“Intuição” versus “ciência”. Assim o senador mineiro Rodrigo Pacheco (DEM) define as diferenças entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na condução da crise imposta pela pandemia do novo coronavírus. Colega de partido de Mandetta - deputado federal licenciado pelo Mato Grosso do Sul -, Pacheco lamenta o fato de Bolsonaro se opor, publicamente, às orientações dadas pelo chefe da saúde nacional. “Felizmente, a tese do ministro tem vencido, mas o conflito confunde a população”, afirma

Desde a última semana, a crise ganhou novos contornos. Também filiado ao Democratas, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, parlamentar eleito pelo Rio Grande do Sul, viu vazar uma conversa telefônica com o ex-ministro e deputado federal Osmar Terra (MDB-RS). Durante o diálogo, Onyx diz que, além de não falar há dois meses com Mandetta, “teria cortado a cabeça” do ministro da Saúde se estivesse no lugar de Bolsonaro. A ligação foi ouvida e divulgada pela CNN Brasil.


Embora evite comentar o conteúdo do telefonema, Pacheco reprova o raciocínio exposto pelo titular da Cidadania. “Caso seja esse, de fato, o pensamento do ministro Onyx, é equivocado, já que Mandetta cumpre bem e fielmente sua missão”, diz.


Os atritos com a China também incomodam Pacheco. O último a tecer comentários sobre o país asiático, em 4 de abril, foi o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que usou o personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, para satirizar o sotaque local e insinuar que o governo de Xi Jinping esconde informações sobre a COVID-19. Como resposta, ouviu da embaixada chinesa que seu tuíte era “fortemente racista”. 


Outra pessoa próxima ao chefe do Executivo nacional a irritar Pequim foi o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em meados de março. Quando o filho “03” do presidente culpou os chineses pela disseminação mundial do vírus, foi repudiado pelo embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, que chegou a exigir uma retratação formal pelas declarações. “Precisamos da China para nos desenvolver economicamente”, rebate o senador. 


Na visão de Pacheco há, também, uma espécie de desencontro entre as estratégias tomadas pelos governos federal, estadual e municipal. Segundo ele, como as decisões não foram tomadas de modo centralizado, a gestão da crise tem sido feita de modo “descoordenado”. Ele aproveitou para detalhar a atuação do Senado no enfrentamento à crise.
 
Veja, abaixo, a íntegra da entrevista com Rodrigo Pacheco: 


Bolsonaro disse, dias atrás, que 'tem se bicado' com Mandetta. O senhor acredita que as falas do presidente desautorizam, junto à população, as medidas defendidas pelo ministro da Saúde, como o isolamento?


É inusitado. O presidente pensa uma coisa e o seu ministro outra. Um com base na intuição e, o outro, na ciência. Felizmente, a tese do ministro tem vencido, mas o conflito confunde a população. Isso é lamentável. O discurso do governo federal tinha que ser único.


O DEM tem importantes ministros, além da presidência das duas casas legislativas federais. O senhor acha que a condução da crise pode alterar a percepção do partido sobre a governo Bolsonaro?


A escolha dos ministros foi pessoal do presidente Bolsonaro. Embora sejam filiados ao Democratas, não houve indicação partidária. O verdadeiro papel do partido é apoiar aquilo do governo que é bom, como a condução do enfrentamento à crise pelo ministro da Saúde.


Qual a opinião do senhor sobre a fala do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, que disse, em telefonema a Osmar Terra, que, se fosse Bolsonaro, “teria cortado a cabeça” de Mandetta? Isso pode trazer consequências negativas ao partido?


Não comentarei conversa, de caráter privado, entre dois deputados. Mas caso seja esse, de fato, o pensamento do ministro Onyx, é equivocado, já que Mandetta cumpre bem e fielmente sua missão. E a última coisa que podemos pensar, neste momento, é proveito ou conveniência de partido político. Temos de pensar nas pessoas e nas ações capazes de tirar o país da crise.


Eduardo Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, teceram fortes críticas à China. Houve respostas igualmente duras nos dois casos. O senhor acredita que os atritos com o maior parceiro comercial do país podem trazer graves consequências ao Brasil?


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Atrito desnecessário e inoportuno. Precisamos da China para nos desenvolver economicamente. É o nosso maior parceiro comercial. Essa é a realidade e ponto final. Não é hora de achismos ou de perdermos tempo com teorias da conspiração.  


Como o senhor avalia a gestão da crise por parte dos Executivos municipal, estadual e federal?


Descoordenada desde o início por falta de um comando central. Cada um passou a agir, de forma individual, sem levar em conta que a crise é mundial.


O senhor é favorável ao adiamento das eleições municipais deste ano? Há PECs sobre o tema apresentadas, inclusive, por outros senadores. Acha que já é hora de discutir o assunto?


Podemos discutir um pouco mais à frente avaliando o quadro da ocasião. Mas já me manifestei favorável ao adiamento, inclusive com coincidência de eleições em 2022. O calendário eleitoral já está prejudicado.


Em tempos de pandemia, como o Senado Federal pode auxiliar os estados?


Já votamos a ampliação das categorias contempladas pelo auxílio emergencial de R$ 600, o que será um incremento importante na economia dos estados. Também há medidas para ajudar empresários, como o Projeto de Lei (PL) 1.282/2020, que institui o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Há, também, previsão de aumento dos repasses aos estados e municípios. Aprovamos, ainda, a mudança no rito das tramitações das matérias para que os projetos sejam aprovados com mais celeridade.