A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) tem sido uma voz dissonante dentro da bancada evangélica no Senado e, com a indicação feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva do nome de Jorge Messias, que também é evangélico, para a vaga do STF (Supremo Tribunal Federal), tem atuado no sentido de ajudar a vencer a resistência de parlamentares religiosos mais identificados com a direita.

Em entrevista ao PlatôBR, ela lembrou que, mesmo aliada de Lula, votou a favor da indicação de André Mendonça, quando ele foi indicado por Jair Bolsonaro (PL-RJ). Ela criticou o uso da religião como instrumento de negociação eleitoral. “Isso é totalmente repudiado pelo Evangelho”, criticou.

Eliziane disse que pretende novamente ajudar Lula na campanha em relação aos religiosos, mas entende que dessa vez não haverá necessidade de carta a esse público.

Ela entende que Lula já fez gestos importantes aos pastores que disse que o presidente pretende acatar sua sugestão e editar nos próximos dias um decreto transformando a música gospel em patrimônio imaterial brasileiro. 

Ao falar sobre a prisão de Bolsonaro, Eliziane lembrou que as acusações de golpe foram sistematizada na CPI do 8 de janeiro da qual foi relatora no Senado. Para ela, com as prisões, o Brasil deu uma lição de democracia para o mundo. 

Confira os principais trechos da conversa com a senadora Eliziane Gama.

Como que a senhora vê esse atual embate entre a cúpula do Congresso e o governo?

A questão da relação do Congresso com o governo federal é uma relação que às vezes está a mil maravilhas, às vezes de forma mais tensa. Não acho nada tão diferente do que a gente acompanha nos últimos anos. A nossa ideia era tentar construir um acordo que pudesse reduzir a derrubada dos vetos em relação ao licenciamento ambiental, ou da devastação, como nós, ambientalistas, resolvemos realmente chamar. A gente não conseguiu. Em relação ao tema do licenciamento, eu acho que foi muito ruim. Quando você não consegue construir um acordo, quem perde é a sociedade brasileira, quem perde o país.

A senadora se considera ser um acordo republicano, o presidente do Senado querer emplacar um nome seu para o STF (Supremo Tribunal Federal), contra o nome o presidente Lula escolheu? A senhora acha que essa essa briga tem se dado em termos republicanos?

Eu não consigo falar especificamente se a motivação é essa, até porque eu não tenho elementos que me dão essa segurança. É claro que isso é um debate que ocorre de fato nas redes sociais e na própria comunicação como um todo. Agora, é muito bom lembrar de que a indicação dos membros do Supremo Tribunal Federal é feita numa etapa pelo Presidente da República, como é feito na segunda etapa pelo Senado Federal. Então, Assim. Essas prerrogativas dos poderes têm que ser asseguradas, senão você acaba, na verdade, burlando essa relação. E ao invés de ser uma relação harmoniosa, acaba sendo realmente uma relação muito abusiva e isso realmente não pode ocorrer. A gente tem o direito de votar a favor ou contra. Isso aí também faz parte do Parlamento. Se eventualmente você não concorda com uma determinada indicação, que no meu caso especificamente, não é o caso do Messias.

A senhora, como evangélica, acredita que o Messias, que também é evangélico, tem condição de obter o voto dos  evangélicos no Senado?

Você faz uma pergunta que é muito crucial no momento que a gente vive no Brasil. A gente percebeu muito claramente, nos últimos anos, uma certa uma certa instrumentalização da fé e a utilização, às vezes, do nome de Deus em nome de Cristo, a utilização da igreja numas situações como uma moeda ou como um instrumento de negociação eleitoral. Isso é totalmente repudiado pelo Evangelho da cruz, pelo Evangelho de Cristo, pelo que a gente aprende na Bíblia Sagrada. A igreja dá uma contribuição muito grande para o Estado. Às vezes ela acaba chegando no lugar que o Estado não chega por conta de uma irmandade, de uma unidade que existe. Então essa relação tem que acontecer. Mas não se pode utilizar isso como instrumento, de repente, para fazer uma negociação político eleitoral.

No caso da indicação do André Mendonça, naquele momento, apesar de ele ter sido indicado pelo ex-presidente Bolsonaro, de quem eu politicamente era totalmente contrária, eu votei a favor, apesar de não concordar com o fato de se dizer que ele era um “terrivelmente evangélico”. Isso não é um elemento para você integrar a Suprema Corte brasileira.

Mas Messias considera ser evangélico um trunfo na conquista de votos.

Quando se escolhe uma pessoa, se faz toda uma avaliação do perfil que lhe foi favorável, porque isso é inclusive um dos elementos. Então, se você acredita que aquela pessoa é o que vai contribuir para o país, vai contribuir no saber jurídico para o que é fundamental. Eu votei no André Mendonça porque eu achava que ele tinha solução do ponto de vista técnico e do ponto de vista moral também por ter uma visão do cristianismo como tem que ser, que é a unidade, que é a partilha, que é a solidariedade, que é o que diz a Constituição brasileira. A Bíblia, ao pé da letra, não é muito diferente do que diz a Constituição. É muito incoerente alguém que diz que precisa defender esses ideais cristãos e que diz que não vai votar no Messias porque, muito embora ele seja cristão, ele é uma indicação de um presidente que é do PT.

A senhora acha que ele será aprovado?

Eu acho que a gente vai superar isso. Eu acho que o Messias uma pessoa muito cordial, tem conversado muito bem, conversou com os parlamentares, inclusive da bancada evangélica do Senado Federal, na quarta feira que vem, ele terá um jantar com os deputados da bancada evangélica e lá ele vai poder expor muito mais o que ele pensa e o conceito dele em relação a temas variados da sociedade brasileira. Eu, pessoalmente sou otimista. 

A senhora foi uma ponte em 2022 entre a campanha do presidente Lula com os evangélicos. Inclusive houve aquela carta de Lula aos evangélicos. Para a campanha à reeleição, Lula precisará de um novo aceno?

Eu acho que o presidente Lula é uma pessoa muito verdadeira e, na época, colocou que não precisava de carta que ele já tinha sido presidente duas vezes e que todo mundo sabia a postura dele de nunca ter perseguindo evangélicos. Eu falei: porque existe um movimento muito grande de fake news. Ele então se convenceu e escreveu a carta. Eu acho que esse é um momento muito diferente. O presidente, de fato, mostrou que o governo dele é para todos. Na semana passada, inclusive, eu falei com ele sobre um decreto para tornar a música gospel com patrimônio imaterial nacional, e eu passei pedir para ele. Durante a sanção do Imposto de Renda, ele me disse que apresentará o decreto nos próximos dias.

A senhora fez uma defesa bastante enfática da ministra Marina Silva quando ela foi atacada no Senado de forma desrespeitosa por alguns senadores. Como é hoje ser política dentro do Senado Federal e como que a gente tem condição de superar essa misoginia, essa violência política contra as mulheres?

A gente tem evoluído no que se refere à ocupação de espaços de poder, mas a gente ainda está muito aquém. O Instituto Patrícia Galvão diz que a gente vai levar 100 anos para a igualdade entre homens e mulheres no Brasil. Eu tenho 20 anos de vida pública, já fui deputada estadual duas vezes, federal, já sou senadora e eu confesso a você que no Senado Federal foi onde eu tive o maior sentimento de preconceito e de ataques pelo fato de eu ser mulher. E isso quando eu ocupei posições estratégicas no Congresso Nacional, quando eu fui relatora da CPI do 8 de janeiro. Quando eu estive presidindo comissões eu passei a sentir de forma muito clara.

Imaginem só, eu tenho 20 anos de vida pública e sou senadora e cito isso a Marina Silva, que tem muito mais tempo do que eu de vida pública, mas já foi ministra, já voltou a ser ministra novamente, foi senadora, ocupou vários cargos na vida pública e ela chega numa comissão e, de repente você tem um presidente, um homem que olha para ele diz ‘se ponha se no seu lugar’. Isso é muito revoltante isso. Até hoje, quando eu me lembro, me sobe uma certa indignação muito grande, porque o lugar que a gente quer estar é na política, é aqui com você, é em qualquer lugar. O lugar que ele queria para ela era o lugar de silêncio.

A senhora acha o Brasil já precisa encarar a questão da paridade de gênero? A campanha de 2026 tem que ter a paridade como tema?

Tem que ser. Você pega o México, você pega o Chile, você pega a Argentina, Chile, você pega a Venezuela, todos eles estão na frente do Brasil. O Brasil, infelizmente é o segundo país aqui da América do Sul, Central e América do Norte que tem menor participação. Todos esses países têm algum mecanismo que obriga a participação, às vezes a lista fechada, às vezes a obrigatoriedade de cota, mas sempre tem um elemento coercitivo. Se você não tiver isso, você não consegue chegar lá.

Vivemos no Brasil esse momento de prisão de um ex-presidente e de generais por tentativa de golpe. Como que a senhora avalia esse momento?

Acho que o Brasil deu o recado para o mundo. Eles planejaram matar o Lula, matar o Alckmin, matar o Alexandre de Moraes. Eles criaram o clima de instabilidade no Brasil muito grave, que se não fosse a força do Congresso Nacional, leia se Rodrigo Pacheco, que era presidente naquele momento, se não fosse a força do STF, com Alexandre de Moraes, com a Rosa Weber, com tantos outros ministros, se não fosse o pulso do presidente eleito naquele momento, Luiz Inácio Lula da Silva, não sei como estaria hoje.