A doença é silenciosa, altamente contagiosa e pode trazer danos graves à saúde. Transmitida durante uma relação sexual sem preservativos, até mesmo no sexo oral e nas preliminares, a sífilis vem se alastrando rapidamente por Minas Gerais e na capital mineira, afetando até bebês, que já nascem com a doença, transmitida pela placenta. De janeiro a agosto, foram registrados 8.235 casos de sífilis adquirida (confira quadro) no estado, o que equivale a uma média de 1.029,37 por mês, nada menos que 34,31 por dia. Em Belo Horizonte, somente nos primeiros sete meses do ano, último dado disponível, foram 1.185 registros da enfermidade, média de 5,5 por dia. Embora a melhora no diagnóstico, com disponibilidade de testes rápidos, tenha influência nos números, a escalada da doença, que alcança níveis epidêmicos, está ligada à falta de proteção durante as relações sexuais, apontam especialistas. Vale destacar que exames para detectar a enfermidade são oferecidos, gratuitamente, em todas as unidades básicas de saúde.
 
A sífilis é mais uma doença a preocupar as autoridades de saúde de Minas Gerais, que admitiram a ocorrência de epidemia no estado em 2016. De lá para cá os números só aumentaram. Como o Estado de Minas mostrou na edição de 19 de outubro, o estado passou por média de uma epidemia por ano desde 2009. Os principais desafios são a dengue e a contaminação do vírus Influenza, da gripe. Mas, há também o retorno de outras  enfermidades que não eram vistas havia muito tempo, como o sarampo, que registra surto ativo neste momento no estado, e febre amarela, que castigou Minas em 2017 e 2018.
 
A sífilis é uma doença antiga, curável desde o século 20, com a difusão da penicilina a partir da Segunda Guerra Mundial, mas vem avançando rapidamente. Além da forma adquirida – caracterizada pela transmissão por relação sexual sem camisinha com pessoa infectada, transfusão de sangue contaminado ou por compartilhamento de agulhas e seringas infectadas, para uso de drogas –, há também outras classificações da moléstia. A que mais preocupa as autoridades de saúde é a congênita, transmitida de mãe para filho, via placenta.
 
Somente nos primeiros oito meses deste ano, foram diagnosticados 1.336 casos, o que corresponde a 55% do total registrado no ano passado inteiro e média de 5,56 por dia. Em Belo Horizonte, a concentração é quase quatro vezes maior. De janeiro a julho, foram 143 registros em 2019, média de 20 por mês.  Os casos em gestantes também são altos. Em Minas, são 2.514 diagnósticos positivos, e 388 na capital mineira. “A sífilis congênita pode trazer consequências sérias para o bebê. Desde malformações leves, sintomas da doença na criança, ou até mesmo levar à morte”, afirmou Tatiane Sereguetti, infectologista da Secretaria Municipal de Belo Horizonte (SMSA).
 
diagnóstico e tratamento da enfermidade são simples, mas, mesmo assim, viraram um desafio. Primeiro porque a doença avança silenciosamente no organismo e seu estágio de agravamento causa sérias complicações cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo levar inclusive à morte. Outro problema é que o combate esbarra na falta de prevenção. “Nos últimos anos, temos observado uma elevação expressiva no número de casos no Brasil, no mundo. E em Belo Horizonte não é diferente. Conseguimos perceber algumas questões que influenciam, como a melhora do acesso ao diagnóstico, mas não explicam a epidemia como um todo”, comentou a infectologista. Diante da epidemia na cidade, a Secretaria de Saúde vem investindo em campanhas de prevenção, com a distribuição de panfletos informativos sobre o tema feitos no dia 18, e a intensificação da oferta de testes em suas unidades de saúde.

 

Sexo sem proteção


Uma das explicações para o aumento vertiginoso dos casos de sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis é a mudança da cultura da população. Grande parte das pessoas não se protege na hora da relação sexual, uma atitude perigosa. “A gente tem a questão da baixa adesão da população ao uso do preservativo, especialmente na prática de sexo oral. Além da baixa oferta de exames na rotina do cuidado para todas as pessoas. Temos o caráter da doença, que é altamente transmissível, crônica e silenciosa.  Às vezes, a pessoa tem a doença e não sabe. E continua transmitindo”, alertou Tatiane Sereguetti.
 
A falta de conversa sobre sexo, principalmente entre pais e filhos, pode explicar a mudança de atitude dos jovens que se negam a usar preservativos. “A gente ainda tem um tabu de conversar sobre o assunto. É nítida na geração de hoje a mudança sexual para a geração de 20 anos atrás. Então, é preciso se adequar. As pessoas que têm um maior número de parcerias, jovens, e principalmente o público homossexual, pois é nítido que a sífilis está concentrada, principalmente, na relação entre homens, devem realizar exames periodicamente”, diz Jordana Costa Lima, superintendente de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG).
 
Mas isso não quer dizer que pessoas sexualmente ativas que estejam fora desses grupos não tenham que fazer exames para detectar a doença. Inclusive as que têm relação estável, alerta Jordana. “Hoje, uma mulher casada se sente constrangida de pedir o exame ao marido. Essas são discussões que devemos ter na prevenção e na sociedade”, comentou.
 
O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano, ressalta que as pessoas estão se arriscando ao não utilizar preservativos na relação sexual. A mudança na cultura, segundo ele, se deve ao fato de os jovens não terem vivido no período de explosão do HIV, transmissor da Aids. “Às vezes, as pessoas sabem que correm risco durante um ato sexual desprotegido e o negligenciam, assumem o risco. Por isso há uma explosão de sífilis. O tratamento do HIV, das hepatites, a evolução cada vez maior, permitindo uma vida saudável, embora não se tenha a cura, dão às pessoas certa tranquilidade. Isso ocasiona a exposição a contrair uma doença. De certa forma, o tiro sai pela culatra”, ressaltou.

Histórias de mistérios


 
Causada pela bactéria Treponema pallidum,  a sífilis tem origem desconhecida e pode ter sido documentada por Hipócrates na Grécia Antiga em sua forma terciária. Seria conhecida na cidade grega de Metaponto aproximadamente 600 a.C., e em Pompeia foram encontradas evidências arqueológicas nos sulcos dos dentes de crianças cujas mães estavam contaminadas. Há duas teorias sobre seu surgimento. Uma defende que se trataria de uma doença americana trazida por Cristóvão Colombo ou seus sucessores da América para a Europa. A outra é que a sífilis seria uma enfermidade antiga do Velho Mundo que sofreu mutações que a tornaram mais contagiosa no século 16, quando se espalhou pela Europa. Foi somente no século 20 que se obteve um tratamento efetivo para a sífilis. Em dia 3 de março de 1910, foi anunciado o sucesso de um novo medicamento contra a sífilis, descoberto pelo sorologista Paul Ehrlich, o salvarsan. Mas somente a partir da descoberta da penicilina e sua difusão depois da Segunda Guerra Mundial foi possível a cura efetiva da enfermidade. A penicilina é usada ainda hoje no tratamento. No caso de alérgicos, as opções são a doxiciclina e a tetraciclina.