ATOS EXTREMISTAS

Logo após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno de 2022, bolsonaristas extremistas se dirigiram para frente de unidades militares de todo o país pregando a intervenção das Forças Armadas e com a promessa de impedir a posse do petista em 1º de janeiro. O ponto central desse encontro foi o Quartel-General do Exército , em Brasília, para onde se deslocaram milhares de seguidores de Jair Bolsonaro, em carros e caravanas de ônibus e dezenas de caminhões.

Em frente ao QG, os defensores do golpe armaram barracas e distribuíram alimentação e água, na Praça dos Cristais. Durante a permanência desses grupos, o Exército nada fez para retirá-los. Ao contrário, acompanhou a mobilização dos inconformados com o resultados das urnas. Como revela imagens desta reportagem, logo no início de novembro, o Exército permitiu que dezenas desses caminhões, com faixas defendendo o golpe e com inscrições como "socorro, Forças Armadas", ficassem estacionados numa área exclusivamente militar. Uma das fotos, de 12 de novembro, exibe ainda uma caminhonete com o símbolo do Exército protegendo a cancela, fechada, em frente à área onde estavam os veículos. 

Além da guarida aos caminhões, outras imagens demonstram a tolerância dos militares com os extremistas. Militares da Polícia do Exército circulavam entre os manifestantes sem tomar qualquer atitude e apenas observavam.

No local onde ficaram os caminhões há um placa grande informando se tratar ali de uma "área militar", diferente da Praça dos Cristais. Ou seja, obtiveram autorização para estarem naquele espaço. Se invadiram, não foram importunados. A "estadia" dos caminhoneiros bolsonaristas no local durou dois meses.

Nos últimos dias, depoimentos nas investigações e nas Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs) — até de oficiais e de bolsonaristas — confirmam que os militares nada fizeram para desmontar o acampamento do QG, que redundou em atos como a tentativa de invasão na Polícia Federal e o plano de explodir uma bomba no Aeroporto Internacional de Brasília, ambos em dezembro. A derradeira e mais ousada ação se deu com a invasão do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional e do Planalto no atos do 8 de janeiro.

O acampamento

Procurado pelo Correio , na última sexta-feira, o Comando do Exército não comentou a presença dos caminhões na área militar. Questionado também sobre a razão de os militares não terem desmontado o acampamento em frente ao QG, o Exército, hoje sob o governo Lula, deu a mesma resposta dos oficiais da gestão de Bolsonaro. O Centro de Comunicação do Exército respondeu que "não havia nenhuma determinação judicial classificando o acampamento na frente do QG do Exército como ilegal, tampouco houve ordem judicial de que o mesmo fosse desmobilizado", informou Exército. 

E sobre os militares fardados circulando entre os golpistas, a resposta foi: "por ser uma área de servidão adjacente dos quartéis, os militares realizavam rondas constantes no interior das Praças dos Cristais com o objetivo de assegurar que a ocupação da área não impactasse negativamente na segurança das pessoas e instalações militares, bem como para assegurar a manutenção do trânsito local e os acessos às instalações militares situadas no SMU (Setor Militar Urbano)".

A explicação do Exército é semelhante à do general Gustavo Henrique Dutra, que era o Comandante Militar do Planalto na gestão de Bolsonaro. À Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de 8 de Janeiro, há duas semanas, o oficial afirmou que o acampamento não era considerado ilegal, que nenhum órgão competente o declarou fora da lei e que "não tínhamos competência para declará-lo ilegal". E também que "não poderíamos atuar sem uma ordem sob pena de abuso de autoridade. Seria uma operação muito complexa".

Dutra disse que o Exército chegou a retirar algumas das faixas que pediam intervenção federal pelos militares. Perguntado pela relatora da comissão,  Eliziane Gama (PSD-MA) , se tinham imagem dessas cenas, ele respondeu que não.

O Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex) e o general informaram que acionaram a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e pediram apoio ao policiamento de trânsito para garantir a segurança no SMU.

Para a senadora, não há dúvida da conivência dos militares com o acampamento. Eliziane afirmou que vários depoimentos, também na Polícia Federal, deixam claro que houve reuniões e planejamento para retirar os acampados, mas que, na hora da execução, o general Dutra mandava suspender a ação. "É muito grave. Isso tudo (o acampamento) se dava na área de servidão, no perímetro do Exército. Por um decreto, os militares têm poder de polícia naquele local. Ele não autorizou porque decidiu não fazer isso", disse a relatora da CPI.

Bastava um "soldado raso" mandar
A bolsonarista Ana Priscila Azevedo , que atuou nas ações contra Lula e está presa desde 10 de janeiro, afirmou à CPI da Câmara Legislativa do DF, na última quinta-feira, que os militares nunca os abordaram em frente ao QG para deixar o local e que bastava um "soldado raso" mandar, que todos saíriam da frente dos quartéis.

 "Jamais pensei que, ao atender ao chamado de militares, poderia ser marcada e presa. Era a instituição onde a população de patriotas depositava os maiores índices de aprovação. Afinal, os acampamentos ficaram tanto tempo e por todo o país, sem ninguém falar nada em sentido contrário, por isso ousamos pensar que éramos bem-vindos. Bastaria um soldado raso nos avisar que deveríamos sair, que teríamos ido embora", disse.

O acampamento em frente ao QG foi frequentado até por oficiais, que foram lá defender os atos golpistas. Na última sexta, o general Ridauto Lúcio Fernandes foi alvo da 18ª fase da Operação Lesa Pátria e foi levado pela Polícia Federal para depor. O militar foi diretor de Logística do Ministério da Saúde durante a controversa gestão de Eduardo Pazuello à frente da pasta.

O general foi alvo de busca e apreensão e seu celular foi levado pelos agentes. Ridauto aparece em vídeos nas ações dos bolsonaristas no 8 de janeiro, na Esplanada dos Três Poderes.