O perfil de saúde dos mineiros não permite movimentos errados na hora de expor a população ao novo coronavírus (Sars-Cov-2) sob pena de gerar uma das maiores ondas de procura por hospitais do país. Segundo levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Minas Gerais é o terceiro estado com maior percentual de pessoas com comorbidades e situações que podem levar aos mais graves quadros da COVID-19 (veja a tabela). Com base na Pesquisa Nacional da Saúde (IBGE), os cientistas reuniram dados de seis agravantes, que são a idade avançada, do- enças cardíacas, hipertensão, diabetes, doenças pulmonares e pessoas com pelo menos uma enfermidade crônica não transmissí- vel para identificar as populações mais frágeis.

Nesses quesitos, em média, os mineiros só são menos vulneráveis que os gaúchos e paulistas. Com base nesse cenário e na situação da pandemia no país, a fundação emitiu uma nota técnica em que reforça a necessidade de distanciamento social, principalmente em capitais como Belo Horizonte, que, por medida de segurança, retrocedeu na flexibilização de atividades ecônomicas, e que acabarão sendo destino de muitos doentes do interior. “Em face de toda a incerteza, parece oportuno que as medidas de isolamento sejam pensadas de maneira conjunta, e é preciso estar atento especialmente à pressão do serviço de saúde, uma vez que a redução da curva nas capitais pode significar a interiorização da epidemia, o que possivelmente vai trazer, em médio prazo, uma explosão da demanda por serviços de média e alta complexidades nas capitais novamente”, informa a Fiocruz.
 
Observando os dados selecionados pela fundação, Minas Gerais se destaca negativamente como o estado com a maior população com doenças cardíacas do Brasil, com um percentual de 6,28% dos moradores acima dos 18 anos sendo portadores dessa condição. A média nacional é de 4,18%. Somado a isso, os mineiros são a segunda população de mais hipertensos do país, com uma impressionante taxa de 24,5%, atrás apenas do Rio Grande do Sul, com 25,34%, sendo que, na média, 22,6% dos brasileiros são hipertensos. De acordo com artigo científico do médico Xiaobo Yang publicado na revista Lancet, após estudos em Wuham, o centro da pandemia na China, 23% dos pacientes que desenvolveram condições graves da doença eram hipertensos.
 
“Enquanto a gente não tiver certeza e essa doença ainda esti- ver aqui, podendo matar tantos idosos e doentes como nós, a medida de manter tudo fechado é nossa única proteção”, afirma a auxiliar de serviços gerais  aposentada Maria Eloísa de Melo, de 67 anos, que além de idosa faz tratamento para controlar a hipertensão. Muitas pessoas que fazem tratamento na capital também apoiam a cautela na abertura de atividades por medo de levarem a COVID-19 para a sua comunidade. “Preciso trazer meu marido a BH para consultar por ter um câncer. Tem de arriscar, não tem como ele se tratar onde moramos. Nossa cidade chegou a ter sete casos, mas todos já se curaram. Nós acabamos sendo expostos, estamos no grupo de risco e ainda tem a chance de levar o vírus para a nossa cidade, que é pequena”, pondera a professora estadual de Alvinópolis Aldina do Couto Matoso, de 52, que também faz uso de remédios contra pressão alta.


Mais perigo 

Os mineiros ainda reúnem mais condições adversas, sendo a quarta população do Brasil com  maior quantidade de pacientes com pelo menos uma doença crônica não transmissível, o que acomete 20,65% da população acima de 18 anos. É também o quarto no ranking  percentual de idosos, que chegam a representar 19,4% do total da população. O risco entre os idosos já foi destacado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com base em trabalhos de pesquisadores da Universidade de Hong Kong , que determinaram que pacientes acima dos 59 anos têm cinco vezes mais chances de morrer do que aqueles entre 30 e 59 anos. Isso, devido ao fato de suas respostas imunológicas serem menos eficientes e mais lentas do que as das pessoas mais jovens.
 
Ainda acima da média bra- sileira e na oitava posição nesse quesito,  7,19% dos habitantes adultos de Minas Gerais são diabéticos. O índice médio do Brasil é de 7,05%. Segundo o mesmo artigo da Lancet com dados de levantamentos em Wuham, o diabetes estava presente em 16% dos pacientes que desenvolve- ram formas mais graves da CO- VID-19 e precisaram ser internados.
 
A única condição médica considerada crítica para pacientes do novo coronavírus em que os mineiros figuraram em situação melhor do que a média nacional se refere às doenças pulmonares. Esse tipo de quadro está presente em 1,31% da população de Mi- nas, o 14º pior resultado, mas ainda assim melhor do que o nacional, de 1,78%.
 
Particularidades do sistema de saúde de cada estado são componentes importantes na decisão de relaxamento das medidas de isolamento, assim como outras, segundo informa a Fiocruz. “Antes de implementar qualquer diretriz de relaxamento, a capacidade de teste do país precisa ser substancialmente aumentada, levando em consideração as dimensões continentais do Brasil, com suas diferenças regionais em demografia, clima, urbanização, estrutura de saúde e aspectos socioeconômicos. O que se observa é uma gradual abertura da oferta de serviços e circulação de pessoas, com a flexibilização do bloqueio”.
 
De acordo com boletim dessa quinta-feira da SES sobre a COVID-19, 82% das 1.059 pessoas que morreram em decorrência da doença no estado tinham uma ou mais comorbidades. A hipertensão foi constatada em 360 pacientes e doenças cardíacas em 345. A grande maioria dos que morreram, 74%, tinha 60 anos ou mais de idade.

Isolamento continua na receita

A situação das capitais estaduais traz especial preocupação para os pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, pois, ainda que detenham estruturas mais organizadas, elas servirão de apoio muito rapidamente para uma escalada de casos da COVID-19 no interior. No caso de Minas Gerais, com o agravante de a população reunir condições mais críticas que outras unidades da Federação no que se refere às comorbidades. Além disso, Belo Horizonte não figura entre as capitais com regressão ou controle da doença e, por isso, sua flexibilização precisa ser cautelosa.
 
“Em BH, a doença não foi controlada, está num estágio mais inicial de progressão, o mesmo acontecendo em Minas Gerais. Por isso, o isolamento tem de ser muito bem aplicado, bem como a busca por pessoas que tiveram contato com casos suspeitos, para um afastamento preventivo”, sugere o médico Márcio Bittencourt, do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP e professor da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.
 
A avaliação da Fiocruz reforça a análise do especialista,  uma vez que a fundação afirma que em todas as capitais o número de casos vem aumentando, ainda que isso não esteja ocorrendo na mesma velocidade. “Esse comportamento de progressão é semelhante em todas as localidades. Apenas o comportamento (velocidade da progressão) nas capitais tem sido diferente.
 
Enquanto algumas capitais ainda estão em fase inicial do crescimento exponencial, outras já atingem fase de redução da curva. “Essa queda tem sido mais pronunciada em Belém, Boa Vista, Fortaleza, Maceió, Manaus, Natal, Porto Velho, Recife, Salvador e São Luís. A trajetória da pandemia no Brasil continua sendo de aumento de casos diariamente. Em alguns estados, isso tem se traduzido em sistemas de saúde e serviços funerários atingindo um ponto crítico de pressão”, informa.


Múltiplas realidades

Os números gerais mostram vulnerabilidade, mas o entendimento da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) é de que há várias situações diferentes em Minas e, por isso, as autoridades da área dividiram o estado em faixas de flexibilização. "Não é possível ter uma mesma realidade. O que se tem no Norte de Minas é diferente do Sul de Minas. Vale do Aço e Triângulo do Norte, no momento, merecem uma atenção especial. Por isso, a importância da adesão ao programa Minas Consciente e não de uma só medida para todo o estado", disse o subsecretário de Gestão Regional da Saúde, Darlan Venâncio Thomaz Pereira, em audiência na Assembleia Legislativa.
 
Mesmo com uma curva em descenso nas capitais, o sistema de saúde não pode relaxar sob risco de colapso no atendimento aos pacientes que virão do interior com a progressão natural da infecção para as cidades menores. Contudo, muita gente não sabe sequer que está no grupo de risco. Como a  aposentada Alda Maria de Magalhães, de 56 anos, que veio de Patos de Minas se consultar na Santa Casa para tratamento de coluna e faz uso constante de medicamentos para controle da hipertensão. “Não tenho medo da COVID-19, porque não tenho diabetes. Saio tranquila, de máscara e álcool em gel. Na minha cidade está muita gente na rua, facilitando, sem medo, aglomerando, precisavam ter mais cuidado. A maioria não usa máscara”, disse.