Projeto de Lei encaminhado à Assembleia Legislativa pelo governador Fernando Pimentel busca modernizar a legislação e facilitar a certificação e comercialização do produto no estado
Já imaginou Minas Gerais sem queijo artesanal? Não dá, né? Registrado há dez anos como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o modo artesanal de fabricação do queijo no estado conquista admiradores no Brasil e também fora do país.
Na zona rural, a tradição é passada de geração a geração. A produção é ditada pelo ritmo do rebanho. As vacas são ordenadas diariamente, o leite é transportado e acondicionado. A matéria-prima, crua, é então transformada no saboroso patrimônio mineiro.
Para modernizar a legislação e o processo de produção, facilitando assim a certificação e comercialização do queijo artesanal mineiro, o governador Fernando Pimentel encaminhou, em setembro do ano passado, o P.L 4.631/17, que está em trâmite na Assembleia Legislativa. Além de alterar normas de funcionamento das queijarias e estabelecer novos parâmetros para a fiscalização, o projeto apresenta estratégias de incentivo, como a qualificação técnica dos produtores de queijo.
Desde o envio do projeto, houve reuniões e diálogo com os produtores para analisar a proposta. Em atenção a estas demandas e com o intuito de aperfeiçoar o PL, foi construído um substitutivo, apresentado aos produtores em reunião coordenada pelo governador no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte.
“O interessante desse projeto é que ele abre espaço para regulamentação de todos os tipos de queijos artesanais, incluindo os que são elaborados com leite de outras espécies, como cabra, ovelha e búfala, assim como os queijos artesanais da Mantiqueira, Alagoa, Requeijão Moreno, Cabacinha e do Suaçuí”, destaca o superintendente de Apoio à Agroindústria da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa), Gilson Sales.
“O Governo do Estado está dando condições legais para que todos os produtores possam se formalizar e oferecer para a população produtos seguros, e essa lei poderá embasar uma lei federal, facilitando, futuramente, a comercialização do queijo mineiro em todo o país”, reforça.
Existem sete regiões produtoras de Queijo Minas Artesanal em Minas Gerais: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Serra do Salitre, Serro e Triângulo Mineiro.
Em São João del-Rei, no Território Vertentes, a quinta geração da família Tarôco segue com a produção do queijo artesanal, que foi formalizada e agora é comercializada em outra escala.
O queijo Tarôco foi um dos vencedores do Concurso Estadual do Queijo Minas Artesanal. Foto: Divulgação“Ele era feito apenas para consumo próprio, o nosso sustento mesmo vinha do leite. Em 2012, o preço do leite estava muito ruim, e meu pai começou a investir na queijaria. Eu e meus irmãos nem queríamos ficar na área rural, então eu não me envolvia no negócio. Era muito sofrimento, não dava certo. Em 2015, conseguimos o certificado do IMA e começamos a vender. Descobri o amor pelo negócio. Larguei um emprego onde estava há sete anos e vim me dedicar ao queijo”, conta a produtora Joelma Tarôco.
Hoje, cinco pessoas estão envolvidas na produção do queijo meia cura. São vendidas cerca de 400 peças por mês. O Queijo Tarôco foi, inclusive, um dos vencedores do Concurso Estadual do Queijo Minas Artesanal 2017. O concurso é promovido pelo Governo de Minas Gerais por meio da Emater-MG.
“Hoje, não conseguimos vender para outros estados, porque não temos o selo do Serviço de Inspeção Federal – SIF ou SISB. Aqui no Campo das Vertentes ninguém tem. Então estamos muito esperançosos para que, além da legislação mineira, essa legislação federal também aconteça, pois temos muita demanda de venda”, explica Joelma.
“Nunca imaginei que fosse querer trabalhar com o queijo. Quando eu era criança, via todas as dificuldades. Mas, nos últimos anos, o produto teve muito incentivo, ganhou visibilidade e um reconhecimento que até então não existia, até por conta de políticas públicas. Está dando muito certo”
Joelma Tarôco, produtora
Premiado mundialmente
Em junho de 2017, 12 queijos produzidos no estado foram premiados no Mondial du Fromage de Tours (Salão Mundial do Queijo), realizado na França. Participaram mais de 600 produtos de 32 países.
Premiado em duas categorias, o produtor Túlio Madureira, do Serro, no Território Alto Jequitinhonha, assumiu a fazenda da família há 17 anos, quando resolveu resgatar a maturação do queijo do Serro. “Ninguém mais aqui na região fazia a cura, vendia-se apenas fresco. Comecei a produzir queijo feito somente com leite da raça Gir. Um produto bem diferenciado, de extrema qualidade”, relata.
Para Madureira, o foco de produzir queijo fresco em muita quantidade estava errado. “Minha intenção era ter qualidade e alto valor agregado por produto. A gente não conseguia viver só do queijo, pois cada peça valia entre 8 a 10 reais. Hoje, se produzo dez peças por dia, já tenho a renda que conseguia com 50, 60 peças antigamente. Nosso sustento vem todo do queijo”, comemora.
O Queijo do Gir, como é chamado, é vendido em uma loja na propriedade e para clientes fixos.
“Hoje também atendo turistas, que vêm conhecer o processo de produção. Há um trabalho de divulgação por parte do Governo de Minas Gerais e dos produtores, que contribuiu muito para a valorização do produto. Antes, estávamos totalmente desacreditados. Hoje, o queijo é a bola da vez no estado”
Túlio Madureira, produtor
O projeto
O Projeto de Lei 4.631/17 pretende criar estímulos para a formalização dos produtores de queijos artesanais, desenvolver a cadeia produtiva e valorizar as regiões produtoras, abrindo assim novos mercados para o produto.
Para tanto, a proposição reafirma a necessidade de registro no Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) de todo estabelecimento produtor de queijo artesanal. A identificação desses queijos será realizada mediante estudos de caracterização do processo produtivo, da região produtora e da tradição histórico-cultural local.
Os queijos artesanais deverão obedecer aos padrões sanitários estabelecidos em regulamento específico, que também irá prescrever as condições para a sua produção. O transporte deverá ser compatível com a natureza do produto, para que suas condições sejam preservadas.
Para o desenvolvimento da produção dos queijos artesanais, o Governo do Estado implementará mecanismos que promovam a qualificação técnica e a educação sanitária dos envolvidos no processo, a criação de fundos específicos para o controle de zoonoses e a facilitação da obtenção de financiamentos destinados à melhoria do trabalho de produção.
O Executivo também vai incentivar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico necessários para o aprimoramento dos processos de produção e comercialização dos queijos, por meio da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), bem como a melhoria do rebanho produtor de leite.
Pesquisa
No texto proposto do P.L 4.631/17, fica estabelecido que “compete à Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) desenvolver e prospectar pesquisas sobre os queijos artesanais, em especial, as de identidade e qualidade, bem como validar, se houver, as pesquisas referentes aos queijos artesanais realizadas por outras instituições”.
Por meio do Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT), a Epamig já trabalha, há anos, em diversas pesquisas para desenvolver o Queijo Minas Artesanal. São estudos na linha de segurança alimentar, boas práticas de fabricação, análises sensoriais, entre outros temas.
No edital da Fapemig “ Queijo Artesanal: Tecnologias para o seu Aprimoramento”, que destina R$ 1 milhão em recursos para desenvolvimento de projetos, foram submetidos oito projetos pela Epamig ILCT. O resultado da chamada da Fapemig foi divulgado e está disponível aqui. Ao todo, foram 45 projetos inscritos e 12 projetos aprovados no edital.
O professor e pesquisador do instituto, Luiz Carlos Gonçalves Costa Junior, explica que a equipe também fez parte da comissão técnica que elaborou os termos do Projeto de Lei e que atua agora para a sua regulamentação. “A legislação atual é rígida no sentido de higiene, qualidade e instalações, e com as pesquisas podemos provar que há coisas que podemos mudar no processo artesanal sem descaracterizá-lo”, defende.
“Por tratar-se de um produto feito com leite cru, algumas exigências são necessárias. Porém, nossa proposta torna a lei mais moderna, melhora a qualidade do queijo e atrairá mais produtores para a formalização. Essa atualização na redação vai melhorar o produto para o consumidor e o mercado para o produtor”
Luiz Carlos Gonçalves Costa Junior, professor e pesquisador do ILCT
Outras ações
Hoje, Minas Gerais desenvolve diversas ações para potencializar a cadeia produtiva do queijo artesanal. A Empresa de Assistência Técnica e Produção Rural de Minas Gerais (Emater-MG) oferece assistência técnica e apoio ao produtor, além de promover o Concurso Estadual do Queijo Minas Artesanal.
A Epamig realiza pesquisas científicas, e o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), além de cadastrar as queijarias, realiza a fiscalização e promove ações de educação sanitária dos estabelecimentos.
É desenvolvida ainda, via Seapa, uma nova metodologia para simplificar a obtenção de registro de Queijo Minas Artesanal (QMA), para que os produtores possam vendê-lo dentro do estado.
“A metodologia simplificada é um Plano de Ação para melhorar a qualidade do queijo artesanal e atrair mais produtores para regularização. Ela é também uma forma de disponibilizar para o setor uma metodologia de regularização mais simplificada até que lei, decreto e demais normativos estejam prontos”, detalha o superintendente de Apoio à Agroindústria da Seapa, Gilson Sales.
O queijo
O Queijo Minas Artesanal mantém as características de produção artesanal, a partir de mão de obra familiar, com produção em baixa escala e utilização de leite cru (não é permitido leite pasteurizado). Outra exigência é que ele precisa ser maturado entre 14 a 22 dias, dependendo da região.
Na fabricação do Queijo Minas Artesanal, o processamento deve ser iniciado até noventa minutos após o começo da ordenha. O leite não pode passar por nenhum tratamento térmico. Só podem ser utilizados como ingredientes culturas lácticas naturais como pingo, soro fermentado (ou soro-fermento), coalho e sal.
Os queijos das sete regiões produtoras possuem características próprias que lhes conferem uma identidade regional, em função da altitude, temperatura, tipo de solo, pastagens e umidade relativa do ar.
São aspectos que favorecem o desenvolvimento de determinados micro-organismos no processo biológico de sua produção e maturação. As condições naturais e o saber fazer característico de cada região dão ao Queijo Minas Artesanal uma identidade própria, de acordo com o local onde é fabricado.