BRASÍLIA – Troca de mensagens por texto, áudio e vídeo, recuperadas pela Polícia Federal (PF) mostram uma relação de intimidade entre o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União Brasil), e o desembargador federal Macario Judice Neto, acusados de vazar a operação que prendeu o ex-deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos, o TH Joias, em 3 de setembro.

O teor de parte das conversas foi usado pela PF para pedir os mandados judiciais usados na 2ª fase da Operação Unha e Carne, desencadeada na manhã de terça-feira (16/12) e que apura o vazamento de informações sigilosas que culminou com a obstrução da investigação realizada no âmbito da Operação Zargun, que mirou TH Joias. 

Macário Neto foi preso nesta terça-feira. Ele já havia ficado 18 anos afastado das funções por suspeitas de corrupção, mas recebendo salário. Voltou ao cargo e foi promovido a desembargador. Estava lotado no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) e era o relator do caso TH Joias. Bacellar, que já havia sido preso e colocado em liberdade depois de decisão do plenário da Alerj, sofreu buscas e apreensões nesta terça.

Após o cumprimento dos mandados, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo da decição, que traz manifestação favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), com relatório parcial da PF. Diálogos dos investigados foram extraídos de três celulares apreendidos com Bacellar na 1ª fase da Unha e Carne, em 3 de dezembro, quando ele foi preso.

Com base na recuperação dos dados, a PF aponta prova de que Bacellar e Macário Neto se encontraram na Churrascaria Assador, no Aterro do Flamengo, na noite de 2 de setembro, na véspera da deflagração da Operação Zargun. Com a quebra dos sigilos telefônicos e vídeos de câmeras de segurança, a PF concluiu que eles estavam juntos quando TH Joias enviou mensagens a Bacellar sobre sumiço e destruição de provas.

Conforme descrito no relatório enviado à Moraes, às 10h49 de 2 de setembro, a PF comunicou à assessoria de Macário a intenção de cumprir os mandados da Operação Zargun na manhã seguinte. Ele já era o relator do caso. Às 11h16, um assessor do juiz respondeu à PF informando que estava no tribunal e que falaria imediatamente com o magistrado. Em depoimento à PF, Bacellar disse que, entre 11h e 12h do dia 2, conversou com TH Joias no Palácio Tiradentes sobre a suposta operação policial. 

Ou seja, quando Macário e Bacellar se encontraram na churrascaria, na noite do dia 2, eles e TH Joias já sabiam de uma operação mirando o então deputado estadual. Foi Macário quem assinou todos mandados usados pela PF na Operação Zargun. TH teria sido informado que era o alvo da ação às 21h do dia 2. E a informação partiu de Bacellar, ao lado de Macário, enquanto estavam na churrascaria.

Investigadores dizem que, na noite de 2 de setembro, TH Joias passou a adotar uma série de medidas consideradas suspeitas. Entre outras, ele retirou pertences de casa, criou um novo Apple ID, passou a usar um novo telefone celular, abriu nova conta de WhatsApp e intensificou a troca de mensagens com pessoas próximas, incluindo o presidente da Alerj.

Belo, Bacellar e Macário dizem ser “irmãos” e declaram amor

Nos celulares de Bacellar, a PF encontrou mensagens dele com assessores dizendo que estava com o magistrado na churrascaria. A informação foi comprovada com rastreamento posterior dos aparelhos, mostrando onde estava o presidente da Alerj naquele dia e horário. Também são muitos os diálogos apresentados pela PF como prova da relação íntima entre Bacellar e Macário.

“A relação de intimidade entre Rodrigo Bacellar e o Desembargador Macário Judice Neto chamou a atenção em razão das palavras de afeto e troca de declarações efusivas de carinho, que denotam confiança e lealdade. Tal vínculo de proximidade foi constatado seja nos diálogos entre ambos, seja numa interação de Bacellar com o cantor Marcelo Pires Vieira, nacionalmente conhecido como Belo”, diz trecho do relatório da PF.

Já Belo é o famoso cantor de pagode. Ele não é alvo da investigação, mas já enfrentou diversos problemas com a Justiça. Em 2003, foi condenado a seis anos de prisão por tráfico de drogas e associação ao tráfico. Cumpriu quatro dos seis anos e teve a pena extinta pela Justiça em 2010. No ano seguinte, foi acusado de integrar quadrilha que comprava carros de luxo para lavagem de dinheiro. 

Os diálogos expostos pela PF na representação à Moraes e que envolvem Belo, Bacellar e Macário têm muitas mensagens de carinho, como “Te amo”, “Você é meu irmão”, “VC é irmão da vida”, seguidas de figurinhas, geralmente com corações. Em agosto de 2025, por exemplo, Belo enviou mensagens como “Eu te amo” e “Beijos para você e para nossa família”, às quais Bacellar responde chamando o artista de “irmão”. 

Belo se declara “secretário de Cultura” de Bacellar. eles combinam um almoço de domingo. Bacellar avisa: “Vai acontecer mta coisa ainda e fica tranquilo estamos mais firmes que nunca”. No mesmo dia, Belo manda mensagens para Bacellar para dizer que encontrou Macário em um shopping do Rio. O cantor manda uma foto com o magistrado, em que ambos aparecem sorrindo. “Nosso desembargador aqui”, escreveu Belo.   

‘Se ele quiser me enfrentar, bebo sangue dele’, escreveu presidente da Alerj

Em 4 de novembro, Macário mandou uma mensagem para acalmar Bacellar: “Foque em BsB hj” [Bsb é uma sigla para Brasília] e “Obg pela confiança”. Na ocasião, Bacellar respondeu: “Vc eu levo pro caixão meu irmão nunca duvide disso”. Em seguida, eles começaram a falar do cenário político no Rio de Janeiro, citando as desavenças  entre o presidente da Alerj e o governador Cláudio Castro (PL).

“Irmão, lamentável esse momento! Penso que separados serão vulneráveis. Para sair como candidato precisará da Alerj”, escreveu Macário, referindo-se aos planos de Bacellar de se candidatar ao Senado em 2026, assim como Cláudio Castro. “Evitemos esse embate. Mas pensemos juntos. Não verbalize nada agora”, pediu o magistrado. No entanto, Bacellar respondeu que não recuaria.

“Se ele quiser me enfrentar, bebo sangue dele irmão”, escreveu Bacellar de imediato. “Sou da roça, amo brigar com peixeira na mão”, completou o presidente da Alerj. Ele mandou um link de um documento para o desembargador, na tentativa de justificar seu ódio pelo governador. “Só te mandei pra te mostrar que ele ama ser vítima e o mundo é o culpado, ele sempre inocente”, escreveu Bacellar.

Desembargador pediu (e ganhou) ingresso para jogo do Flamengo

Para comprovar os laços de estreita amizade entre Bacellar e Macário, a PF também expôs mensagens em que ambos trocam favores. Um deles envolveu um jogo do Flamengo contra o Ceará, pelo Campeonato Brasileiro, em 2025, no Maracanã – partida que daria o título ao time carioca. Em 30 de novembro, o desembargador pediu ao presidente da Alerj ingressos, de graça, para um irmão, a cunhada e um sobrinho.

“E eu queria, eles são flamenguistas doentes, então eu queria ver se eu consigo atender ao meu sobrinho na verdade, que é o Fernandinho que fica, que está aqui me perturbando a paciência. Você querido, tá tudo bem?”, disse o magistrado. “Um beijo grande e um excelente domingo pra vocês”, encerrou assim. Bacellar atendeu prontamente: “Nem que eu arrebente o portão darei um jeito”, respondeu.

“Meu irmão, fica tranquilo que eu vou dar meu jeito, tá? Amanhã eu vou saber a carga que eu tenho exata que a Suderj (Superintendência De Desportos Do Estado Do Rio De Janeiro) vai me informar. Eu não vou mesmo, eu sempre fico de casa, entendeu? Eu gosto de ver jogo quieto. Pode ficar despreocupado”, escreveu Bacellar, deixando claro que sempre tem uma cota de ingressos para jogos no Maracanã.

O presidente da Alerj retornou em 2 de dezembro, confirmando ter recebido até mais ingressos do que o pedido pelo amigo desembargador. “Meu irmão querido, desculpa a demora em te dar resposta, mas deu tudo certo lá, o meu irmão conseguiu tá. Fica na paz muito obrigado você sempre muito positivo e foi bom também que eu não te ocupei né. Fica mais sobra os ingressos pra vocês tá?”, disse Bacellar, em áudio.

No mesmo dia, Bacellar fez um discurso sobre a venda de ingressos pela Suderj, em sessão da Alerj. Disse defender uma CPI e convocar o presidente da superintendência para explicar a ofertas dos tíquetes. Bacellar afirmou que o governo estadual ganha 2 mil por partida. ele ainda disse que convocaria o presidente do Procon e que “faria uma faxina nessa questão dos ingressos do Maracanã”. No dia seguinte, ele foi preso.