uma denúncia de racismo apresentada contra ele no STF no tempo em que o chefe do Executivo ocupava uma cadeira na Câmara.

O próximo comandante da Procuradoria vai administrar um orçamento que deve superar os R$ 4 bilhões. Além disso, terá de liderar 1.300 procuradores, atuar junto aos tribunais superiores e manter a classe em harmonia.


Balanço

Em quase dois anos de gestão Dodge, o MPF apresentou 63 denúncias ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A procuradora enfrentou uma onda de instabilidade diante da discussão sobre o fim do auxílio-moradia, que chegou ao Supremo e repercutiu nos demais poderes, inclusive no Ministério Público. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, R$ 53 milhões destinados ao pagamento do benefício aos procuradores foram remanejados para outros custos, para cumprir o teto definido na Emenda Constitucional 95.

Em relação ao vazamento de conversas dos celulares de procuradores, a PGR informou que “desde o início de maio, quando foram identificadas tentativas de ataques, a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação (STIC) e a procuradora-geral da República tomaram diversas medidas de proteção e investigação”.