INVESTIGAÇÃO

Apontado pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid como o único comandante da três forças a colocar a tropa à disposição de Jair Bolsonaro (PL) para um suposto golpe de Estado após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PL) no segundo turno das eleições de 2022, o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos, se recusou a prestar continência ao petista após ele assumir a Presidência da República para o terceiro mandato. 

O almirante não compareceu à tradicional cerimônia de passagem de comando da Aeronáutica, com a troca de governo. Seu colega Marcos Sampaio Olsen foi empossado no início de janeiro de 2023, em meio à inédita atitude na história das Forças Armadas brasileiras, das quais o presidente da República é o soberano.

Garnier Santos queria entregar o cargo antes da posse de Lula. Ele chegou a planejar a cerimônia para 28 de dezembro de 2022. No entanto, o Alto Comando da Marinha se reuniu às vésperas do Natal e convenceu Garnier a entregar o cargo apenas em janeiro, seguindo o protocolo. 

Garnier Santos também se manteve resistente a conversar com a equipe de transição de Lula. Também foi o único comandante a não se encontrar com José Múcio Monteiro, escolhido para assumir o Ministério da Defesa. Em vez disso, mandou uma carta:

“No decorrer do proveitoso comando, dediquei especial atenção às questões que sempre roguei essenciais para motivação do nosso pessoal, procurando enfatizar os valores morais dos feitos heroicos de nossos antecessores. O ex-comandante ainda desejou boas realizações ao ministro Múcio. [Tenho] total confiança que a leal e disciplinada Marinha de Tamandaré saberá obedecer suas diretrizes em prol da soberania de nossa nação”, escreveu o almirante à época.

Bolsonaro mandou mensagem a fuzileiros um dia após quebradeira em Brasília

Em sua delação à PF, Mauro Cid contou que, após ser procurado por Jair Bolsonaro, Garnier Santos colocou a tropa de marinheiros à disposição do então presidente dias antes de anunciar que não participaria da passagem do comando e entrar para a reserva – como é chamada a aposentadoria na linguagem militar.

Dia antes, em 13 de dezembro, logo após a quebradeira promovida por bolsonaristas no centro de Brasília em meio à tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, no dia da diplomação de Lula, Bolsonaro mandou uma mensagem a fuzileiros navais.

Bolsonaro afirmou, em nota lida por locutor com a sua imagem no telão instalado no Grupamento de Fuzileiros Navais em Brasília, que os fuzileiros navais, com sacrifício da própria vida, “lutaram e sempre lutarão para impedir qualquer iniciativa arbitrária que possam vir a solapar o interesse do nosso país”.

O evento foi fechado à imprensa. Antes de Bolsonaro divulgar a nota, o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, disse que Bolsonaro contava “com a minha, com a sua, com a nossa Marinha”.

Garnier Santos subiu na carreira durante os governos de Lula e Dilma

Antes de assumir o comando da Aeronáutica, o almirante iniciou a carreira militar em 1970, no auge do AI-5, ato mais arbitrário da ditadura militar (1964-1985). 

Na época, aos 10 anos, ele foi aluno do curso de formação de operários, na extinta Escola Industrial Comandante Zenetilde Magno de Carvalho, no Rio de Janeiro, sua cidade natal. Aos 17, graduou-se técnico em Estruturas Navais, na Escola Técnica do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ).

Ele ingressou na Escola Naval em 1978 e concluiu o curso de formação de oficial em 1981 como primeiro colocado no Corpo da Armada. Também fezu os cursos da carreira militar e ainda concluiu mestrado em pesquisa operacional e análise de sistemas na Naval Postgraduate School, nos Estados Unidos, e MBA em gestão internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Nos mais de 40 anos de militarismo, Almir recebeu sete condecorações. E foi nos governos do PT, com Lula (2003-2010) e especialmente Dilma Rousseff (2011-2016), que ele subiu de patente.

Em 31 de março de 2010, no último ano do segundo mandato de Lula, Almir foi promovido ao posto de contra-almirante. Exatos quatro anos depois, em 31 de março de 2014, já na gestão Dilma, subiu ao posto de vice-almirante. Em 25 de novembro de 2018, no mandato de Michel Temer (MDB), alçou o posto que ocupa hoje, almirante de esquadra (quatro estrelas).

Também foi na gestão Dilma que ele passou a trabalhar no Ministério da Defesa. Na pasta, foi assessor especial dos ministros Celso Amorim (2011-2014), Jaques Wagner (2015), Aldo Rebelo (2015-2016), todos subordinados à petista, além de Raul Jungmann (2016-2018), este no governo Temer.

Após deixar a assessoria, Almir foi promovido, em 2019, ao cargo de secretário-geral do Ministério da Defesa, na gestão do ministro Fernando Azevedo e Silva, até 9 de abril de 2021, quando assumiu o cargo de comandante da Marinha. Bolsonaro ainda deu a Garnier um cargo no comitê-executivo de gestão da Câmara de Comércio Exterior, a Camex. O militar foi dispensado por Lula em fevereiro.

Mulher e filho do almirante ganharam cargos durante governo Bolsonaro

A mulher do almirante, Selma Foligne Crespio de Pinho, ganhou um cargo na Secretaria-Geral da Presidência poucos meses depois de se aposentar da Marinha – onde ela ingressou sem enfrentar concurso público –, em abril de 2019, nos primeiros meses do governo Bolsonaro. No comando da unidade de Estratégia, Padronização e Monitoramento de Projetos, ela ganhava  R$ 29,5 mil mensais.

Filho do casal, o advogado Almir Garnier Santos Junior foi contratado pela Emgepron em 29 de julho de 2019, no segundo semestre do governo de Jair Bolsonaro, seis meses depois do pai ser alçado ao segundo posto de comando do Ministério da Defesa. Junior foi contratado para a função de assessor-adjunto de Compliance e Integridade Corporativa (compliance officer), com salário de R$ 10,9 mil mensais.

Empresa Gerencial de Projetos Navais, a Emgepron foi criada em 1982 e é vinculada ao Ministério da Defesa por intermédio do Comando da Marinha e tem por objetivos, entre outros, promover a indústria naval e gerenciar projetos que integram programas aprovados pelo Comando da Marinha.

Almirante viajou com esposa e convidados para Toscana em avião da FAB

Na condição de comandante da Marinha, Garnier viajou com a esposa e um grupo de convidados para a região da Toscana. A “comitiva” voou para o destino turístico em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). O motivo oficial da viagem era uma cerimônia militar. Exército e Aeronáutica também mandaram oficiais à Itália. Porém, somente Garnier recusou viajar em avião comercial.

O avião da FAB tem pouca autonomia de voo. Por isso, Garnier e seus convidados foram obrigados a fazer 11 escalas durante a viagem. Após passar três dias na Toscana, o grupo foi à Turquia, em missão oficial de quatro dias. Antes do retorno ao Brasil, todos ficaram um dia em Lisboa, Portugal.