Sem sucesso no pedido de prorrogação do estado de calamidade pública, decretado em decorrência da pandemia do novo coronavírus, os governadores pedem a manutenção de uma proteção aos mais pobres, como o auxílio emergencial, proteção ao emprego e plano de retomada econômica. É o que disse ao Correio o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), que coordena a estratégia para a vacina contra a covid-19 no Fórum Nacional de Governadores e é presidente do Consórcio Nordeste, que reúne nove governadores.


No dia 18/12, 17 governadores enviaram uma carta ao Palácio do Planalto pedindo mais seis meses de decreto de calamidade. Dias ressaltou que o fim do auxílio somado ao desemprego irá gerar o aumento da miséria e um caos social. Ele lembra do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm), que teve mais de 18 milhões de acordos celebrados entre julho e dezembro e cerca de 10 milhões de trabalhadores beneficiados.

O programa, que chegou a ser prorrogado e se encerra nesta quinta-feira (31/12), permitiu que houvesse acordo entre empregador e empregado, com redução de jornada de trabalho e salário, assim como a suspensão temporária do contrato de trabalho, para evitar a demissão. Conforme o governador, a rede de proteção criada neste ano no Brasil teve sucesso, com bons resultados, mas não pode ser retirada no momento. Para ele, o país precisa manter o auxílio aos mais pobres e medidas de proteção ao emprego e ter um bom plano de retomada da economia.

“Pessoas desempregadas vão criar uma despesa muito maior de seguro desemprego. Ora, nós vamos, então, esperar o desemprego para depois ter um gasto muito maior do que tivemos porque não tomamos a medida de prorrogar a calamidade nesse aspecto? É irracional e causa um rombo ainda maior nas contas públicas”, disse. O governador afirmou que o pedido já foi apresentado ao governo federal no dia em que o governo anunciou o plano nacional de imunização contra a covid-19. 

No caso do auxílio emergencial, pago ao longo do ano a trabalhadores informais e aos mais vulneráveis, a última parcela foi paga na terça-feira (29/12) e o governo descartou uma renovação. O presidente Jair Bolsonaro chegou a falar sobre o assuno, ressaltando que o "endividamento chegou ao limite".


Na última quarta-feira (30), o ministro da Economia interino, Marcelo Guaranys, informou que o governo descarta, por enquanto, prorrogar benefícios fiscais em 2021, mas admite a possibilidade de adoção de algumas medidas “caso seja necessário". "Estamos monitorando os efeitos da covid-19 sobre a população. E, caso seja necessário, a gente volta a adotar algumas medidas", ressaltou.

STF


Dias comemorou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski de manter em vigor trechos da lei 13.979, sancionada em fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus. Com a decisão, os estados e municípios poderão continuar tomando decisões sobre medidas de combate à pandemia, como isolamento e quarentena, como ocorreu ao longo do ano.

Além disso, o ministro determinou a manutenção do prazo de 72 horas para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) libere o uso emergencial de vacinas e medicamentos relativos ao novo coronavírus após solicitação.

De acordo com ele, a decisão atendeu em parte à demanda dos governadores no âmbito da renovação do estado de calamidade, mas critica o governo: “Não é razoável não ter nenhuma medida [por parte do governo]. Qual é a diferença de hoje para amanhã? Nenhuma. Coronavírus continua entre nós, matando”.


Ainda que não haja novo decreto, ele frisou que é importante ter alguma ação no sentido de socorrer os mais pobres e os empregos.

“Os mesmos requisitos que tínhamos na época, de pensar primeiro na vida, estão presentes agora. Ir na contramão disso, é nadar e morrer na praia. É muito mais fácil para o Brasil encontrar o seu caminho de retomada na economia no patamar que chegamos no final de 2021, do que deixar estragar tudo levados por um desemprego crescente. É claro que todo mundo quer equilíbrio fiscal, mas agora o que nós estamos precisando é salvar vidas. Vamos jogar na lata do lixo todo esse esforço por conta de três, quatro, seis meses? Ninguém quer calamidade, mas ela é uma realidade, ela se impõe”, disse.

Ações


Wellington Dias ressaltou que ele e os outros gestores estaduais têm se movimentado, tomando empréstimos e buscando ações alternativas, mas que o movimento precisa ser em conjunto com municípios, União e setor privado.

Líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR) disse ao Correio, nesta quinta-feira (31/12), que o governo já informou que o estado de calamidade não seria prorrogado. “Não sei de onde veio essa conversa. Já foi dito tantas vezes que não teria (prorrogação)", afirmou, pontuando que tanto o decreto quanto o orçamento de guerra também precisam passar pelo Congresso, que está de recesso até fevereiro.


“O presidente (Bolsonaro) tem um mantra: não tem prorrogação do orçamento de guerra, não tem 'fura teto' (de gastos) e não tem aumento da carga tributária. Esses são os limites com os quais nós temos que trabalhar. Não há essa possibilidade (de prorrogação do estado de calamidade). Também não temos a necessidade”, disse Barros. O líder ainda ressaltou que quem decide “sobre medidas de isolamento e paralisação da economia são prefeitos e governadores”.

Segundo Barros, não prorrogar o estado de calamidade não se trata de uma questão de contas. “É uma questão de planejamento. Houve um planejamento nesse sentido, do que está acontecendo”, disse, afirmando que o governo federal tem feito a sua parte com, por exemplo, a medida provisória que liberou R$ 20 bilhões para compra de vacina. “Não vejo por que o governo federal deveria tomar mais medidas, na medida em que o STF já disse que é autonomia dos estados e municípios. Eles querem o quê? O poder de decidir e mandar a conta para o outro pagar? É assim que vai funcionar?”, questionou.

Governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), avaliou que a renovação do decreto de calamidade pública seria importante, mas que mesmo sem ela, os efeitos são pequenos aos estados. Dino ressaltou que a calamidade pública pode ser reconhecida pelas Assembleias Legislativas, e que mesmo sem o decreto, a lei 13.979 continua valendo - ao menos alguns trechos, conforme decisão de Lewandowski.

“Acho que, para os estados, o efeito é pequeno. É mais para o governo federal”, relatou, apontando, ainda assim, se tratar de um equívoco a não renovação do decreto. “Os danos são ao governo federal, que confirma o raciocínio errado, equivocado, desastrado do governo federal. É o negacionismo; uma espécie de pensamento mágico de que não prorrogar a calamidade, ela deixa de existir. A realidade continua a mesma”, disse.


Para o governador, é importante que as contas sejam equilibradas, mas ele acredita que isso será alcançado com o fim da pandemia. “É errado achar que se não existir calamidade no âmbito do governo federal, vai reequilibrar as contas. Não vai, porque a pandemia continua. A questão central é a mesma. Só existe um jeito de proteger a economia: resolver o problema da pandemia. Enquanto postergar a vacinação, o que se geram são condições para o desequilíbrio fiscal continuar”, relatou.