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Promotores e defensores contestam liberação do consumo de pescados do rio Doce

07/06/2019 18h20 - Atualizado em 07/06/2019 18h34 por José Vítor Camilo/ Hoje em Dia


rio-paraopeba-brumadinho-30012019173126867.jpegLeonardo Morais/Hoje em Dia / Estudo apontou contaminação por metais e indicou, como forma de prevenção, o limite diário de 200g de pescado

 

Poucos dias após a Fundação Renova - instituição criada para a reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana, na região Central de Minas Gerais - divulgar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) teria atestado a segurança do consumo de pescados do rio Doce, os órgãos da Justiça envolvidos no caso divulgaram uma nota pública contestando a informação. Na carta, as autoridades afirmam que o estudo foi divulgado de forma descontextualizada pela organização sem fins lucrativos. 

No texto publicado no site da Renova, afirma-se que houve parecer favorável ao consumo de peixes e crustáceos da bacia do rio Doce e da região costeira atingida pelos rejeitos de minério "desde que respeitados os limites diários de até 200 gramas de peixe para adultos e jovens acima de 10 anos (1,4 kg por semana) e de até 50 gramas para crianças de até 10 anos e gestantes (350 gramas semanais)". 

Na nota pública, os ministérios públicos e defensorias afirmam que, da forma como foi apresentado, a informação aborda de forma seletiva e pontual algumas conclusões da nota técnica da Anvisa. "Inicialmente, cabe esclarecer que o objetivo desta nota técnica é estimar o risco à saúde humana, decorrente da ingestão de metais, por meio de consumo de pescados originários de regiões afetadas pelo rompimento. Não obstante, sua validação ainda não seguiu todos os trâimites internos da Anvisa para produzir legalmente os seus efeitos", afirmam. 

Desde a divulgação, a nota da agência vem sendo avaliada por especialistas contratados pelo Ministério Público Federal (MPF), que irão averiguar a base de dados e metodologia usada para se chegar a esta conclusão. "Mesmo assim, o Ministério Público e a Defensoria Pública entendem que tal recomendação está em manifesto descompasso com o princípio da precaução, que impõe cautela redobrada para qualquer situação de incerteza científica e que envolva a saúde da população e seus reflexos nas futuras gerações e ao meio ambiente", pontua a nota pública. 

Para os entidades da Justiça, a sugestão de "controle da ingestão" transfere o ônus da contaminação do rio para as comunidade atendidas, já que não é crível que estas comunidades, sua grande maioria rurais, irão realizar tal controle de quantidade de pescado consumido de modo efetivo. A carta contesta também a divulgação de estudos técnicos de interesse das vítimas do rompimento, já que só a publicação na página na internet da fundação não cumpre a obrigação da divulgação de uma informação tão importante. 

"Isso porque o desinteresse no adequado repasse de informações às comunidades aumenta a desinformação e incentiva a desconfiança no processo de reparação em curso", completam os promotores e defensores públicos. 

O que realmente diz a Anvisa

Ainda de acordo com a nota pública, que foi divulgada pelo MPF, a nota técnica da Anvisa, na verdade, reforça a existência de um quadro crônico de contaminação do pescado nas áreas. "Mesmo que demande mais estudos, (a contaminação) atesta a imperiosa necessidade da continuidade de todos os programas socioeconômicos em andamento pela Renova, bem como a urgente expansão de seu fornecimento àquelas comunidades que ainda não foram contempladas", completa o texto. 

Hoje em Dia teve acesso à nota técnica da Anvisa, que, em suas conclusões, afirma que "para minimizar o impacto na saúde pela ingestão de mercúrio e chumbo", poderiam ser adotadas algumas medidas adicionais de gerenciamento de risco, como a "recomendação de consumo diário de pescados menor que 200g para adultos e de 50g para crianças", não afirmando em momento algum que este consumo seja seguro. 

Por fim, a nota pública dos órgãos afirma que, em posse das conclusões da nota da Anvisa, os ministérios públicos e defensorias públicas entendem que persistem dúvidas a respeito da qualidade do pescado do rio Doce e externam preocupação com a orientação "descontextualizada da Anvisa pela Fundação Renova, razão pela qual adotarão as medidas cabíveis". 

A reportagem entrou em contato com a Fundação Renova, que ainda não se posicionou sobre a contestação dos órgãos da Justiça.