MEMÓRIA

Eram 22h29 do dia 21 de abril de 1985 quando os brasileiros receberam a notícia que entristeceu o país. “Lamento informar que o excelentíssimo senhor presidente da República, Tancredo Neves (PMDB), faleceu esta noite”, anunciava o porta-voz Antônio Britto, apenas seis minutos depois da morte do primeiro civil a ser eleito mandatário após 21 anos de ditadura militar e generais ocupando o Executivo.

Aos 75, Tancredo dedicou pelo menos 50 anos à vida pública. Havia sido vereador em São João del-Rei, no Campo das Vertentes, ministro da Justiça de Getúlio Vargas, deputado estadual, federal, senador e governador de Minas Gerais. Porém, nunca chegou ao Palácio do Planalto.

Patrono da redemocratização, conhecido pelo perfil conciliador, Tancredo costurou o acordo que permitiu a saída dos militares e que levaria o país até a Assembleia Constituinte de 1988. “A vida pública de Tancredo Neves confundiu-se com sonhos e com os ideais brasileiros de união, de democracia, de justiça social e de liberdade. Nos últimos meses, pela vontade do povo e com a liderança de Tancredo Neves, estes ideais se transformaram na Nova República”, dizia Britto.

Eleito em 15 de janeiro de 1985, derrotando o então deputado Paulo Maluf (PDS) naquela que seria a última eleição indireta no colégio eleitoral, Tancredo Neves foi internado no Hospital de Base de Brasília na véspera da sua posse para retirar um tumor benigno no intestino, na noite do dia 14 de março. O período que os próprios médicos esperavam uma recuperação rápida, com as primeiras estimativas de alta para o final daquele mês, se transformou em 39 dias de agonia.

No dia 21 de março, o médico Henrique Walter Pinotti chegou a afirmar que a posse poderia ser marcada “para dentro de duas ou três semanas”. No final da previsão, Tancredo Neves já havia passado pela quinta cirurgia de um total de sete intervenções para tratar de problemas recorrentes no intestino. A batalha que o presidente travou pela própria vida surpreendeu os especialistas e observadores, que chegaram a descrever o coração do mineiro como “indomável” pela resistência atípica à quantidade de intervenções.

O vice-presidente José Sarney (PMDB), que ocupava o cargo principal de maneira interina, foi oficializado como presidente da República. A 00h30 do dia 22, ele fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão afirmando que manteria o programa de Tancredo Neves e as mudanças reclamadas pela população.

“O nosso programa será o mesmo de Tancredo Neves. O nosso compromisso é o da Aliança Democrática, formada pelo PMDB, pela Frente Liberal, homens que quebraram amarras, e por todas as forças que, privadas da liberdade, lutaram pela liberdade. (...) A ressurreição de Tancredo Neves virá na construção da Nova República, seu idealismo, seu símbolo”, afirmava Sarney.

'Tancredo deu a morte' pelo Brasil

Em entrevista ao Estado de Minas, o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), neto do presidente eleito, relembrou os últimos momentos com o avô. Ele resume o período parafraseando o ex-senador Afonso Arinos (1905-1990), que disse: “Muitos brasileiros deram a vida pelo país. Tancredo deu mais, deu a morte”.

“Há 40 anos, o Brasil assistiu a mais bem elaborada construção política da nossa história, que deixou para trás 21 anos de autoritarismo para que o país entrasse novamente e vivesse hoje o mais longo ciclo democrático de toda história republicana. Mas não foi uma construção simples”, disse o deputado mineiro.

Para Aécio, o mais marcante do período era a “preocupação permanente” de Tancredo com a conclusão da transição democrática. “Sempre havia riscos de que pudesse haver algum retrocesso. Por isso ele se esforçou muito para fazer da campanha indireta uma campanha popular, com comícios nas ruas, população mobilizada, mesmo depois da derrota da emenda das diretas já (emenda Dante de Oliveira).”

O parlamentar mineiro trabalhava próximo de Tancredo na época, e faz questão de recordar o tour que o presidente eleito fez pelas principais democracias do mundo para consolidar sua vitória. Eles passaram pela França, Espanha, Itália, Portugal, Estados Unidos, México, Argentina e diversos outros países para “chamar a atenção do mundo” ao processo de transição democrática no Brasil.

Aécio Neves destacou que Tancredo era avisado por setores “democráticos” dentro das Forças Armadas que havia um risco, e o presidente estava em “vigilância permanente”. “Setores das Forças estavam inconformados com a transição. Por isso, ele sempre teve muita cautela nos posicionamentos. Foi uma construção no detalhe.”

“Ele temia que não houvesse a transmissão do cargo para o presidente Sarney. Tanto que na madrugada, quando é divulgada a notícia, o ministro da Guerra, Walter Pires, comunica ao ministro Leitão de Abreu (Casa Civil) que voltaria ao ministério, porque não passaria o governo ao Sarney. Mas Leitão comunica que o ministro já era o general Leônidas (Gonçalves). Tancredo, mesmo acamado, com muitas dores, e eu próprio entreguei os atos para ele, assinou a nomeação do ministério, o que garantiu o processo de transição. O mais marcante era a compreensão de Tancredo com o que estava em jogo”, emendou.

Comoção marca a despedida

O historiador Bruno Viveiros, pesquisador do Projeto República da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), comparou o momento da internação até a morte com uma novela. “As pessoas rezavam querendo que Tancredo Neves, a figura que elas tinham depositado a sua esperança, seu otimismo, governasse o país”, disse.

Ele cita um pessimismo com a posse de Sarney ao lembrar que o então presidente João Baptista Figueiredo, o último general no Planalto, não passou a faixa para o vice de Tancredo. “A linha dura do Exército queria reassumir o poder e estava fazendo pressão contra Sarney. Mas era um arranjo político muito bem alinhado para garantir que não haveria o revanchismo e que haveria uma constituinte. Então eram vários pactos que tinham que ser cumpridos ali”, explicou.

A comoção com a morte do presidente se estendeu do dia 21 até o dia 24, quando o corpo foi velado em São João del-Rei. Tancredo Neves teve um cortejo fúnebre em São Paulo no dia seguinte, saindo do Incor na avenida Rebouças até o aeroporto de Congonhas, com estimativa de público que vai de 1 milhão até 4 milhões, segundo a Polícia Militar na época.

No fim da tarde, em Brasília, o cortejo de 20 quilômetros entre o aeroporto e o centro do Poder Executivo foi acompanhado por 300 mil pessoas. Enfim, o presidente eleito subia a rampa do Palácio do Planalto, onde receberia o adeus dos brasileiros. Segundo o Planalto, mais de 30 mil pessoas passaram pelo salão nobre.

No dia 23, em Belo Horizonte, o avião da Força Aérea Brasileira pousou no aeroporto da Pampulha por volta de 14h. Pelo menos 1 milhão de pessoas acompanhou o cortejo que ia até o Palácio da Liberdade, onde somente no local, por volta das 15h, 200 mil pessoas esperavam a volta do presidente.

A demora para abrir os portões da então sede do Poder Executivo mineiro gerou confusão na multidão que acompanhava o velório. Cinco pessoas morreram e outras 168 precisaram de atendimento médico. Viúva do presidente, Risoleta Neves tentou acalmar a multidão e discursou pedindo paciência e agradecendo o carinho dos belo-horizontinos.

“Meus amigos, meus irmãos, meus queridos mineiros, vocês tiveram o amor inteiro dele e espero que continuem devotando esse mesmo amor a todas as ideias, a todo o seu trabalho, para que possamos em breve ter um Brasil melhor. (...) Peço que tenham paciência e venham calmamente para que ele de lá, tenha a alegria de sentir cada um de sua gente”, disse a primeira-dama.

Aécio Neves ainda lembrou o carinho que a família recebeu nas ruas, o que ele descreveu como “algo inacreditável”. “O Brasil poucas vezes se uniu tanto em torno de um sentimento de esperança. Ultrapassou regiões, religiões, credos, ideologias. Era um Brasil unido em torno de alguém que veio reconstruir o país. Foram momentos muito marcantes para todos nós. Muito triste do ponto de vista do país e pessoal, mas esse sentimento de solidariedade é algo que nós da família vamos levar para sempre”, recorda.

No dia 24, o corpo foi levado para São João del-Rei. Na cidade natal de Tancredo Neves, a família tomou conta do cerimonial. O velório final ocorreu na Igreja de São Francisco de Assis, seguindo o rito dos franciscanos e a ordem de Risoleta: o corpo não seria enterrado enquanto houvesse são-joanense que quisesse vê-lo. Tancredo Neves foi sepultado às 22h.

Celebração

Programação da solenidade em São João del-Rei

9h15: Missa Solene na Igreja de São Francisco

11h: Encomendação da Alma do Presidente no cemitério da Igreja de São Francisco

11h45: Reinauguração do Memorial Tancredo Neves