ELEIÇÃO


A voz cada vez mais rouca acusa a maratona de compromissos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta campanha para voltar ao Palácio do Planalto. Ontem, em um encontro com empresários e representantes do setor de turismo, em São Paulo, o candidato do PT reconheceu: "Eu nem deveria falar, vocês percebem que estou rouco. Eu ainda tenho oito comícios pela frente, tenho várias entrevistas e dois debates. Preciso parar de falar por um mês para recuperar minha voz". Mas o candidato falou, em mais um passo de sua estratégia para reconquistar apoios do empresariado brasileiro.


A política econômica em um hipotético terceiro governo de Lula segue como incógnita, mas o ex-presidente tenta acalmar o mercado assegurando que se guia por "previsibilidade, credibilidade e estabilidade, três palavras mágicas em tudo o que a gente vai fazer". Também reforçou o papel de Geraldo Alckmin em sua chapa, por representar "um setor da sociedade muito importante". Mas, um dos principais lances do xadrez sucessório foi jogado na terça-feira, ao receber o apoio explícito do ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (União Brasil). Um movimento que teve a participação do candidato a vice-presidente.


Meirelles foi o chefe da autoridade monetária nos oito anos em que Lula ocupou a Presidência da República. Depois, assumiu o Ministério da Fazenda a convite do então presidente Michel Temer (MDB), quando implementou a regra do teto de gastos (fórmula que limita o aumento das despesas públicas à variação da inflação), criada por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada pelo Congresso em 2016.


Apesar de Lula já ter dito que vai acabar com o teto se eleito, a presença de Meirelles indica, aos agentes econômicos e analistas, que esse é um tema ainda a ser definido pelo ex-presidente. O ex-ministro também passa a ser cotado como candidato a voltar à Esplanada dos Ministérios caso o petista seja eleito.


O cientista político Leandro Gabiati analisa que Meirelles e Alckmin podem ser a "ponte ideal entre os atores econômicos e o eventual governo Lula". E, se for confirmado na equipe ministerial, o ex-presidente do BC "pode passar a ser âncora econômica e fiscal, referência de um governo ponderado e moderado quanto a medidas econômicas".


Para Gabiati, o apoio que Lula recebeu de oito ex-presidenciáveis "muito provavelmente não lhe acrescentará uma quantidade considerável de votos", mas "simbolicamente, é muito importante para o presidente, porque sinaliza que seu projeto político vai além do PT, vai além da esquerda".


Doutor em ciência política e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Ueber Oliveira lembra que Lula é "egresso do sindicalismo de resultado, da mediação entre capital e trabalho, nunca foi um sujeito de polarizar o processo político", o que ajuda a explicar o reencontro com Meirelles. Dessa forma, vai derrubando barreiras em sua interlocução com os agentes do mercado. "Enquanto o bolsonarismo se isola, Lula amplia o leque de sua frente ampla", avalia.


A reação do mercado financeiro após o encontro de terça-feira ajuda a corroborar as análises. A Bolsa de Valores subiu acima das expectativas e o dólar registrou queda. Até Michel Temer, patrocinador do teto de gastos, aprovou o apoio, em um evento promovido pelos jornais O Globo e Valor Econômico, em São Paulo. "Achei boa", disse, em relação à presença de seu ex-ministro da Fazenda no encontro com Lula.


Para Temer, Meirelles poderá explicar "aos lulistas qual é a vantagem do teto de gastos" e que ele tem condições de "dar sequência à responsabilidade fiscal que nós inauguramos no meu governo", em uma crítica velada à política expansionista de gastos públicos da antecessora, Dilma Rousseff (PT).


Persona non grata pelos petistas, que o acusam de articular o impeachment de Dilma, Temer torce para que a regra não sofra alterações. "Eu espero, um pouco ingenuamente, talvez, que (o teto de gastos) seja mantido."


Derrota precificada


No encontro com representantes do turismo, Lula afirmou que "o povo já precificou" a derrota do presidente Jair Bolsonaro, para reforçar o discurso de que uma eventual vitória do petista não provocaria abalos na economia.


Sobre a declaração do adversário de que ganhará a eleição no primeiro turno com larga margem, se não houver "problemas" com as urnas eletrônicas, o ex-presidente ironizou. "O homem (Bolsonaro) tá dizendo que, se não ganhar no primeiro turno com mais de 60% (dos votos), é porque houve problema nas urnas. Quando ele diz isso eu fico otimista, porque já está prevendo a derrota dele."


Lula decidiu não participar do debate entre presidenciáveis promovido pelo pool SBT, CNN Brasil, Estadão, Terra e Veja, no próximo sábado. Mas confirmou presença no debate da TV Globo, dia 29. Segundo assessores da campanha petista, não havia como conciliar o debate com os comícios já marcados para o último fim de semana antes do primeiro turno das eleições.