MINERAÇÃO ILEGAL

A desarticulação de uma organização criminosa responsável por viabilizar, via pagamento de propina, a emissão de licenças ambientais fraudulentas para a extração ilegal de minério em áreas de proteção em Minas Gerais revelou a fragilidade do órgão federal responsável por fiscalizar as empresas do setor no país. A operação Rejeito, da Polícia Federal, encontrou ramificações da quadrilha na alta cúpula da Agência Nacional de Mineração (ANM), o que resultou na prisão de dois nomes ligados à entidade, incluindo um diretor indicado pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD). 

A investigação que veio à tona na última quarta-feira (17/9) aponta que Caio Mário Trivellato Seabra Filho teria se aproveitado de sua posição na ANM para receber propina em troca de favorecimento a empresas citadas no processo. Conforme a Polícia Federal, o diretor da agência teria fornecido informações sigilosas e privilegiadas a integrantes da organização criminosa, além de ter atuado ativamente para alterar uma resolução que beneficiou diretamente uma das mineradoras investigadas. A defesa do suspeito não foi localizada. O espaço segue aberto

Preso no dia em que a operação foi deflagrada, Seabra chegou à diretoria do órgão no fim de 2024. Procurado, o ministro Alexandre Silveira declarou, em nota (leia a íntegra abaixo), que “apesar de as indicações para cargos de direção em entidades vinculadas serem formalizadas pelo Ministério de Minas e Energia, o processo de avaliação e governança segue rito legalmente estabelecido, conduzido de forma independente e autônoma por entes externos, o que precede as nomeações”. 

Além de Seabra, o relatório da operação Rejeito mostrou que o ex-diretor da ANM Guilherme Santana Lopes Gomes teria feito uso “de sua posição institucional para manipular decisões administrativas em favor da organização criminosa, contribuindo para a obtenção de vantagens indevidas e para a consolidação de interesses econômicos ilícitos no setor mineral”. Ele também foi preso. Já Leandro César Ferreira de Carvalho – exonerado da função de gerente regional da ANM em Minas Gerais após outra operação da PF, em abril deste ano – teria assinado a cessão de direitos minerários em área tombada, em um claro ato de favorecimento ao grupo criminoso. A defesa de ambos também não foi localizada. O espaço permanece aberto para manifestações. 

Além de revelar a capacidade da organização criminosa em se infiltrar em órgãos governamentais, os indícios de participação de agentes da ANM no esquema fraudulento aponta uma dificuldade do órgão em conter casos de corrupção dentro da entidade. 

Responsável por fiscalizar a conduta e aplicar medidas disciplinares aos servidores, a Corregedoria da ANM encerrou 2024 com oito servidores (sendo dois terceirizados).

Em relatório publicado em fevereiro deste ano, o órgão apontou a necessidade de reforço no setor diante da incapacidade de atender as demandas do órgão, “por menor que fossem suas competências ou solicitações correcionais”. Procurada, a ANM não se manifestou até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto.

Sindicatos criticam sistema de indicações

Entidades que representam servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM) lamentaram o fato de o nome do órgão ter sido vinculado ao escândalo de corrupção revelado pela Polícia Federal e criticaram os procedimentos adotados para a escolha de diretores da entidade. 

“Esse tipo de situação decorre diretamente do modelo de porta giratória que ainda persiste nas agências reguladoras, permitindo que dirigente transitem entre cargos públicos e interesses privados, abrindo espaço para captura regulatória, desvio de finalidade e corrupção”, apontaram a Associação dos Servidores da Agência Nacional de Mineração (Asanm) e o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Reguladoras (Sinagências), em nota conjunta.

De fato, currículos dos diretores da ANM apontam que ao menos dois dos quatro atuais dirigentes têm passagem pelo setor privado. O diretor-geral da agência, Tasso Mendonça Júnior, já atuou na AngloAmerican. Por sua vez, José Fernando Gomes Júnior trabalhou na Vale e tem experiência como consultor de entidades representativas do setor produtivo. 

“Os procedimentos de escolha devem ser mais democráticos, com maior participação da sociedade e dos servidores de carreira, assegurando transparência e legitimidade ao processo”, defendem a Asanm e a Sinagências no comunicado.

Confira a íntegra da nota do ministro Alexandre Silveira:

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, esclarece que, apesar de as indicações para cargos de direção em entidades vinculadas serem formalizadas pelo MME, o processo de avaliação e governança segue rito legalmente estabelecido, conduzido de forma independente e autônoma por entes externos, o que precede as nomeações.

O Ministério é responsável, exclusivamente, pela formulação das políticas públicas para a gestão responsável dos recursos minerais do país. 

A operação citada está em curso, sob responsabilidade da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF), órgãos competentes para a apuração e elucidação dos fatos. 

O ministro relembra, inclusive, que é autor da PEC 412, apresentada em 2009 enquanto deputado federal, que prevê autonomia funcional e administrativa da Polícia Federal, ressaltando assim, sua confiança nas instituições para a elucidação dos fatos, com direito ao contraditório e ampla defesa. 

Por fim, também reafirma seu entendimento de que o Poder Judiciário garantirá, ao final do processo, a conclusão do caso com a devida imparcialidade e justiça.