NOVO GOVERNO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Vice-presidente de 2019 a 2022, o general Hamilton Mourão diz que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "chegou com espírito de revanche e sem entender que venceu uma eleição no photochart, portanto sem um apoio francamente majoritário".

Desde que assumiu no domingo (1º), Lula promove um inédito desmonte de decretos que caracterizaram a gestão de Jair Bolsonaro (PL), como as regras que facilitavam o acesso a armas, e também medidas de última hora, como a que tirava R$ 5,8 bilhões da arrecadação federal.

 Já a metáfora usada por Mourão com a técnica usada para definir vencedores em corridas apertadas de cavalos se refere aos 50,9% atingidos por Lula no segundo turno em outubro, ante 49,1% do então presidente.Respondendo a questões enviadas pela Folha de S.Paulo por WhatsApp, ele afirmou que sua avaliação se dá por "atos e palavras". "Está na hora de compreender o país que precisam governar, despindo seus preconceitos políticos, econômicos e ideológicos", afirmou.

No sábado (31), Mourão fez um pronunciamento em rede nacional no qual defendeu o legado do governo, mas onde também deixou uma série de recados.

O mais polêmico
 

O mais polêmico foi uma defesa das Forças Armadas, a quem viu "pagar a conta" de insinuações golpistas que não atribuiu com todas as letras a Bolsonaro, mas que assim foi lido pelo mundo político.

"Lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país deixaram com que o silêncio ou o protagonismo inoportuno e deletério criassem um clima de caos e de desagregação social e de forma irresponsável deixaram que as Forças Armadas de todos os brasileiros pagassem a conta, para alguns por inação e para outros por fomentar um pretenso golpe", disse então.

Foi criticado por bolsonaristas que pedem um golpe conta Lula na frente de quartéis e por dois filhos do ex-presidente: o deputado Eduardo citou máscaras caindo e o vereador Carlos o chamou de "bosta".

Questionado sobre a quem se dirigia, Mourão não deu nomes, mas ampliou o escopo e incluiu uma autocrítica. "Ao longo dos últimos anos, os ânimos se exaltaram com as omissões do Legislativo, as decisões enviesadas do Judiciário e com nós mesmos no Executivo deixando de esclarecer bem nossas posições", afirmou.

"Isso jogou para o colo das Forças Armadas, em particular do Exército, uma pressão descabida. As pessoas precisam compreender que decisões do passado não servem para o presente", disse ele, que negou ter conversado com o Alto-Comando das Forças sobre a defesa que fez. "Julguei que era minha responsabilidade chamar a pressão para mim."

Sobre os atos Brasil afora, após dizer no pronunciamento que era hora de as pessoas "voltarem ao concerto do lar", Mourão foi na linha de acomodação do novo ministro da Defesa, José Múcio. "Considero que se situaram dentro do contexto democrático e que, salvo pequenas coisas, não ultrapassaram os limites da lei e da ordem".

A partir de fevereiro, o general de quatro estrelas da reserva sentará à bancada do Senado, eleito pelo Republicanos do Rio Grande do Sul. Mais do que um observador viu no seu discurso, em que admoestava o governo petista e prometia combater "projeto progressista", uma postulação de liderança de oposição.

Ele não desconversa. "Considero ser minha tarefa buscar construir um grupo sólido, em torno de princípios e valores comuns, para fazer uma oposição dura as ideias que sabemos ser um prenúncio do desastre. Por outro lado, aquilo que for fundamental para que o país entre em um ciclo virtuoso de crescimento terá meu apoio", disse.

Questionado se não seria papel de ex-chefe tal liderança, ele diz que "não tenho a mínima dúvida do carisma do presidente Bolsonaro e que ele possui todas as condições para ser o grande líder da direita".

Mesmo tendo abandonado o cargo antes da posse? "Quanto à saída dele do país, como em nenhum momento ele conversou comigo, sobre isso seria leviano de minha parte emitir uma opinião", afirmou.

Desde que foi eleito, o general já sinalizou que terá no Supremo Tribunal Federal um de seus objetos de combate - ele defende o impeachment de ministros, e já disse que Alexandre de Moraes precisa ser "freado".

Segundo um político com amplo trânsito entre os militares, Mourão poderá no mínimo servir de conduíte da corporação militar no Legislativo, algo que Bolsonaro nunca foi, apesar de 28 anos na Câmara - ele era mais um sindicalista fardado folclórico, por assim dizer.

Após quatro anos de desastrosa tentativa de normalizar a presença militar no Executivo, herança do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, Mourão parece mais qualificado para a missão do que figuras como general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde eleito deputado federal pelo PL-RJ.

Por outro lado, o Senado não é uma OM (organização militar), brinca esse interlocutor. O estilo direto de Mourão terá contraponto na ampla experiência dos caciques da Casa, como Renan Calheiros (MDB-AL), e o embate de estilos promete diversão.

No serviço ativo, Mourão perdeu o Comando Militar do Sul em 2015 ao sugerir que retirar Dilma Rousseff (PT) do poder reduziria a corrupção e acabou caindo da Secretaria de Finanças do Exército em 2017, após criticar o governo Michel Temer (MDB) e sugerir a possibilidade de intervenção militar.