JUSTIÇA ELEITORAL

BRASÍLIA – A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), assume a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta segunda-feira (3). Aos 70 anos, substitui Alexandre de Moraes, seu colega no STF, que fez o último pronunciamento em sessão da corte na última quarta-feira (29).

Esta será a segunda vez que Cármen Lúcia comandará o TSE. Ela, que esteve à frente da Justiça Eleitoral em 2012 e 2013 – sendo a primeira mulher em tal cargo –, foi eleita em 7 de maio para reassumir o posto. O ministro Kassio Nunes Marques, também do STF, foi eleito vice-presidente.

No fim de fevereiro de 2024, Cármen Lúcia foi a relatora das resoluções para as eleições municipais com uma inédita regulamentação do uso de inteligência artificial (IA) e aumentando a responsabilidade das chamadas big techs no controle da propagação de fake news e uso de deep fakes por candidatos em campanha.

Nascida em Montes Claros, Criada em Espinosa e interna em colégio de freiras Cármen Lúcia Antunes Rocha nasceu em Montes Claros, em 19 de abril de 1954, mas foi criada em Espinosa (MG), cidade de 30 mil habitantes no extremo norte de Minas, quase na divisa com a Bahia.

Ela é filha de Florival Rocha e Anésia Antunes, de origem portuguesa, numa família de sete irmãos. Aos 10 anos se mudou para Belo Horizonte para estudar no Sacré-Coeur de Jésus (Sagrado Coração de Jésus), um tradicional colégio de freiras, onde viveu em regime de internato até prestar vestibular.

A ministra nunca foi casada nem teve filhos. Em entrevistas, familiares contaram que ela sempre deixou claro que não se casaria para se dedicar à profissão. E dizia ter “uma madre superiora” dentro de si, ao falar da sua disciplina e dedicação, relacionando à sua formação religiosa.

Depois do direito, Cármen Lúcia tem a música e a leitura de clássicos como atividades favoritas. Certa vez, disse que gosta de escrever e de ler processos, ouvindo, por exemplo, “O Cisne”, de Camille Saint-Saëns, e a trilha sonora do filme “A Liberdade é Azul”, de Zbigniew Preisner.  

Elencou como alguns dos livros favoritos “Fio da Navalha”, de Somerset Maugham, “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles, “A Divina Comédia”, de Dante, “Crime e Castigo”, de Dostoiévski e “Grande Sertão – Veredas”, de Guimarães Rosa. Ele é autora de oito livros sobre direito.

Antes do STF, Cármen Lúcia assumiu uma cadeira de professora na PUC-MG. 

Desde 1983, Cármen Lúcia é professora titular de direito constitucional na PUC-MG, além de coordenadora do Núcleo de Direito Constitucional. Já com extenso currículo acadêmico, foi procuradora do Estado de Minas de 1983 até 2006, cargo que conquistou por meio de concurso público. 

Ela exerceu a função de procuradora-geral do Estado de 2001 a 2002, durante o mandato do então governador Itamar Franco (1998-2002). Em sua gestão à frente da Procuradoria, o governo mineiro entrou em uma série de conflitos institucionais com a União, em que não faltaram ameaças de intervenção no Estado, o que resultou em bastante trabalho.

Cármen Lúcia ganhou uma cadeira no STF em 2006, após indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estava em seu primeiro mandato. Ela, que sucedeu Nelson Jobim, foi a segunda mulher a ocupar a ministra da mais alta Corte, sendo a primeira a ocupar esse cargo, a ministra Ellen Gracie Northfleet.

Cármen Lúcia é prima em terceiro grau de José Paulo Sepúlveda Pertence, que também foi ministro do STF. Também foi aluna do ex-ministro Carlos Velloso, que deu lugar a Enrique Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça de Lula.

O nome de Cármen Lúcia já havia entrado em várias listas para o STF. Ela era cotada para o cargo desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) que, em oito anos de mandato, indicou três ministros.

O nome de Carmen Lúcia ganhou força quando Lula decidiu reservar a sua sexta vaga ao STF para uma mulher. A indicação dela foi aprovada pelo Senado por 55 votos contra 1 em 24 de maio de 2006. Ela foi empossada em 21 de junho de 2006.

Primeira mulher a usar calça comprida durante uma sessão plenária

Cármen Lúcia fez história ao ser a primeira mulher a usar calça comprida durante uma sessão plenária, em 15 de março de 2007. Para a surpresa de muitos, ela apareceu no maior e principal espaço de julgamentos do Supremo com calça e blazer pretos e um colar de pérolas.

A tradição contrária ao uso da calça comprida como traje feminino existia desde 1828, quando o órgão foi criado, com o nome de Supremo Tribunal de Justiça. Apenas em 2000, o STF liberou o uso da calça por mulheres e, coincidentemente, passou a ter mulheres na sua composição.

Quando Cármen Lúcia decidiu inovar, o STF era presidido pela ministra Ellen Gracie Northfleet, que chegou ao tribunal em dezembro de 2000, mas não quis usar calça comprida em sessão plenária. Ela restringia o uso da peça às segundas, terças e sextas-feiras, dias em que não havia sessão plenária.

Cármen Lúcia assumiu a vice-presidência do STF em 2014, e a presidência em 2016. Também exerceu a função de ministra do TSE de 2009 a 2013 num primeiro mandato e, desde 2022, exerce um segundo mandato.

Ministra já assumiu a Presidência da República cinco vezes

Em abril de 2018, Cármen Lúcia, que era a presidente do STF, assumiu a Presidência da República interinamente devido a viagens programadas ao exterior do então presidente Michel Temer (Peru) e dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (Panamá), e do Senado, Eunício Oliveira (Japão).

A ministra se tornou a sexta presidente do STF a assumir a chefia do Poder Executivo, bem como a segunda mulher a presidir a República – a primeira foi Dilma Rousseff, por meio de voto direto. Na condição de presidente interina do Brasil, assinou um decreto instituindo o dia 2 de abril como o Dia Nacional da Consciência.

Cármen Lúcia assumiu novamente como presidente da República em exercício mais quatro vezes durante o ano de 2018: em 18 de junho, em 17 e 18 de julho, entre 23 e 28 de julho e em 15 de agosto, todas em função de viagens de Temer e dos presidentes da Câmara e do Senado – Temer não tinha vice, pois assumiu o cargo com o impeachment de Dilma, de quem era o vice.

Entre votos por absolvição no Mensalão e prisão de Delcídio do Amaral

Confira alguns dos votos e das decisões mais emblemáticas de Cármen Lúcia no STF: 

Mensalão: Em outubro de 2012, ela votou pela absolvição de 13 acusados de formação de quadrilha envolvidos no escândalo do Mensalão. Seu voto pela absolvição foi criticado pelo ministro Joaquim Barbosa.

Prisão de Donadon: Em junho de 2013, a ministra expediu mandado de prisão ao deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), condenado a 13 anos, 4 meses e 10 dias, em regime inicialmente fechado, por formação de quadrilha e peculato. Cármen Lúcia foi a relatora do processo. Com a decisão do STF, Donadon foi condenado à prisão e à perda dos direitos políticos.

Prisão de Delcídio do Amaral: Em novembro de 2015, Cármen Lúcia votou a favor da prisão do então senador Delcídio do Amaral, a época líder do governo de Dilma Rousseff. Foi a primeira vez na história que um senador em exercício foi preso no Brasil, e a leitura do voto da ministra tornou-se símbolo do caso. Nele, Cármen Lúcia faz pronunciamento em favor da prisão de Delcídio do Amaral, num pronunciamento onde compara a superação da esperança sobre o medo, um mote da campanha política da eleição de Lula para presidente da República, e o Mensalão, e o escárnio em achar que imunidade é sinônimo de impunidade.

Prisão de condenados em segunda instância: Em fevereiro de 2016, a Cármen Lúcia votou a favor da prisão para condenados em segunda instância. Em outubro de 2016, Cármen Lúcia novamente votou favorável à aplicação da prisão. O projeto de lei foi defendido também pela PGR, entidades representativas de magistrados e pelo então juiz federal Sergio Moro e procuradores da Operação Lava Jato como uma importante decisão contra a impunidade.

Contra censura à biografia: Em junho de 2015, em seu voto, Cármen Lúcia se posicionou em defesa da liberdade de expressão e do direito à informação, contrária à censura de biografia. A ministra disse que a publicação independe de autorização prévia, e disse ainda que eventuais danos causados à imagem dos biografados poderão levar o biógrafo a indenizá-lo.

10 Medidas contra corrupção: Em 30 de novembro de 2016, Cármen Lúcia divulgou uma nota oficial lamentando a inclusão no projeto anticorrupção aprovado pela Câmara de medidas, incluído no projeto original do MPF, das 10 Medidas contra corrupção que, segundo a ministra, poderiam afetar a independência do Judiciário. A então presidente do STF disse que magistrados já foram cassados “em tempos mais tristes” e que se pode “calar o juiz”, mas não se conseguirá “calar a Justiça”.